Essa é a história de todos nós. 
      A história de alguns dos últimos momentos da turma 81. 
      Um pretenso relato do alter-ego de um alter-ego, observando o dia-a-dia caótico no Feudo Odontológico da Universidade de São Paulo. 
 Sem fotos, só a aridez (por vezes perniciosa) dos fatos. 
 O relato atualizado a cada final de semana - essa é a proposta - num pseudo rascunho de página de internet. 
     XXX - - - Sem cortes ou máculas - - - XXX
A história de todos nós. De agora até o glorioso final. 

25.5.2000

+ Uma cervejada, um churrasco. 
 
   Poderia começar na tarde do dia anterior (que foi quando cheguei a São Paulo) quando fui ao apartamento de uma amiga e ficamos discutindo filosofia transcendental entre um maço de cigarros javaneses e uma garrafa de rum (bebida de pirata), podia começar no início da noite, quando no apartamento do Felipão ficamos escutando Queen e tirando fotos com sua irmã. Mas vou começar com o Kulik ligando e dizendo:
  
  - Vou comprar uma garrafa de pinga. Quero entortar as pernas essa noite. 

(ele não poderia ter dito maior verdade, mas éramos todos ignorantes do que aconteceria depois...)

   Felipão desligou o telefone após trocar umas palavras com Kulik. Saímos depois de pegar duas solitárias garrafas de cerveja na geladeira e uma garrafa de vodca miserável do freezer. 

  - Acho que nem vai muita gente hoje pro churrasco amanhã. 
  
  - Talvez - respondi já no elevador. - você vai?

  - Não sei. Não sei. Decido na cervejada. 
 
   Atravessamos o estacionamento. Embarcamos na viagem fantástica até o Feudo Odontológico. 
   Chegamos cedo, é verdade. Apenas Fly, Danielzinho, Vi, Dani (a loira) e Tati. Cumprimentados todos, a dúvida:
   
   - E agora? Congelamos aqui ou saímos pela cidade pra comprar algum aditivo? 
 
   - Aditivo. Quem fica parado é poste. 
 
   Saímos mais uma vez. Pelas escadas que politécnicos projetaram enquanto bebiam absinto. Escadas tortas. Como a maioria ficaria mais tarde. 

   Bibere humanus est, ergo bibamus

   Chegamos onde devíamos chegar. Com esforço. Bate e volta. Descesobescada. 
     
   De volta ao feudo as festividades já haviam começado. No lado de dentro do C.A. de fora pessoas se entregam aos prazeres bucólicos da vida em greve. 
   Celso e Danielzinho bebem da garrafa da vodca miserável. 
   Carlão perde o medo e resolve:
   
   - Dá essa bagaça aqui. 

   E vira um gole infernal. 
   Kulik chega. 
   
   - Vamos? 

   - Caixa d'água do ICB? 

   - Vamos? 

   - Vamos, mas a gente leva a Lílian junto. Ela nunca foi. 

   - Então vamos. 

   Antes de irmos, porém, sagramos a garrafa de vodca:

   - Longa Vida ao Professor Fortunato! Hey hey hey Fortunato é nosso Rey!

   Fly e Felipe vieram também. 
 
   No caminho, o desafio de Fly. O homem mais forte do universo lança o próprio corpo contra os carros que avançam. Só arregou pro ônibus. 
   Porradinha, receita do Kulik (já bêbado):
   
   - Coloca-se um tequito de sprite ou soda limonada antartica num copo plástico, vira-se pinga até que alguém diga "PARA! CHEGA!" bem alto, deposita-se cuidadosamente o copo no asfalto escuro e pula-se ao redor dizendo "Porraaaadiiiiinhaaaaaaa!" e rindo vigorosamente. O drink está pronto para o consumo. 

   Foi assim até o ICB. Parando às vezes. Tropeçando. Até que subimos ao alto da caixa d'água.
   Cinco amigos no alto da caixa d'água tirando fotos no meio da noite. Cinco pontas de estrela contrastando com o céu infestado de estrelas nunca antes vistas. 
   Houve tempo até para pornografias alcoólicas e confissões que em outra ocasião não teriam sido pronunciadas.... 
   Mas tínhamos que voltar. 
   Voltamos. 
   Chegamos ao C.A., mais uma vez. 
   Do outro lado, uma disputa de quem bebe mais rápido uma latinha de cerveja. Os louros ficam com Celso. Acho que foram 3,8 segundos de garganta aberta. 
   Entre o aqui e o ali, o agora e o sempre, Kulik passa mal sob um poste de iluminação. 

   - Bem vindo ao clube. Anda, não esquece de respirar. 

   Danielle aparece
 
   - Vou pegar uma coca pra ele.

   De repente estamos cercados de amigos e suporte. 
   
   - Kulik, fala com a gente. 
 
   E ele não fala. 
 
   - Vc. consegue andar? 

   Ele deita no chão e mexe o dedo. Não. 

   - Só não deita no seu vômito. 
   
   - Vai pro H.U.? 
  
   - É melhor, se não ele não sai daqui. Toma glicose e melhora rapidinho. 

   - Eu acho que é uma boa. 
 
   - É. é uma boa sim. 
 
   - Vamos buscar o carro dele então. 

   De modo misterioso, conseguimos ligar o carro e de modo mais misterioso ainda conseguimos colocá-lo dentro. 
   Com o Fly dirigindo, Lílian e eu no banco de trás. 
   
   - Vem comigo - ela disse ao chegarmos no HU. 
   
   Carregamos o homem-elefante até o P.A. Depois de alguma papelada e perguntas de ordem anamnética, depois de perguntar exaustivamente por seu irmão (que faz medicina e joga basquete) Kuki ficou dormindo numa maca enquanto recebia uma transfusão de glicose. 

    - Olha - o plantonista dizia - ele não vai melhorar em dez minutos não....
 
    - Será que ele melhora o suficiente pra gente colocá-lo num ônibus? - Lílian perguntou.

    - Talvez...

    E começou a espera. Quinze, vinte minutos. 
   
    - Será que ele tá apto pra levantar - perguntamos ao plantonista. 

    - Vamos ver. Kulik. Kulik. Vc. não quer ir pra Ribeirão no churrasco? 
    
    E ele mexia uma pontinha do dedo mindinho. Não. 

    - Vamos dar mais glicose pra ele. 
 
    - Que horas são? - perguntei. 

    - Três. 

    - Vou pegar minha mala e pedir pra galera esperar. 
 
    - Eles não sairiam sem a gente. 

    - O mundo é estranho Lílian. Vou pegar minha mala e pedir pra esperarem. 

    Fui e voltei. 

    - Ele acordou? 

    - Não. 

    Esperamos. 
    Vinte pras quatro. 
    
    - É o seguinte. Ele não vai poder ir. E não podemos chamar a mãe dele pra vir buscá-lo. E o dotô já disse que não libera ele assim e tem que ficar alguém pra tomar conta dele. 

    Podia ter sido no dois ou um, podia ser no palitinho. Pra evitar tudo aquilo que seria deprimente, 

    - Eu fico. 

    - Mas vc. nem sabe onde ele mora. 

    - E nem ia dirigir o carro dele, mas espero ele melhorar. Eu fico. Beleza? 
   
    - Beleza. Vamos buscar as coisas dele que estão no ônibus. 

    Chegando ao ônibus...
 
    - Eu fico aí com vc. também. - disse Fly. 

    Não é o tipo de companhia que se recuse. 

    - Valeu Fly. Vocês vão embora logo e aproveitem. Hehehe. 

    - Vocês são uns anjos. 

    E os ônibus partiram. 

    - Você podia ter ido com eles Fly. 
  
    - Você devia ter ido com eles Jacob. 

    - Estamos aqui, não é? Hehehe

    E esperamos e esperamos e esperamos. Até que o Kulik acordou 6 e meia da manhã. Saudável e deprimido como não poderia deixar de ser. 

    Poderia ficar aqui discorrendo sobre o valor da amizade e tudo mais. Mas o que eu tinha de dizer já disse pro Kulik ele mesmo. Nem eu nem o Fly ficamos porque nos sentimos forçados. Ficamos porque sentimos que era o certo. Se nos fosse dada a escolha, teríamos levado o homem elefante pra Ribeirão. Entretanto.... 
   
    Às vezes é bom ouvir com atenção aquele velho álbum dos Beatles, o Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band....