Augusto dos Anjos

    Conheci o Augusto em agosto de 1901,  através do meu amigo Órris Soares (avô de Jô Soares) que havia estudado com o poeta no Liceu paraibano . Augusto dos Anjos era uma figura interessante, com seus olhos profundos e seu bigode, que embora comum na época, criava um estilo que mais parecia a reencarnação de Allan Poe. A princípio, já me pareceu uma pessoa interessante! Meu amigo, entusiasmado me mostrara suas poesias, e então, tive a certeza de que Augusto era uma pessoa especial, sensivel como seus modos, seu olhar e seu andar aparentavam!

     Seus conceitos remetiam ao goticismo atual, usava a emoção como matéria prima, fazia tudo com muita consciência mas também com muita emoção. Era um intelectual, sabia muito sobre literátura assim como sobre as outras artes. 

    Augusto dos Anjos veio a falecer em 1914, se eu não me engano, em 12 de novembro, no Rio de Janeiro. Foi uma tristeza geral. De tão decepcionado que fiquei, voltei para São Paulo e só fui regrassar ao Rio de janeiro nos anos 50. 

 

Poesias de Augusto dos Anjos:

 

Último credo
 
Como ama o homem adúltero o adultério
E o ébrio a garrafa tóxica de rum,
Amo o coveiro - este ladrão comum
Que arrasta a gente para o cemitério!
É o trancendentalíssimo mistério!
É o nous, é o pneuma, é o ego sum qui sum,
É a morte, é esse danado número Um
Que matou Cristo e que matou Tibério!
Creio, como o filósofo mais crente,
Na generalidade decrescente
Com que a substância cósmica evolui ...
Creio, perante a evolução imensa,
Que o homem universal de amanhã vença
O homem particular que eu ontem fui!

 

Versos íntimos
 
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo, Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja esta mão vil que te afaga,
Escarra nesta boca que te beija!

 

Budismo moderno
 
Tome, Dr., esta tesoura, e ... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo meu coração, depois da morte?!
Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte!
Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;
Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétua grades
Do último verso que eu fizer no mundo!

 

Soneto

 

Ao meu primeiro filho nascido
morto com sete meses incompletos

Agregado infeliz de sangue e cal,
Fruto rubro de carne agonizante,
Filho da grande força fecundante
De minha brônzea trama neuronial,
Que poder embriológico fatal
Destruiu, com a sinergia de um gigante,
Em tua morfogênese de infante
A minha morfogênese ancestral ?!...
Porção de minha plásmica substância,
Em que lugar irás passar a infância,
Tragicamente anônimo, a feder?!...
Ah! Possas tu dormir, feto esquecido,
Panteisteicamente dissolvido
Na noumenalidade do NÃO SER !

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

 

 

 

 

 

 

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