O Troco

 

Hiei fez uma cara de descrença ao ouvir a proposta de Yusuke.

"Um desafio?" ele perguntou, calmamente.

"Isso mesmo, Hiei," Yusuke replicou, "Eu desafio você para uma luta. Da primeira vez em que nos enfrentamos, eu venci."
Yusuke frisou bem essa última parte, e Hiei estreitou o olhar perigosamente, mas não fez nenhum comentário. "Mas, afinal,
nenhum de nós dois estava em sua capacidade total. Da última vez," ele continuou, não ligando para a expressão cada vez mais
sombria do youkai à frente dele, "nós tipo que empatamos...mas não pode se considerar muito, pois você estava só me
testando. Acho que já chegou a hora de tirarmos a prova dos nove...e vermos quem é o melhor. E então, você aceita?"

Hiei pareceu considerar aquilo por um momento, calado, observando Yusuke cuidadosamente. Sua expressão continuava mais
fechada do que nunca.

"Onde e quando?" Hiei finalmente falou, e Yusuke sorriu por dentro. Isso ia ser melhor do que ele imaginara.

"Amanhã, às nove da noite, eu vou lhe dar o endereço." Yusuke então acrescentou: "Ah, tem uma condição: sem armas, sem
poderes. Vai ser no mano a mano. Você não poderá levar sua katana. Ainda assim você topa?" Yusuke provocou-o, erguendo
as sobrancelhas. A cara de Hiei demonstrava claramente que se Yusuke continuasse com as provocações, o desafio teria início
ali mesmo. Mas ele pareceu se controlar, embora lançasse um olhar atravessado para Yusuke.

"Isso é pergunta que se faça?" Hiei resmungou rudemente, " Eu estarei lá."

"Kurama lhe dará o mapa depois." Yusuke acrescentou. Hiei aquiesceu com a cabeça, em seguida desapareceu da vista de
Yusuke.

Alguns segundos depois, dois vultos sairam de trás dos arbustos onde estiveram ouvindo toda a conversa. Kurama e
Kuwabara sorriam com ar de cumplicidade.

"Ele caiu," Kurama disse, e Yusuke e Kuwabara riram.

"Como um patinho!" Yusuke riu mais alto, e os três se viraram de volta para casa.
 

                                                        ***

Na noite seguinte, Hiei foi pontual. Com o mapa feito por Kurama na mão (não que ele precisasse realmente de um, mas
aquela raposa teimosa insistira que ele o guardasse) ele chegou no lugar indicado. Ele olhou em volta, depois olhou para o
mapa de Kurama. Algo estava errado. Quando ele pensara no desafio, imaginara um local ermo e deserto, longe da cidade.

"Não é possível," ele murmurou em voz alta, " esse lugar..." ele olhou para a entrada da boate movimentada. Havia gente
demais por toda parte. Como era possível lutar ali? Aquela raposa estúpida errara o lugar, era a única explicação. Ele ia ficar
ali a noite inteira esperando, enquanto Yusuke devia estar em algum outro lugar (provavelmente no outro lado da cidade)
esperando por ele.

Ele já se preparava para deixar o local, quando avistou Yusuke chegando, com um sorriso nos lábios. Hiei observou que
Yusuke estava por demais bem-vestido; embora ele não entendesse patavina dos hábitos de vestuário desses humanos, através
do convívio com Kurama, ele sabia distinguir quando alguém estava vestido para...sair? Yusuke vestia um blazer azul-marinho,
calça de tecido e uma camisa social. Seu cabelo estava ainda mais esticado para trás.

Hiei sentiu-se confuso. E ele odiava se sentir assim. Seu instinto lhe dizia que havia algo tremendamente errado com essa
situação, mas ele simplesmente não atinara com o que era.

"E aí?" Yusuke lançou-lhe um cumprimento, que foi devidamente ignorado.

"Nós vamos lutar aqui?" Hiei procurou manter o tom calmo, pelo menos por enquanto."Por mim. tanto faz...mas você deve
estar louco. Tem um monte de gente aqui."

O sorriso de Yusuke continuava, incomodando-o demais. O que esse imbecil estava aprontando, afinal?

"Não se incomode com isso," Yusuke passou uma mão despreocupadamente pelo cabelo cheio de gel. "Nós não vamos lutar.
Não hoje, pelo menos."

"Como assim?" Hiei começou a enervar-se. "Você me desafiou. Eu estou aqui. Você está aqui. Que história é essa de não
haver luta?"

"Eu vou lhe explicar. Esse foi o único jeito de fazer você vir a um programa com a gente, Hiei."

"A gente? A gente quem? De que diabos você está falando?"

Yusuke fez um aceno com a mão, e de trás de um carro, Kuwabara e Kurama saíram, onde estiveram agachados, escondidos.
Ambos também se encontravam bem-arrumados (no caso de Kurama, isto não era novidade) do mesmo modo que Yusuke.
Finalmente Hiei começou a compreender o que estava acontecendo, e uma faísca de ódio acendeu-se em seu interior.

"Nós vamos entrar nessa boate, Hiei. E você vem com a gente." Kurama disse, piscando um olho para o pequeno youkai. Hiei
lançou-lhe um olhar furioso.

"Vocês devem estar loucos," Hiei quase grunhiu, num sorriso de escárnio. "para pensarem que eu vou fazer isso."

"Por quê não, Hiei? Você até está vestido de acordo..." Yusuke alegou, apontando para a roupa que Hiei estava usando;
camisa e calça preta, substituindo o traje igualmente preto, parecido com uma batina, que Hiei sempre usava. "Aposto que
você já desconfiava, do contrário não teria vindo assim..." O tom jocoso de Yusuke, juntamente com a expressão divertida de
Kurama e de Kuwabara, estava enlouquecendo-o. Mas o pior não era isso, não mesmo.

O pior de tudo era descobrir que ele fora simplesmente e facilmente manipulado. Essa era a dura verdade. E o cabeça de toda
a situação, é claro, era aquele ruivo metade youko, metade humano que o olhava como se não houvesse nada mais engraçado
do que aquilo.

"Eu só vim assim porque..." ele conseguiu finalmente dizer, para então fechar a boca abruptamente, quase se traindo. Ele fizera
mesmo isso? Quase abrira a boca para dizer que passara a tarde no quarto de Kurama? Não ligava a mínima para a opinião de
ninguém...mas o fato é que ninguém ainda sabia de seu ..."relacionamento" com Kurama, e deixar isso vir à tona agora tornaria
as coisas um pouco complicadas, mas ainda do que elas já estavam. Ele engoliu em seco, e sua mente se voltou rapidamente
para aquela tarde daquele mesmo dia...
 
 

"Continua com a mesma dificuldade em usar a porta, como sempre, não é, Hiei?" disse Kurama, sem se voltar, debruçado em
sua escrivaninha, onde fazia seu dever de casa.

"Hn,"  Hiei deu-lhe o habitual cumprimento, após entrar no quarto de Kurama pela janela. Ele tirou a túnica e a largou no chão,
em seguida largou-se na poltrona.

"Dia difícil, heim?" Kurama continuou, ainda sem se voltar. Hiei não respondeu. Kurama finalmente virou-se na cadeira para
olhá-lo, sorrindo. "Ouvi dizer que você foi desafiado...pelo Yusuke. Tenho até em meu poder um mapa do local onde
acontecerá o grande evento." Kurama tirou do bolso da camisa um papel dobrado e estendeu-o para Hiei. Hiei não deu
mostras de querer se levantar para pegar o mapa, apenas o olhou de soslaio.

"Apenas me diga onde é o lugar." Hiei finalmente resmungou, azedo.

"Não vou dizer." Kurama respondeu, e guardou o mapa de volta no bolso. "Talvez você não esteja assim tão interessado em
derrotar Yusuke como eu pensava..."

"Sua raposa idiota," Hiei retrucou, se levantando de repente, "Eu posso vencê-lo com um braço amarrado nas costas. Posso
vencê-lo até com os DOIS braços amarrados nas costas. Eu VOU vencê-lo, e se não quiser me dizer onde esse idiota vai
estar, eu mesmo o encontrarei. Não preciso da sua ajuda."

"Hmm..." Kurama murmurou, com a mão no queixo, pensativo, não parecendo impressionado com o discurso de Hiei.
"É...talvez não precise mesmo...mas não se preocupe, Hiei. Eu vou lhe dar o mapa. Tome." Ele tirou o papel novamente do
bolso e estendeu-o prestativamente para o youkai.
Hiei deu alguns passos em direção ao humano-youko, mas quando estendeu a mão para pegar o mapa, Kurama puxou-o de
volta, com uma risada.

"Pare com isso," Hiei ameaçou, entredentes. Kurama levantou-se rápido e atirou-se na cama, e agitou o mapa na mão, como
um lenço.

"Venha pegar..." Kurama acenou com o mapa com um olhar inocente. Em seguida guardou-o por dentro da camisa, junto ao
peito. Hiei reprimiu um sorriso com todas as forças. Então ele queria brincar...bem, que não se arrependesse depois. Hiei olhou
para o jovem ruivo que esperava por ele na cama, um sorriso malicioso nos lábios, convidativo.

"Se eu tiver que ir até aí," Hiei declarou, solene, e Kurama sentiu-se renovado com a mudança na expressão de Hiei. Ele não
estava mais com raiva. Ia ser uma tarde bem agradável. "Vou querer mais do que esse mapa idiota."

"Estou preparado para isso," Kurama declarou, abrindo os braços para que o demônio de fogo se aninhasse dentro deles. Hiei
assim o fez, e eles apressadamente tiraram as roupas, e o mapa foi se depositar no chão, ao lado da cama, momentaneamente
esquecido.

Após eles recuperarem o fôlego, abraçados, nus, os corpos grudados de suor, Kurama  olhou para Hiei, que estava quase
adormecendo, com a cabeça descansada em seu peito. Ele alisou os cabelos negros, carinhosamente. A respiração de Hiei
tornou-se mais pausada, e Kurama finalmente teve certeza que Hiei estava mesmo dormindo. Ele sorriu sem sentir. Nunca vira
o sono de Hiei ser tão pesado quanto nas vezes em que faziam amor. Ou, é claro, depois que seu amante usava o Kokuryuha.

Ele se desvencilhou com cuidado do corpo de Hiei, lentamente, para não acordá-lo. Hiei murmurou um som de protesto em
seu sono, em seguida se enroscou nos lençóis, e ficou imóvel. Kurama tinha que agir rápido. Ele recolheu as roupas e as botas
de Hiei do chão e os embrulhou, colocando-os em uma sacola. Chegou até a janela e invocou um dos galhos da árvore que
crescia ao lado de sua janela, fazendo-o esticar-se até seu alcance. Ele pendurou a sacola no galho, e fez com que ele voltasse
à sua posição original, quase no topo da árvore, bem escondida entre as folhagens.

Era impossível para qualquer um avistá-lo. A não ser que Hiei usasse seu Jagan...bem, mas Kurama não acreditava que ele
fosse fazer isso. Para derrotar Yusuke, ele iria precisar de toda a energia disponível. Não desperdiçaria energia para tentar
encontrar sua roupa. Kurama achava que ele só acordaria dali a algumas horas, e aí já estaria quase na hora de se encontrar
com Yusuke.

Kurama juntou-se a Hiei na cama, e adormecido, Hiei abraçou-se a ele. Kurama olhou para o rosto quase infantil ao seu lado,
e seu coração encheu-se de ternura. Ele beijou suavemente a ponta do nariz de Hiei, que o franziu, murmurando algo inteligível.
Kurama sorriu e fechou os olhos, num suspiro satisfeito.

                                                                ***
 

"Onde estão minhas roupas?"

Kurama abriu os olhos sonolentos, confuso porque Hiei estava-o sacudindo rudemente. Ele sentou-se na cama,
desvencilhando-se de Hiei com um pequeno safanão.

"Nossa, Hiei, quanta delicadeza..." Kurama murmurou, num bocejo.

"Onde estão minhas roupas?" ele repetiu em tom exigente, encarando Kurama. Este esfregou os olhos.

"Ao lado da cama," Kurama respondeu, "Não foi onde você as deixou?"

"Não estão aqui," Hiei disparou, nervoso. "Sumiram." De repente ele arregalou os olhos. "Foi você, não foi? Que brincadeira
mais idiota. Por quê escondeu minhas roupas? Me devolva imediatamente."  Ele ordenou, num tom que não admitia negativa.

Kurama olhou para o pequeno corpo nu e bem definido de Hiei e não conseguiu reprimir um sorriso perverso. Ele jogou um
pouco do cabelo sedoso para trás do ombro, calmamente, assistido pelo olhar faiscante de Hiei.

"Eu prefiro você assim," Kurama piscou o olho, "Não precisa de roupas, koibito..."

"Kurama," Hiei falou as palavras pausadamente, ainda mantendo um mínimo de calma. Mas não por muito tempo, ele podia
sentir isso. Mas que hora mais imprópria para brincadeiras por parte desse youko... "Devolva minhas roupas. Agora."

"Tudo bem." Hiei piscou. Estranho...ele concordara fácil demais. Kurama levantou-se da cama e abriu seu armário, de onde
tirou uma sacola plástica. Ele tirou o conteúdo dela e colocou-o em cima da cama. Hiei olhou por um momento, os olhos
estreitos.

"Essas não são minhas roupas." ele constatou, e olhou para Kurama, interrogativo.

"Agora são." Kurama disse, e desdobrou uma camisa preta, de mangas compridas, e um par de calças igualmente pretas.
Havia também um par de sapatos, um tipo de botina de camurça preta, e meias escuras. Hiei olhou para as roupas e o sapato,
com um ar descrente. "Eu as comprei no shopping, hoje. Achei que combinavam com você. Sei que não usaria outra cor que
não fosse preto, então..." Kurama deu de ombros, com um meio-sorriso.

"Por quê fez isso?" Hiei perguntou.

"As suas roupas...estão muito gastas, Hiei. Não servem mais."

"O que fez com elas?"

"Eu as destruí." Kurama mentiu, sentindo uma pontada de culpa passageira.

"Você o quê??!..." A expressão de Hiei era tão incrédula que Kurama teve que reunir todas as suas forças para não cair na
gargalhada. Isso poderia até ser fatal, agora. "Sua...sua raposa idiota, sua..."

"Hiei, já são oito e trinta e cinco...você não vai se atrasar para o desafio?" Kurama lembrou-lhe, e Hiei arregalou os olhos.
Entretido naquela situação absurda, ele se esquecera totalmente da hora. Ele olhou para as roupas estendidas na cama, de
novo para Kurama, em seguida novamente para as roupas. Finalmente ele se decidiu, contrafeito.

"Eu vou vestir isso," ele pegou as roupas com um gesto brusco, lançando a Kurama um olhar que prometia os piores castigos
do inferno por toda a eternidade e além dela. "Porque não tenho tempo de arranjar outras, agora. Depois, arranjarei roupas
decentes novamente, no Makai. E vou acertar as contas com você mais tarde." ele prometeu, e Kurama assentiu, humilde,
como uma criança sendo repreendida pelos pais. Ele observou Hiei vestindo as roupas, e calçando os sapatos. Ao terminar, ele
achou-o tão sexy que se não fosse a urgência da hora, ele se sentiria tentado a fazê-lo tirar todas elas e arrastá-lo de volta para
a cama.

Hiei jamais se olharia no espelho, mas olhou para si mesmo, e não pareceu muito aborrecido com o resultado. As roupas
serviram perfeitamente. Do traje antigo, a única coisa que restara era a faixa branca na testa, mas isto era necessário e não
podia ser descartado, tendo em vista a reação das pessoas comuns ao virem um ser de três olhos...um deles na testa e
demoníaco, ainda por cima.

Kurama olhou para seu pequeno youkai, e sorriu satisfeito com o resultado. Essa parte do plano dera certo como um relógio...
ele se sentiu orgulhoso de si mesmo.

Hiei dirigiu-se à janela, e virou-se contrariado quando Kurama chamou-o, estendendo-lhe o mapa.

"Não se esqueça disso," Kurama preveniu o koorime, e fê-lo pegar o papel. Hiei pegou-o e guardou-o no bolso da calça.
Olhou para sua katana, que repousava perto da poltrona. Kurama acompanhou seu olhar. "Sabe que não pode levar a katana,"
ele disse, e Hiei virou-se para ele, as sobrancelhas franzidas. "Não preciso mesmo dela." ele afirmou, com ar de desdém.

" Pode deixar, cuidarei bem dela." ele garantiu, e Hiei olhou para o rosto sorridente do youko.

"Do que está rindo? Se eu fosse você, estaria preocupado com o que vou fazer com você mais tarde," Hiei ameaçou, se
virando da janela, já pronto para sair para a noite.

"Na verdade, eu estou esperando por isto, ansiosamente." Kurama provocou-o, malicioso. Hiei resmungou um "Hn" para ele,
antes de mergulhar na escuridão da noite, desaparecendo.
 
 

Maldita raposa, ele pensou, agora, ao se lembrar de todo o incidente no quarto de Kurama. Como ele pudera ser tão
estúpido? Era incrível que ele, que por natureza não confiava em absolutamente nunguém, se deixara enganar tão facilmente por
esse cabeça- ruiva convencido...

Agora os três o olhavam, na expectativa. Hiei olhou para Kurama, sentindo tanta raiva que ele teve medo de fazer uma loucura.
Será que estava amolecendo? Se envolver com esse youko egoísta estava fazendo isso com ele...Antigamente nem em sonhos
ele se deixaria cair em semelhante armadilha... Num pensamento tardio, ele se perguntou como Kurama fizera para se arrumar
e chegar ali tão rápido, considerando que fazia apenas vinte minutos que ele deixara seu quarto para vir até aqui. Ele decidiu
que não importava. Virando-se decidido, ele ia começar a andar, quando mãos firmes agarraram seus braços. Kurama e
Yusuke o seguravam.

"Se vocês têm amor à vida," Hiei declarou, sem se debater. "Soltem-me agora."

Kurama e Yusuke o ignoraram e começaram a arrastá-lo para perto da entrada da boate. Hiei começou a lutar para se livrar,
institivamente procurou sua katana, depois, lembrando-se que fora idiota o suficiente para não trazê-la, conforme lhe fora
solicitado, ele amaldiçoou a si mesmo. Se havia uma situação pior do que aquela, Hiei não conseguia imaginá-la.

Algumas pessoas se viraram para olharem, curiosas, aquela estranha situação. Kuwabara apenas os acompanhava. Se ele
tocasse em Hiei, ninguém poderia prever o resultado, por isso ele se mantinha à distância, mas não menos divertido com a
situação do que os outros dois. Ele havia sido prevenido pelos outros para, até eles conseguirem fazer Hiei entrar na boate,
Kuwabara não fazer nem dizer nada que pudesse irritar mais o koorime.

Kurama e Yusuke o seguravam energicamente, e embora ainda se debatesse furiosamente, Hiei não conseguia se soltar.
Finalmente eles estavam praticamente em frente à boate quando Hiei estancou firmemente no lugar. Nada o faria mover-se. De
jeito nenhum ele entraria naquele lugar. Já fora enganado demais por uma noite.

"Hiei, escute..." Yusuke começou, "Desculpe a brincadeira...mas por que não entra com a gente? Vai ser divertido." Yusuke
garantiu-lhe. Hiei fez um grunhido de escárnio. Sua idéia de divertimento era rondar pelo Makai dilacerando youkais
medíocres... não se espremer em um lugar desconhecido onde provavelmente haveria dezenas de seres humanos irritantes ao
seu redor.

"Hiei..." Kurama suplicou-lhe com tom divertido na voz. Hiei sequer olhou para ele, resolvendo ignorá-lo simplesmente. O que
ele estava esperando para deixar aquele lugar? ele pensou. Não iria ser persuadido por eles. Tudo o que tinha a fazer era
partir...de preferência direto para o Makai, onde pretendia passar alguns dias, porquê sabia que isso irritaria Kurama. E o que
ele mais desejava nesse momento era se vingar de Kurama por fazê-lo passar por semelhante situação ridícula. Kurama não
parecia ter idéia do grau de raiva de Hiei, porque continuava provocando-o junto com os outros.

"Ei, baixinho...vamos lá, isso não é nenhum bicho de sete cabeças." Kuwabara se manifestou, e Hiei inflou de ódio. Tudo o que
ele desejava era esse idiota se metendo.. "Cale sua boca," ele quase cuspiu as palavras para Kuwabara, depois se virando para
os outros, "Perderam seu tempo nessa palhaçada. Vou embora."

Ele se virou e começou a andar, e desta vez, para seu alívio, ninguém o segurou. Já dera alguns passos decididos quando a voz
de Yusuke chegou aos seus ouvidos.

"Ele deve estar com medo," disse Yusuke, em voz baixa, num comentário para os outros, como se Hiei há muito já houvesse
partido. "Ele nunca entrou em um lugar desses antes...ponha-se no lugar dele, decididamente está com medo de uma nova
situação..."

"Você tem toda a razão," Kurama ponderou, parecendo arrependido. "Não devíamos ter feito isso com ele...ele jamais se
adaptaria..."

Hiei continuou andando, ainda ouvindo as vozes deles, mais ainda não atingido por suas palavras.

"Que covarde..." Kuwabara murmurou, quase para si mesmo.

Isso foi a gota d'água. Mas afinal, aquele gorila de cabelo avermelhado queria morrer, penosa e lentamente? Era a única
explicação que lhe vinha à cabeça. Sem pensar duas vezes, ele se voltou em direção à entrada da boate e viu que os três
tinham acabado de entrar por ela. Ele vacilou, mas foi só por um segundo. Se Kuwabara pensava que ia escapar ileso ao que
tivera a audácia de chamá-lo...

Ele aproximou-se da entrada da boate. Havia uma pequena fila de pessoas aguardando uma chance para entrar naquele antro
obscuro, em cujo interior Hiei nem imaginava o que encontraria. E daí? Se ele voltasse atrás agora, ficaria atestado o que
aquele abestado dissera dele. Ele, que já enfrentara os piores demônios do Makai, jamais teria medo de coisa alguma, quanto
mais de entrar em um lugar como aquele.

Um som alto vinha do interior da boate. Música barulhenta, sufocante. Junto à entrada, um brutamontes estava de guarda,
como um ídolo de pedra. Hiei fez menção de entrar, mas uma mão pesada se depositou rudemente em seu ombro. Hiei parou
de andar, franzindo as sobrancelhas.

"Isto não é uma casa de caridade, garoto." disse a voz pastosa, e um cheiro enjoado de alguma bebida do Ningenkai chegou às
suas narinas. O sujeito estava completamente bêbado. "Você tem que pagar."

"Eu não tenho dinheiro," Hiei declarou com a voz calma, e ergueu o olhar para o homem, que parecia mais uma parede de
músculos. O brutamontes sorriu sarcasticamente para a figura quase infantil abaixo dele, e ia se preparar para jogá-lo em
direção à calçada quando reparou em seus olhos. Ele parecia uma criança, mas essa concepção mudava quando se olhava
profundamente em seus olhos. Olhos muito velhos, amargos e sem temor, e nesse momento, pareciam queimar em duas
pequenas chamas...

O homem engoliu em seco. Algo em seu interior avisou-lhe que seria melhor, ele não tinha a menor idéia do porquê, deixar
aquele baixinho de olhar penetrante entrar direto. Sem saber por que fazia isso, ele tirou a mão do ombro de Hiei. Este não
alterou sua expressão, continuando a encarar o brutamontes, nem um pouco afetado pela vantagem física dele.

"Hã..." o gorila balbuciou, e engoliu em seco, novamente. Subitamente ficara muito quente ali. Ele suava em bicas. "Você...pode
entrar então." ele finalmente se decidiu, e Hiei tornou a andar, desaparecendo pela entrada da boate. Protestos indignados
vieram da fila à beira da porta, ameaças ao segurança que aparentemente deixara aquele baixinho entrar, furando a fila e sem
pagar, ainda por cima. O brutamontes ignorou-os. Uma sensação de que acabara de escapar da morte não deixava seu íntimo.

No interior do recinto escuro e barulhento, as luzes coloridas ofuscavam seus olhos. Humanos se agitavam freneticamente na
pista de dança no centro do salão. Hiei percorreu o lugar com os olhos, procurando pelos três tratantes. Sendo que um deles,
já estava morto, só que ainda não sabia disso. Kuwabara iria sentir na pele quem era o covarde, realmente. Um humano idiota
esbarrou nele enquanto ele cruzava o salão, e Hiei quase se voltou para ensinar a ele um pouco sobre preservação da própria
espécie, quando ele finalmente localizou os três, sentados em um reservado no outro lado do salão.

Hiei andou em direção a eles, que se encontravam confortavelmente sentados em uma mesa circundada por bancos
acolchoados. O olhar de Kurama se acendeu de puro prazer ao constatar que a última parte do plano dera certo: provocar o
orgulho de Hiei. Ele observou seu amante aproximando-se da mesa, com um sorriso involuntário na face.

"Ate que enfim resolveu se juntar aos bons." Yusuke exibiu um largo sorriso ao apontar um lugar na mesa circular ao lado de
Kurama. Hiei nem olhou para ele, concentrando o olhar enraivecido em Kuwabara, que sorria idiotamente.

"Quem diria, o baixinho acabou vindo mesm... a-argh!!!" Kuwabara começou a engasgar com as mãos de Hiei apertando
impiedosamente seu  pescoço. Antes de um assassinato iminente, Kurama puxou Hiei energicamente, enquanto Yusuke tentava
arrancar as mãos do Koorime irado do pescoço já inchado de Kuwabara.

"Vou mostrar para esse imbecil quem é o covarde." Hiei grunhiu.

"Ele ouviu o que eu falei..." grasnou Kuwabara, num fiapo de voz, o rosto já adquirindo um tom púrpura.
.
"É claro que ouviu, é por isso que ele está aqui!" disse Yusuke, quando ele e Kurama finalmente conseguiram apartar os dois.

"Essa era a última parte do plano, Hiei. Já que você está aqui, acalme-se e sente-se. Aproveite a noite."  Kurama falou  em tom
apaziguador, mas seus olhos brilhavam de divertimento.

Aproveite a noite, ele diz, Hiei pensou, desistindo de estrangular o idiota. Lançou um olhar de desdém para Kuwabara, que
lutava para recuperar a respiração. Não valia a pena, mesmo. Além disso, a culpa não era dele.

A culpa era dessa raposa estúpida, e se ele pensava que isso ia ficar barato, se enganava. Com esse pensamento solene,
praticamente uma promessa em seu íntimo, Hiei sentou-se ao lado de Kurama.

Kurama se sentiu vitorioso. A noite prometia ser muito divertida. Ele estava acompanhado de seu pequeno amante, e mesmo
este estando com uma cara de poucos amigos, Kurama tinha certeza  de que conseguiria mudar seu estado de ânimo, mais
tarde... quando estivessem a sós.

Hiei observava a tudo e a todos, completamente entediado. Ele não compreendia que tipo de diversão era essa.  De um lado
Yusuke e Kuwabara faziam caras e bocas para cada humana que passasse perto deles. Do outro lado, aquela raposa estúpida
tentando perturbá-lo. E os sorriso irritante dele, vitorioso por ter conseguido fazer seu amante acompanhá-lo em algo que
decididamente não fazia parte do roll de seus programas favoritos. Hiei suspirou, e lançou um olhar de aviso para Kurama, que
começara a alisar seu baixo ventre por debaixo da mesa.

"Já não basta o que você aprontou, não?" Hiei resmungou, afastando a mão de Kurama, falando baixo para que os outros dois
não ouvissem. Kurama retirou a mão, os olhos brilhantes, numa risada.

"Ainda tenho muito mais em mente," Kurama respondeu, com um sorriso lascivo.

"Você está se excedendo." Hiei sussurrou, entredentes.

"Ei, vocês dois, o que vão beber?" Yusuke interrompeu-os, não notando o ar carregado entre eles.
Hiei deu um muxoxo de aborrecimento. Se Kurama continuasse com isso, logo, logo, iriam notar.
Pior para ele. É ele quem tem uma reputação para manter nesse mundo idiota, não eu.

"Vou querer saquê." Kurama disse. "E você, Hiei?"

"Hn,"

"Acho que isso quer dizer que ele também quer." Kurama disse sorrindo. O garçom anotou os pedidos (Kuwabara e Yusuke
pediram cerveja) e se foi. Felizmente Kurama parara com os ataques, e Hiei ocupou-se em olhar para o vazio, decidindo
ignorar a tudo e a todos pelo resto da noite.

"Kurama, você conhece aquelas garotas, ali da outra mesa? Elas não param de olhar para cá.'' Kuwabara falou baixinho, como
se a boate inteira pudesse escutá-lo, apesar do som ensurdecedor.
Eles olharam para a mesa que Kuwabara apontara. Havia duas garotas olhando para eles. Elas pareceram se embaraçar ao
notar que foram descobertas e cobriram os rostos em um riso envergonhado.

''Sim. São duas meninas do meu colégio.'' Kurama respondeu depois de observá-las. Ele acenou para elas, sorrindo.  Elas
acenaram de volta, timidamente.

"Vai começar... que saco, heim, Kurama. Vai ser um tal de 'Minamino, Minamino'' Yusuke falou num tom de voz bem fininho,
imitando as garotas que viviam grudadas em Kurama no colégio. Hiei revirou os olhos em desgosto, imaginando a cena.

Tomando o sorriso e o aceno de Kurama como incentivo,  após uma rápida conversa entre elas, as duas garotas se levantaram
da mesa e se dirigiram na direção deles. Yusuke e Kuwabara se entreolharam e sorriram como se tivessem ganho um prêmio.

''Kurama, você vai apresentar essas duas gatinhas pra gente, não é?''Yusuke falou, parecendo quase ansioso. Kuwabara fez
um sinal de confirmação com a cabeça e Hiei olhou para ele com ar enojado. Teve vontade de tirar satisfação com ele sobre
Yukina, quase o fez, mas Kurama fez isso por ele.

"Claro que apresento," respondeu Kurama, "mas e quanto a Yukina e Keiko?"

Os dois assumiram uma expressão culpada. "Nossa, Kurama, a gente só quer conversar com elas, talvez dançar...ninguém quer
casar com elas, ou coisa parecida." Yusuke justificou-se, franzindo o nariz. "Isso mesmo! Que mente a sua, Kurama..."
Kuwabara concordou. Kurama olhou para eles com uma sobrancelha erguida. "Sei..."

Kurama sorriu para as garotas que já haviam chegado à mesa, e todos olharam para elas, menos Hiei, que olhava
displicentemente para o outro lado. As duas garotas eram muito bonitas. Uma delas era alta, da mesma altura de Kuwabara, e
tinha o cabelo castanho, pele bem clara e olhos negros. A outra era bem mais baixa, parecia ser da altura de Hiei, e tinha
cabelos bem longos, lisos e ruivos. Seus olhos eram azuis.

"Minamino-san," disse a mais alta, "Não sabia que você vinha a este lugar."

"É a primeira vez que venho aqui, Miko." ele respondeu. "Olá, Cody." ele cumprimentou a outra garota. Esta respondeu com
um sorriso.

"Cody?" Kuwabara estranhou, e Kurama explicou. "Cody é americana. Ela está num programa de intercâmbio cultural em
nosso colégio."

"É mesmo? E ela já está falando nossa língua?" Yusuke quis saber.

"Primeiro deixe-me fazer as apresentações, ne? " Kurama disse, e apresentou as duas meninas aos seus amigos. Na vez de
Hiei, ele apenas olhou para elas, com desinteresse explícito, mas fez um aceno forçado com a cabeça.

"Sim, já possuo um bom vocabulário," disse a ruiva Cody, " A lingua japonesa é fascinante."

"Por que voces não juntam-se a nós?" Yusuke sugeriu, e elas sorriram e aceitaram, sentando com eles. O garçom trouxe as
bebidas, e um novo pedido para as duas foi feito. Miko, a mais alta, começou a conversar animadamente com os rapazes, e
logo se mostrou muito divertida. Cody estava sentada ao lado de Hiei, que como a mesa era circular, se encontrava na ponta.

"Você está gostando do Japão?" Kuwabara dirigiu a pergunta a Cody, e franziu as sobrancelhas quando notou que ela nem
ouviu sua pergunta, pois estava com o olhar absorto em Hiei, que se ocupava seriamente em ignorar tudo o que estava ao seu
redor. Mas afinal, o que ela estava vendo naquele baixinho espetado?

Era a mesma pergunta que Cody se fazia. O problema é que ele parecia tão charmoso, sentado ali, calado, olhando tudo com
ar de indiferença. Ela sorriu para ele, mas Hiei olhou para o outro lado, entediado. Kurama, é claro, notou isso, e tratou de
tentar remediar a situação conversando com a americana. Mas estava ficando evidente o interesse dela por Hiei, e Kurama
reprimiu um sorriso.

"Você não fala muito, não é?" Cody tentou estabelecer uma conversa, e Hiei olhou para ela pela primeira vez. A humana era
bonita, realmente. Isso ele tinha que admitir.

"Não."

"Tudo bem, eu também não gosto de gente tagarela."

"É mesmo?" Hiei indagou, arqueando as sobrancelhas, em seguida olhou para Kurama. Este deu uma risada, e Hiei sentiu de
novo a mão do youko por debaixo da mesa. Mas que ousadia a dele! Com a garota bem ali, ao lado deles. Como é que esse
youko idiota sobrevivera tantos séculos, com comportamento tão irresponsável e insensato, era algo fora de sua percepção. O
pior era que estava encurralado. Se tentasse se afastar da mão boba de Kurama, chegaria muito perto da humana. Raposa
estúpida. Está passando dos limites.

Kurama, por sua vez, estava se divertindo imensamente em olhar a expressão contrariada de seu pequeno amante. Ele quase
rezava para que a noite acabasse logo, para ele poder envolver Hiei em seus braços e fazê-lo se esquecer de tudo. Arrancar as
roupas do koorime e fazer amor com ele desesperadamente, até que não sobrasse mais pensamento plausível algum. Se
estômago revirou-se de antecipação, e para acalmar-se, ele bebeu um gole de saquê.

Hiei já estava se cansando daquela situaçao, e se perguntou pela milésima vez como foi que ele se deixara chegar até aqui.
Respondia laconicamente às perguntas da humana que parecia estar interessada nele, diabos se ele sabia porquê. Ao olhar
novamente para Kurama, ele voltou a sentir indignação. Será que aquela raposa estúpida nao o conhecia o suficiente para
saber que esses programas dos seres humanos apenas o irritavam? Ele simplesmente achava tudo aquilo entediante. Se
Kurama queria tanto assim um programa com ele, por que tinha que ser no Ningenkai? Ele preferia mil vezes estar no Makai
agora; lá não existiam regras e convenções idiotas. Kurama o arrastara para essa noite infeliz... decididamente ele iria se
arrepender da brincadeira; Hiei ainda não sabia como, mas teria sua vingança.

Ele se distraiu um pouco nos próprios pensamentos imaginando como essa vingança começaria: À princípio, se Kurama o
esperava em seu quarto essa noite, a decepção seria enorme para o youko; ele pretendia se refugiar  no Makai durante algum
tempo, talvez até aceitar alguma missão da  Mukuro; isso certamente irritaria Kurama até a alma. Ele lançou um olhar para
Kurama e deu um meio sorriso. Kurama interpretou isso erradamente como um bom sinal e sorriu de volta deliciado.

Foi então que Cody decidiu ser mais agressiva.

"Você quer dançar?" ela perguntou.

Hiei permaneceu calado, como se não notando que a pergunta fora dirigida a ele.

"Hiei, Cody lhe fez uma pergunta." Kurama observou, cutucando Hiei.

"Não, eu não ...danço." Hiei conseguiu dizer, contrariado. Todos na mesa acompanhavam esse diálogo, divertidos. Hiei podia
sentir que Kuwabara prendia o riso com todas as forças e sentiu-se ferver por dentro.

"Não faz mal, eu ensino você." A humana não desistia. Hiei vacilou, tentando achar um meio de sair daquela situação. Nem em
um milhão de anos ele iria dançar com a humana.

"É só uma dança, baixinho. Está com medo, papudo?" Kuwabara provocou-o, não perdendo a chance, e Hiei lançou um olhar
perigoso em sua direção. Já ia se mover na direção dele, para desta vez terminar o que começara, quando um beliscão em sua
nádega fê-lo se levantar repentinamente, reprimindo uma exclamação de dor. Kurama o beliscara com força.

"Isso quer dizer um sim?" Cody disse sorrindo, se levantando também. Ela pegou sua mão, decidida, e começou a puxá-lo em
direção à pista de dança.

"Espere, eu..." ele lançou um olhar de ódio para Kurama, que sorria angelicalmente, enquanto se deixava arrastar por Cody
para a pista. Yusuke e Kuwabara riam. Estavam rindo dele. Ah... me aguarde, Kurama. Você não faz idéia do que te
espera...

"Vai lá, Hiei!" disse Yusuke, fazendo um gesto de incentivo, e Hiei, resignado, pensou se havia um jeito de apenas sumir.
Certamente a humana não entenderia nada. Ele deixou-se levar por ela, e os dois pararam no meio da pista de dança, em meio
a outros casais que se sacudiam ao som da música. Cody começou a dançar, e tentou fazer Hiei dançar também, mas o
koorime apenas ficou parado na pista, sem se mover em absoluto. Depois de alguns momentos, Cody parou de dançar
também, uma expressão culpada na face.

"Gomen-nasai, Hiei-san. Acho que dançar não foi uma boa idéia."

"Hn." fez Hiei, simplesmente, desviando os olhos do olhar insistente da humana.

"Por quê não vamos até o bar?"  ela apontou para o balcão ali perto, "Podemos conversar melhor, com mais privacidade." Hiei
se perguntou o que diabos ela queria dizer com 'conversar com mais privacidade', e já ia negar quando seu olhar se encontrou
com o de Kurama. Este levantou o copo de saquê, num brinde, como se o cumprimentando pela sua total falta de jeito. Ele
olhou de novo para a humana.

"Hai," ele concordou, e seguiu Cody até o bar.

Durante a meia hora seguinte, Hiei descobriu com surpresa que conversar com aquela humana (ele não se recordava de sequer
já haver feito isso, antes) estava se mostrando realmente interessante. Cody era praticante de artes marciais, e lutava esgrima.

"Você também tem jeito com espadas?" Cody perguntou surpresa, cada vez mais fascinada com aquele jovem calado e sério
que estava ao lado dela.

"Pode-se dizer que sim," Hiei disse, solene, pensando nas dezenas de youkais que já dilacerara com sua katana. Ele quase
sorriu. Se aquela humana soubesse da verdade sobre ele, já teria saído correndo há muito tempo..

Ele observou o cabelo da humana. Longo e ruivo ... ele pensou em Kurama novamente, e seu cenho franziu-se. Cody notou
isso, e parou o relato que estava fazendo, de quando um grupo de delinquentes invadira o pátio da escola e ela não tivera outra
escolha a não ser lutar com eles, e os vencera. "Algo errado?"

"Não. Continue." Hiei pediu, e Cody finalizou o relato. Ela confessou a ele que tivera vontade de matá-los (com o
conhecimento que possuía sobre pontos vitais do corpo, isso seria extremamente fácil) e fizera muita força para não fazer
mesmo isso. Hiei fez um sinal de concordância com a cabeça. Ele entendia o que ela dizia. Ele mesmo tinha que fazer isso com
freqüência agora, que estava tão envolvido no mundo dos humanos.

"Vamos voltar para junto dos seus amigos, eles devem estar se perguntando aonde nós nos metemos." Cody sugeriu, e Hiei
acompanhou-a.

Ao aproximarem-se da mesa, Kurama notou com surpresa que a expressão de Hiei estava bem mais relaxada, e ele se
perguntou sobre o que eles tanto haviam conversado. Certamente, aquela garota devia ser algo especial, para fazer com que
Hiei estivesse com aquela expressão quase contente na face.

"Você tem namorada, Hiei?"  Cody estava perguntando, sempre direta. Kuwabara deixou escapar uma risada, e Yusuke
cutucou-o violentamente, fazendo-o dar um pulo na cadeira. Hiei ignorou-os.

"Não." ele respondeu.

"Não, mesmo?" Ela insistiu. "Nem alguém especial que você goste?"

Hiei pareceu pensativo por um momento. Ele olhou para Kurama , que observava  a conversa deles com divertido interesse.
Ele teve uma idéia genial... ele teria sua vingança, afinal. Aquela raposa convencida  ia se arrepender de ter começado isso.

"Alguém especial? Não, não tenho ninguém"  Ele frisou a palavra "ninguém", observando Kurama com o rabo de olho. Kurama
ainda sorria levemente.

"Eu não acredito" disse Cody, com o olhar travesso. "Você é uma pessoa tão diferente, e especial... nem ao menos um flerte,
uma paquera?"

"Um flerte...é, pode-se dizer que sim. Mas é algo sem importância." Hiei admitiu, solene.

Kurama se engasgou com o saquê que estava bebendo. Yusuke prontamente bateu em suas costas.

"Você está bem, Kur... quero dizer, Minamino?"

Kurama ainda tossindo não respondeu, só lançou um olhar intrigado e surpreso para Hiei.

"Então você  tem um flerte... sem importância?" ele conseguiu dizer, ao se recompor, dirigindo-se a Hiei, olhando diretamente
para ele, como se estivessem somente os dois naquele lugar.

"Totalmente sem importância. É algo só para passar o tempo..." Hiei  afirmou, com ar de desdém. Kurama engoliu em seco,
pela primeira vez naquela noite parecendo atingido pela situação. Hiei sentiu-se revigorado. Ele virou-se para Cody, e ensaiou
um meio sorriso.

Cody, por sua vez, se sentiu animada com a declaração e o quase-sorriso. Com isso, se sentiu mais segura de si, e continuou a
conversa do ponto aonde pararam quando estavam no bar. Para espanto de Yusuke e Kuwabara e olhar embasbacado de
Kurama, os dois pareciam ter algo em comum.

A situação era por demais insólita, e as coisas estavam começando a sair diferentes dos planos de Kurama. Ele descobriu-se
incomodado com o aparente conversa agradável que rolava entre aqueles dois.

"Hiei," Kurama chamou-o, com ar interrogativo, mas Hiei não prestou atenção nele. Estava totalmente concentrado na garota.
"Hiei..." ele repetiu, sentindo uma pontada de irritação.

"O que foi?" Hiei interrompeu a conversa para olhar para ele, com ar desinteressado.

"Nada...não é nada." Kurama murmurou, e Hiei voltou sua atenção novamente para Cody. Kurama sentiu o rosto vermelho, e
bebeu o saquê de uma vez só, sentindo a bebida subir rapidamente à cabeça. Não estava gostando nem um pouco daquilo,
definitivamente.

Quanto a Hiei, a noite começara a ficar interessante para ele. Ver a expressão contrariada de Kurama, agora, fazia-o sentir-se
muito bem. O que acha disso, kitsune? ele sorriu, e decidiu ignorar Kurama pelo resto da noite, se concentrando totalmente
na humana. Isto estava funcionando realmente. Hiei podia sentir o you-ki de Kurama sendo invadido pelo ciúme e pela raiva.

"Kurama, você está se sentindo bem?" Yusuke sussurrou ao amigo, notando sua expressão fechada, tão diferente da habitual,
sempre tão bem-humorada.

Controle-se, Kurama. Você precisa se controlar. Ele pensou fervorosamente, e se forçou a dar um sorriso para Yusuke.

"Claro, acho que bebi o saquê rápido demais, foi isso."

É claro que ele não estava enganando Hiei. Ele sabia disso, embora parecesse que só existisse ele e Cody no momento no
mundo, Kurama sabia que Hiei sentia sua raiva. Kurama reprimiu um murmúrio de indignação quando viu Hiei tocar em uma
mecha do cabelo de Cody. Hiei parecia fascinado por ele. Aquele koorime começava a passar dos limites, e o pior era que
Kurama nada podia fazer, a não ser assistir, enquanto tentava fazer com que a raiva não o consumisse por dentro a ponto dele
fazer uma loucura.

Hiei realmente estava fascinado com o perfume que emanava do cabelo da humana. Era muito similar ao aroma de uma flor que
havia visto no Makai. Era um perfume fascinante e embriagador ao mesmo tempo. Hiei estava tão entretido que não notara que
ainda estava segurando e enrolando entre os dedos uma mecha do cabelo da humana, exatamente como costumava fazer com
o cabelo de Kurama. É claro que isso não passou desapercebido a Kurama, que respirou fundo olhando para o outro lado.
Hiei sorriu intimamente.

Cody estava simplesmente deliciada com a atenção que Hiei estava dando. Tinha medo de se mexer.

"É perfume?" Hiei finalmente falou.

"Hã?" Cody quase não entendeu, pois Hiei falara baixinho, mas Kurama o ouvira, e ele notara com prazer que sua aura se
tornara mais escura.

"Eu perguntei se é perfume. Esse aroma que estou sentindo, que vem do seu cabelo." Hiei continuou falando baixo para que os
outros na mesa não o escutassem. "É simplesmente incrível, eu  só senti esse perfume no Ma... " Hiei  se calou antes de
completar a frase. A humana não entenderia  nada.

"Ah, é um oléo de flores. Você gostou? Engraçado, quase ninguém sente."

"Eu senti. E gosto." Hiei retrucou rapidamente, ainda com os dedos entrelaçados nos cabelos ruivos de Cody. Kurama respirou
fundo. Eu me pergunto se eles vão acabar se beijando, bem aqui, do meu lado. Ele ponderou que essa idéia não era assim
tão impossível de acontecer. Hiei parecia estar tão à vontade com ela... Kurama virou outro copo de saquê, e Yusuke e
Kuwabara interromperam a conversa que estavam tendo com Miko e olharam para ele, surpresos. Pelo que lhe constavam,
nunca haviam visto Kurama beber tanto assim.

Kurama procurou se controlar com todas as forças. Sua vontade súbita de simplesmente retalhar em pedaços aquela americana
atirada o estava preocupando. Chegou a imaginar a cena. Ele tiraria a rosa do cabelo e faria a ''doce'' Cody em pedaços com
seu Rosewhip. Ia ser interessante; no dia seguinte seria o assunto preferido no colégio, e o assunto principal nas manchetes dos
jornais: O mais inteligente estudante de Tókio, Shuuichi Minamino, retalhou sua colega americana depois de tirar uma rosa dos
cabelos que em seguida estranhamente se transformou em um chicote, e em seguida esganou um koorime sem pena. Fora ser
expulso do colégio, ser preso por assassinato, sua mãe ter um enfarto, não era nada demais... e seria por um bom motivo,
afinal. Nem em seus piores pesadelos ele imaginara que Hiei poderia fazer isso com ele.

O que estava tornando a situação desconfortável para Kurama era seu conhecimento de que Hiei não se saía bem em fingir.
Não, ele concluiu, Hiei não estava fingindo que apreciava a companhia da americana: ele simplesmente não faria isso. Hiei
estava realmente gostando da companhia dela. Kurama parecia fisicamente doente, agora, mas se esforçou ao máximo para
manter as aparências.

Pelo resto da noite, Hiei continuou conversando com Cody, Yusuke e Kuwabara ainda tentaram animar Kurama, sem ter a
mínima idéia do que o estava aborrecendo, mas ao verem que não tinham sucesso em animar o youko, desistiram e se
revezaram em manter uma conversa animada com Miko. Todos pareciam estar se divertindo, menos Kurama. Este pediu
licença por um momento e escapuliu para o banheiro.

Dentro do banheiro vazio, Kurama jogou um pouco de água gelada da torneira no rosto, tentando com isto relaxar um pouco,
mas sabia que a única coisa que o faria melhorar seria presenciar um certo koorime traidor ser torturado até a morte...Espere,
o que estava acontecendo com ele, afinal? Não sabia reconhecer uma derrota, quando lhe acontecia uma? Ele perdera aquele
jogo, um jogo que ele mesmo começara...E agora estava amargando isso, e descobriu que detestava perder. Ele não tinha o
que poderia chamar de "espírito esportivo." Ele planejara provocar e brincar com a cara de seu pequeno amante a noite toda,
em seguida, mais tarde, se deliciar com uma noite de prazer ao lado dele... Mas dera tudo errado! O tiro lhe saíra pela culatra.

E o pior de tudo: aquele medo que começava a enraizar-se dentro de si, esticando suas garras frias dentro de seu íntimo,
eliminando qualquer pensamento lúcido.

E se ele estivesse realmente gostando da humana?

Ele respirou fundo, e sabia que tinha que voltar para a mesa, pois se esconder ali só evidenciaria mais a situação, mesmo que
ninguém tivesse a menor idéia do relacionamento dos dois... Ou, poderia se dizer, ex- relacionamento, talvez? Kurama saiu do
banheiro como se o mundo estivesse apoiado em suas costas.

Ao atravessar a boate e chegar à mesa, ele notou num relance que Hiei e Cody não estavam mais ali. Ele quase mordeu a
língua para não perguntar onde diabos os dois tinham ido, mas felizmente Kuwabara poupou-lhe a indiscrição.

"Aquele baixinho sonso e Cody sumiram!" Kuwabara exclamou, sacudindo a cabeça quase indignado. "Como é que alguém
pode achar aquele espetadinho interessante..."

Kurama quase jogou-se na cadeira, querendo morrer. Não, ele lembrou-se, nada de morrer antes de acabar com aquele
koorime traidor ... Ódio, concentre-se no ódio. Ele percorreu o lugar todo com os olhos atrás de Hiei, mas não consegiu
visualizá-lo, e começou a sentir-se mais nervoso ainda.

Nisso, começou a tocar uma música lenta, e imediatamente Yusuke chamou Miko para dançar. Kuwabara deu um muxoxo de
desapontamento, e Yusuke lançou-lhe um olhar de 'melhor-sorte-da próxima-vez' antes de acompanhar a colega de Kurama
até a pista.

Kuwabara olhou para Kurama, que ainda parecia deprimido.

"Kurama, o que aconteceu? Você está com uma cara..."

"Não é nada, Kuwabara. Acho que o saquê não caiu muito bem, só isso." Kurama murmurou, ainda percorrendo o salão com
o olhar, sem conseguir se conter.

"Veja só..." Kuwabara riu, apontando com o olhar para a pista de dança. "Aquele baixinho se saiu melhor que a encomenda.
Você sabia que Hiei sabia dançar, Kurama?"

Obviamente Kuwabara não tinha noção do efeito do que dizia em Kurama. Este acompanhou o olhar de seu amigo e constatou
com horror que Hiei estava na pista de dança, abraçado com Cody. os olhos fechados, o corpo acompanhando o ritmo lento
da música. Ele sentiu uma pontada fina no coração, e de repente odiou-se por sentir-se desse jeito. Ele sabia que seria melhor
para sua saúde mental se ele não olhasse, mas não podia evitar...Hiei parecia totalmente imerso no ritmo da música e na
companhia de Cody. Enquanto dançavam, ele acariciava os cabelos lisos de Cody, suavemente.

Eu criei um monstro. Foi isso o que eu fiz.

Cody passara os braços por sobre os ombros de Hiei. Eles eram da mesma altura, Kurama reparou. Hiei não precisava ficar
com o rosto inclinado para cima, como acontecia quando eles dois dançavam, na privacidade de seu quarto, tarde da noite.
Kurama engoliu em seco, com um gosto amargo na boca. Dor de cotovelo, ele pensou, fechando os olhos.

"Ei, Kurama, se está se sentindo tão mal assim, podemos ir embora...vou chamar o Yusuke."

"Não," Kurama negou, abrindo os olhos e segurando o braço de Kuwabara que já se erguia, "Não faça isso. Eu já estou
melhor. Deixe-os... se divertirem."  É...deixe-os se divertirem, já que eu não estou me divertindo. Kuwabara assentiu, com
ar de 'se-você-diz...'

Kurama se torturou assistindo Hiei e a americana dançando, assumindo uma expressão neutra no rosto. Ele não vivera séculos
no Makai, não sobrevivera a ser abandonado por sua mãe youko, não sobrevivera ao tiro do caçador, por acaso...ele tinha
que saber controlar suas emoções, afinal. Hiei levara a melhor naquela, mas não era por causa disso que ele tinha que desabar
emocionalmente na frente dos outros, como ele quase fizera quando vira os dois dançando. Ele chegara ao seu limite, nada
mais o chocaria. Ele ponderou que não estranharia nem se acontecesse um beijo entre seu traidor amante e Cody, o que
completaria perfeitamente essa noite desastrosa.

Finalmente todos chegaram à conclusão de que era hora de partirem, e Kurama, Kuwabara e Yusuke dividiram as despesas,
incluindo as despesas de Miko e Cody, embora as duas tentassem dissuadi-los do contrário. Mas a idéia de sair fora de
Kurama, este lembrou-se com amargura, em vista do resultado final da noite, e se era assim, sendo o cavalheiro que era, ele
jamais deixaria garota alguma em sua companhia pagar alguma coisa. Mesmo que a garota em questão tivesse passado a noite
inteira tentando conquistar seu pequeno amante (e se saindo até bem nisso).

Na saída da boate todos se dirigiram ao estacionamento perto da mesma. Kuwabara trouxera Yusuke e Kurama no carro de
Shizuka, e Miko viera no carro da mãe com Cody. Eles conversavam animadamente uns com os outros. Kurama sentiu Hiei e
Cody diminuírem um pouco o passo atrás deles, mas recusou-se a olhar para trás.

"Adorei esta noite, Hiei..." Cody declarou, e Kurama infelizmente com seu ouvido aguçado de raposa podia ouvi-los
perfeitamente. "Talvez pudéssemos sair de novo algum dia...você tem telefone?"

Mas que garota agressiva, Kurama pensou, indignado, mas ainda assim se controlando ao máximo.

"Não," respondeu Hiei, "eu não tenho...telefone."

Você nem ao menos sabe direito como usar um, Kurama pensou com ironia.

"Como eu faço para encontrá-lo, então?"

"Se quiser falar comigo, procure  Ku... digo, Minamino. Ele sabe onde me encontrar." foi a resposta do koorime, e Kurama
respirou profundamente ante a ousadia dele. Depois do que farei com você, ninguém será capaz de encontrá-lo. Nenhum
pedaço de você.

"Que bom, então." respondeu Cody. A essa altura eles chegaram ao carro de Shizuka, e era hora de se despedirem. Miko e
Cody agradeceram aos rapazes, e se dirigiram ao carro estacionado no outro lado. Kurama as observou partirem com algo
semelhante a alívio.

"Sayonara, Minamino-san, Hiei-san, Kuwabara-san, Yusuke-san" elas acenaram ao se afastarem, alegremente. Cody piscou
um olho para Hiei, que apenas acenou com a cabeça. No entanto, ele sorria, Kurama observou, infeliz, e entrou no carro,
concentrando seu olhar no vazio. Tudo o que ele queria agora era se enfiar na cama, dormir até a dor de cabeça provocada
pelo saquê desaparecer...e pensar no que faria com seu pequeno traidor. Ele iria pensar cuidadosamente sobre isso.

Yusuke sentou-se ao lado de Kuwabara, que sentou-se à direção.

"Vê se toma mais cuidado agora, hein, Kuwabara. Na vinda para cá você quase atropelou aquela velhinha..." Yusuke
provocou-o com uma risada, e Kuwabara agarrou-o pelo pescoço, até serem interrompidos por Kurama. "Vocês dois, parem
com isso. E Kuwabara, dirija com cuidado, kudasai. Se um policial nos parar e vir que você bebeu e está dirigindo..."

"Nossa, que ranzinza..." Kuwabara retrucou, e de repente se lembrando de algo, "E por falar em ranzinza...onde está Hiei?"

"É mesmo... onde está ele?" Yusuke disse, e os dois olharam em volta. "Você viu aonde ele foi, Kurama?"

"Não tenho idéia." Kurama resmungou. "Provavelmente ele foi embora sozinho. Isso não é surpresa. Vamos logo? Já é tarde."

Yusuke e Kuwabara se entreolharam, sem palavras, e Kuwabara girou a chave na ignição. Logo o carro deixou o local, e o
olhar de Kurama através da janela do carro era de profunda tristeza.
 

                              *****

Horas mais tarde...

O vento fustigava as copas das árvores, fazendo as mais finas se curvarem como juncos frágeis. Hiei pulou de galho em galho,
como uma sombra fundida na escuridão da noite, o que justificava seu nome. Ele finalmente parou no galho da árvore situado
bem em frente à janela do quarto de Kurama, que ficava no segundo andar da casa da família Minamino. Num pulo apoiou-se
no parapeito largo da janela, e não se surpreendeu ao encontrar a janela fechada.

Começara a chover fininho, e Hiei bateu na vidraça com os nós dos dedos. Por alguns minutos, tudo o que ele podia ver do
quarto era a silhueta escura dos móveis e da cama, quando de repente a luz de um relâmpago revelou-lhe a forma parada de
Kurama bem no meio do quarto, olhando fixamente para ele. Em meio à escuridão, os olhos do youko pareciam faiscar. Puro
ódio, era o que lampejava naqueles olhos.

Kurama continuou parado, e não dava mostras de querer abrir a janela para Hiei entrar. Apenas o olhava, acusador. Hiei
começou-se a sentir incomodado com aquele olhar fixo nele. A chuva aumentou, e Hiei decidiu que se Kurama não abrisse a
janela nos próximos cinco segundos, ele partiria dali. Direto para o Makai. Lá não estaria chovendo, ele arranjaria novas
roupas, mais condizentes com sua personalidade, e ele não teria o olhar acusador de um youko furioso centrado nele...

Finalmente Kurama caminhou em direção à janela, e num gesto brusco ele a abriu, em seguida virou-se de costas para Hiei.
Hiei entrou no quarto, e fechou a janela contra o vento forte que invadia o quarto.

"Veio visitar seu... flerte sem importância, Hiei?" veio a voz sarcástica de Kurama, impregnada de mágoa e ressentimento. Ele
ainda estava de costas enquanto falava.

"Eu vim pegar minhas roupas. Não acredito que você realmente as destruiu." Hiei declarou secamente. Kurama sentiu lágrimas
quentes de raiva e mágoa encherem seus olhos, e prontamente as reprimiu com todas suas forças. Essa não era a hora para
isso, decididamente.

"Ora, mas não seja por isso." Kurama se dirigiu prontamente ao seu armário de dentro do qual resgatou a sacola contendo as
roupas de Hiei que ele escondera, naquela mesma tarde, após eles fazerem amor... ele engoliu em seco. Não encarou Hiei na
hora de estender-lhe a sacola, e voltou-se de costas novamente para não vê-lo se despindo.

Enquanto se trocava, Hiei analisava os próprios sentimentos, tentando decidir o que fazer em seguida. O you-ki de Kurama, ele
podia sentir, quase ver, estava tomado de mágoa, ciúme e ressentimento. Em um nível inacreditável. Não era algo que se podia
consertar de uma hora para outra. Ele surpreendeu-se ao constatar que não sentia mais raiva de Kurama por tê-lo jogado
naquela armadilha. Ele pensara em diversas maneiras de se vingar do youko, mas agora sua raiva passara completamente. Ele
não conseguia ficar com raiva de Kurama por muito tempo, essa era a verdade. Ele conseguira sua vingança, é verdade, a noite
de Kurama fora no mínino infeliz, enquanto que a dele fora ao menos interessante (Cody se mostrara ser diferente do resto dos
seres humanos idiotas. Ela era... especial.). Mas jamais Hiei sentira por ela algo mais do que interesse amigável. Ele pertencia
ao youko, e vice-versa. Isso era como se estivesse gravado em pedra. Não havia lugar para mais ninguém em sua alma.

Ele jamais pensara, ele ponderou, enquanto vestia as calças pretas, Kurama ainda virado de costas em silêncio, que esse
kitsune fosse ficar tão afetado por aquilo. Ele tinha que admitir, se divertira muito ao observar as idas e vindas na expressão de
Kurama, quando este reparara em seu interesse por Cody. Mas a situação escapara de seu controle. Kurama agora estava
extremamente magoado, raivoso, ressentido com ele. Logo, logo, Hiei teria que tentar contornar a situação... ou desaparecer
da vista dele por algum tempo, para dar-lhe tempo de se acalmar. Mas isto não seria covardia, partir agora? Eles tinham que
resolver a situação agora.

Kurama deu alguns passos à frente, ainda de costas para ele. Hiei se preparou para falar, pensou em dizer algo ameno, talvez
algo gentil...mas o que saiu foi:

"Não foi você quem começou isto?" Ele soltou, e imediatamente arrependeu-se de ter dito aquilo.

Kurama pareceu sobressaltar-se com o que Hiei falara, e depois de alguns segundos disse: "Quando comecei isto, jamais
pensei que você se atiraria em cima de alguma humana do jeito que fez..."

Hiei nada disse. Kurama suspirou, e se voltou. Hiei surpreendeu-se ao ver o brilho de lágrimas nos olhos dele, mas sua
expressão era dura. Hiei mexeu-se no lugar, sentindo-se desconfortável. Ver Kurama chorar sempre o deixava desconfortável.

"Não precisa ficar com ciúme da humana. Ela não faz meu tipo." Hiei disse.

"É mesmo? Pelo modo que você ficou cheirando o cabelo dela, disfarçou isto muito bem..." Kurama dirigiu-se exasperado para
a cama e sentou-se nela, sem encarar Hiei.

Hiei não disse nada sobre isso, limitando-se a ficar parado no meio do quarto, sem saber bem o que fazer. Pedir desculpas?
Não se sentia à vontade fazendo isso, e além disso, ele duvidava que isso fosse remediar a situação agora. Nunca, nunca
mesmo sentira a aura de Kurama tão enegrecida. Saber que ele era o responsável também não ajudava muito.

Mas ele não estava tão errado assim, ele procurou justificar-se. Aquilo era para ser uma simples brincadeira, que o próprio
Kurama iniciara. Se ele não sabia aceitar isso, então talvez fosse melhor Hiei ir embora. Ao seu jeito, ele tentara resolver as
coisas, mas o youko não se mostrara nem um pouco receptivo.

"Você já pegou suas roupas," Kurama quebrou o silêncio em tom gelado, "o que mais está esperando?"

Hiei olhou para ele. Olhos frios, extremamente frios. Olhos insensíveis de youko. Hiei engoliu em seco. Kurama continuava
encarando-o, inflexível, claramente demonstrando com palavras e atos que esperava que Hiei sumisse dali imediatamente.Uma
dor surda latejou em seu peito, e Hiei prontamente suprimiu-a.

Sem mais palavra, ele virou-se para partir, andando em direção à janela. Kurama não fez nada para impedi-lo. Ele realmente
quer que eu vá embora. Acho que para sempre. Hiei procurou afastar esse pensamento insistente. Ele subiu no parapeito da
janela, decidido. Não olharia mais para trás. Faria a vontade de Kurama. Uma voz dentro dele lhe avisou para não deixar algo
tão estúpido como aquilo separá-los, pois eles pertenciam um ao outro. Eles se amavam. Volte, não vá embora, volte e diga
a ele que sente muito, mesmo que ele o rejeite. Apenas volte e diga.

Mas, como sempre, Hiei ignorou essa voz em sua consciência, preferindo ouvir aquela outra, a que dizia que ele não precisava
sofrer mais rejeição. A que dizia que era melhor sair agora, antes que o youko despejasse nele mais raiva e insultos. A voz da
sobrevivência, da auto-defesa.

Antes que ele diga que não me quer mais. Posso sair agora sem ter que ouvir isso, e deixar no ar. Se eu o ouvir dizer
isso, não aguentarei. Ele admitiu para si mesmo, e num lampejo desapareceu em meio às sombras. A cortina da janela foi
sacudida pela brisa, e Kurama pareceu esperar uma eternidade antes de se levantar para fechar a janela.

Se Hiei tivesse olhado para trás, talvez houvesse mudado de idéia. Pois a expressão de Kurama, ao observar Hiei partindo, era
da mais profunda dor. Lágrimas corriam copiosamente por seu rosto cansado, e no momento seguinte em que Hiei sumiu de
sua vista, ele deixou-as correrem livremente, escondendo o rosto nas mãos, soluçando incontrolavelmente. Deitou-se na cama
e chorou até se sentir totalmente esgotado. Mas mesmo assim, a dor não abandonou seu peito, ameaçando sufocá-lo.

Eu o perdi. Eu o perdi. Aquele pensamento martelava em sua mente repetidamente, arrancando novas lágrimas do fundo de
seu ser, despedaçando o que restava de seu coração. Agora era Kurama quem se arrependia, quem sentia vontade de correr
atrás dele e dizer-lhe que voltasse, implorar, suplicar que voltasse. Que estava tudo bem, ele o perdoava, embora Hiei não
tivesse dado mostras de querer se desculpar. Mas Kurama o desculpava mesmo assim. Ele só queria que Hiei voltasse.
Voltasse para ele.

Mas agora era tarde. Ele sabia que jamais teria coragem de ir procurá-lo no Makai. Estava tudo acabado. Tudo por causa de
uma brincadeira idiota, que ele mesmo, a raposa estúpida que era, começara.

Kurama enterrou o rosto no travesseiro e desejou nunca ter nascido. Desejou com todas as forças.
 

                                              *****
 

Mais algumas horas mais tarde, quase ao amanhecer.

Kurama observou o colorido que invadia o céu, tons de vermelho-rosado à medida em que a noite ia dando lugar ao dia. Era
uma visão impressionante, a que se tinha dali de cima. Kurama se encontrava em um mirante no alto de uma montanha. Ele não
conseguira dormir, pois a dor surda em seu peito estava quase enlouquecendo-o. De repente, após passar a madrugada toda
em claro, ele sentiu que precisava de um pouco de ar ou simplesmente explodiria, então pegou o carro de seu padrasto e dirigiu
até aquele lugar. Era um de seus lugares preferidos. Ele pretendia estar de volta antes que todos em sua casa acordassem, e
seu padrasto notasse que o carro sumira. Isso só aconteceria dentro de mais algumas horas, assim ele ainda tinha algum tempo
para apreciar a vista, tentando acalmar seu coração tomado pela dor; aliviar, com aquela visão relaxante, a pressão que
esmagava seu peito.

Não estava adiantando muito.

Ele suspirou pesadamente, sentindo novas lágrimas encherem seus olhos já injetados. Fechou-os com força. Ele não podia se
deixar levar assim pelo desespero, pela tristeza. Sentado no banco do mirante, Kurama olhou os primeiros raios de sol se
espalharem pelo céu.

Sua mente voltou-se contra a sua vontade para meses atrás, quando Kurama insistira em trazer Hiei a este lugar, querendo que
ele também apreciasse a beleza daquele momento, junto com ele. Hiei, como sempre, recusara a princípio, mas a teimosia de
Kurama como sempre acabara vencendo, e ele fizera o mesmo que hoje, pegara o carro do padrasto de madrugada e viera
aqui com Hiei, e voltara antes que sua família acordasse.

Naquele lugar deserto, os dois sozinhos sentados no mirante, olhando juntos a beleza do raiar do dia, Kurama pensara que
aquela era a verdadeira felicidade, algo que os seres humanos buscam com todas as suas forças, a qualquer preço; ele estava
vivenciando isso ali, agora, do lado de seu amor eterno, e Kurama sentiu que podia simplesmente morrer feliz, ali, com a mão
entrelaçada na de Hiei.

Hiei, embora procurasse disfarçar, aos poucos fora deixando que a bela visão que tinham à frente deles o contagiasse, e ele
chegara a sorrir, e apertara a mão de Kurama com mais força. Kurama entendeu esse gesto. Hiei não precisava falar nada.
Não com os lábios. Não com a voz.

Eles ficaram um longo tempo ali, apreciando, admirando, apenas felizes em estarem um ao lado do outro. Juntos.

Antes de voltarem, Hiei fizera algo surpreendente: ele se abaixara e pegara duas pedras ao acaso no chão. Eram pedras
comuns, mas as duas completamente redondas, a superfície lisa e uniforme.  Ele ergueu o olhar intenso para Kurama.

"Eu e você?" Kurama perguntara, já sabendo a resposta. Hiei fizera que sim com a cabeça, e lentamente desatara uma das
faixas em seu braço e as envolvera, amarrando-as firmemente. Em seguida, ele se dirigira até a borda do mirante, e se abaixara,
enterrando-as em um canteiro que fazia margem no desfiladeiro. Kurama observara-o sem palavras, imobilizado, sentindo o
coração inundado de alegria, de uma emoção indescritível. Enquanto essas pedras se encontrarem juntas, atadas
fortemente, assim estaremos nós, eu e você. Para sempre.

Hiei acabara de enterrá-las e se levantara, ainda observando o raiar do dia, ainda em silêncio. Lentamente, Kurama chegara
junto dele, e pegara sua mão, e eles ficaram mais um tempo observando o céu agora claro, antes de entrarem no carro e
partirem.

Kurama nunca comentara isso com Hiei, desde então. Era algo que não devia ser mencionado, algo que não precisava de
palavras; palavras poderiam até atrapalhar, macular algo tão perfeito e belo, quanto aquele gesto tão incomum de Hiei. Uma
declaração muda de amor.

Kurama se levantou do banco, e dirigiu-se ao lugar onde Hiei enterrara as pedras, sem conseguir se controlar. Uma
necessidade irracional se apossou dele. Ele precisava saber se as pedras ainda se encontravam ali, precisava confirmar que
aquele momento realmente acontecera, mesmo que isso agora parecesse estar há anos-luz de distância.

Kurama desenterrou o local. Ele cavou fundo, mas não as encontrou. Suspirou tristemente, tentando pensar em uma
explicação. Certamente alguma criança, brincando na terra, achara as pedras e as jogara fora, ou as enterrara em outro lugar.
Ou talvez o jardineiro que fazia a manutenção daquele ponto turístico, ao adubar a terra, tirara as pedras do lugar. Qualquer
explicação parecia a Kurama mais plausível do que a que Hiei poderia ter feito isso, desenterrando as pedras ele mesmo.

Ele sabia que não poderia ter sido Hiei. Disso ele tinha certeza. Com outro suspiro desalentado, Kurama começou a colocar a
terra de volta no lugar, quando sentiu nos arredores um you-ki familiar. Agachado em frente ao canteiro, ele fechou os olhos.
Sua mente estava lhe pregando peças. Não era possível que ...

"Não ponha a terra de volta." disse Hiei, atrás dele, em voz baixa.

Kurama não se mexeu. Ele sentiu o rosto quente, e se perguntou em qual momento ele começara a chorar. Fora quando
revirera o momento feliz que tivera com Hiei, ou quando cavara o buraco atrás das pedras? Ele não se lembrava. Mas agora,
apenas deixou as lágrimas caírem livremente de seu rosto. Uma delas de depositou no chão, desfragmentando-se em múltiplas
partículas, brilhando vivamente, como pequenas  jóias, como se de repente ele também tivesse adquirido a faculdade, como
Hiei, de chorar pedras preciosas.

Ele permaneceu imóvel, talvez ainda não acreditando que Hiei estivesse mesmo ali, naquele lugar que possuía um significado
todo especial para eles. Ele sentiu Hiei aproximar-se por trás dele, e seu coração falhou uma batida. Não olhou para ele
quando ele também abaixou-se a seu lado, mas notou com o rabo do olho que Hiei segurava alguma coisa na mão. Ele sabia o
que era.

Hiei chegara ali antes dele, e desenterrara as pedras, que agora estavam em sua mão. Por quê?

Ele continuou imóvel, ainda sem olhar para Hiei, enquanto este enterrava as pedras de volta no lugar, lentamente. Finalmente,
ele acabou e se levantou, e Kurama sentiu o olhar fixo nele. Ele se levantou também, e finalmente abaixou o olhar para o
koorime. Por alguns minutos eles ficaram se encarando, o rosto de Kurama ainda úmido das lágrimas, o de Hiei, sem
expressão.

Finalmente Hiei virou-se em direção à vista diante deles, e sua voz parecia arrancada de dentro de si, em um grande esforço.
Carregada de emoção.

"Eu sabia que você estaria aqui. Por isso vim." ele começou, pausadamente. "Você me disse para ir embora, eu eu pretendo
fazê-lo, de vez. Vou para o Makai, definitivamente."

Kurama gelou ao ouvir essas palavras. Ele pensou que não podia ser mais atingido pela dor, mais ferido pela mágoa do que já
o fora. Estava enganado. As palavras de Hiei cortaram fundo sua alma e ele sentiu novas lágrimas escorrendo. Virou-se para
que Hiei não as visse, como se esse ato pudesse fazer com que elas parassem de cair.

"Mas antes de fazer isso, vim até aqui, saber se você vai mesmo deixar que o que aconteceu esta noite acabe com tudo o que
há entre nós." Hiei continuou, ainda olhando o horizonte.

Kurama virou-se para ele, não se importando mais que ele visse suas lágrimas, uma esperança crescendo em seu íntimo.

"Eu irei embora, se você assim o quiser. Basta que você diga, e eu sumo de vez. "  O tom de voz de Hiei parecia distante, mas
Kurama conseguia sentir a dificuldade que ele estava sentindo em colocar essas palavras para fora. Será que ele pensava
mesmo que Kurama faria isso? Que diria a ele para ir imbora, para sempre?

Lambendo os lábios úmidos, Kurama limpou a garganta, e disse as únicas palavras que lhe vinham à cabeça naquele momento.

"Você é minha vida. Se você partir, não me sentirei vivo nunca mais." Kurama despejou toda a sinceridade na voz, todo o
sentimento que habitava seu interior. "Ai shiteru, Hiei."

Ele aguardou pela resposta de Hiei, que continuava olhando o horizonte. Após alguns segundos o koorime virou-se de frente
para ele, e em seus olhos vermelhos não havia mais frieza, nem distância. Só emoção. Olhos cor de rubi, cheios de sentimentos
não revelados, um pedido desesperado por abrigo. Abrigo em seus braços.

Não se contendo mais, Kurama deu um passo à frente e abraçou seu amante com toda a força, como que com medo que ele
partisse para sempre. Hiei deixou-se abandonar em seu abraço, envolvendo os braços por sua cintura e enterrando o rosto em
seu peito. Um lugar que fora feito para Hiei se aninhar nele. O peito de Kurama se sacudia levemente e Hiei ergueu a cabeça,
encontrando o belo rosto que habitava seus sonhos e ocupava seu pensamento o tempo inteiro. Um rosto que agora estava
marcado pelas lágrimas que continuavam fluindo.

"Pare de chorar." Hiei sussurrou baixinho, erguendo uma mão para acariciar seu rosto. Kurama pegou sua mão antes que ela
chegasse a seu destino, e beijou seus dedos, carinhosamente.

"Hai," ele respondeu, e fechando os olhos, abaixou a cabeça para beijar os lábios de Hiei com sofreguidão. Foi um beijo
repleto de paixão, de indizível desejo. Kurama apertou mais fortemente o corpo de Hiei em seus braços. Isso geralmente
irritava o pequeno koorime, que sempre reclamava que não conseguia respirar, mas não desta vez. Seus lábios finalmente se
separaram, e Kurama olhou para a pequena face de seu demônio de fogo, sentindo o coração leve agora. Toda a dor se fora,
afinal. Ele passou os dedos sobre os lábios de Hiei, suavemente.

"Não quero que vá embora." ele afirmou, dizendo em palavras o que estivera sendo expresso através do beijo. "Nunca." ele
acrescentou.

"Eu não vou." Hiei escondeu novamente o rosto em seu peito."Gomen-nasai, Kurama." ele murmurou.

"Também peço desculpas, Hiei. Prometo que nunca mais brincarei assim com você. Tem minha palavra."

Eles ficaram mais um tempo abraçados, e Hiei desejou que aquele momento pudesse durar para sempre, eternamente
congelado no tempo e no espaço.

Eles entraram no carro, e Kurama deu a partida, e enquanto o carro descia pelas estradas sinuosas da montanha, eles não
falaram mais nada, permanecendo em um silêncio morno, confortante.

"Hiei," Kurama interrompeu o silêncio, sentindo uma curiosidade incontrolável dominá-lo. "Me responda apenas uma coisa: por
quê desenterrou as pedras?"

Hiei demorou para responder. Ele se tornara novamente reservado e estava começando a se parecer novamente com o Hiei a
que Kurama estava acostumado; ele sabia que o Hiei de coração aberto que se revelara lá em cima no mirante não costumava
aparecer com frequência. Esses momentos raros de abertura em sua fachada emocional eram para Kurama uma prova mais
forte de que eles estavam ligados um ao outro para sempre.

"Tive medo ..." ele vacilou por um momento, depois, talvez decidindo que não tinha mais nada a esconder, ele continuou,
"medo que você as desenterrasse, e as jogasse fora. Eu pretendia levá-las comigo para o Makai." Kurama surpreendeu-se com
essa repentina revelação de sua insegurança.

"Eu jamais faria isso." O youko garantiu-lhe, desviando os olhos da estrada por um momento e encontrando os olhos fixos de
Hiei nele. Ele sorriu, novamente sentindo a veia brincalhona tentando sua mente. "Mas é preciso fazer algo a respeito da sua
punição." Kurama acrescentou, olhando novamente para a estrada. Hiei franziu o cenho.

"Punição?"

"Sim, você foi um mau youkai, Hiei. Terá que ser castigado. Ainda estou pensando em uma punição adequada para você..."
Hiei notou o velho brilho irônico de volta nos belos olhos verdes, e concluiu que aquele youko não tinha jeito, afinal. Caso
perdido.

"Que tipo de punição?" Hiei perguntou, procurando parecer aborrecido, mas seus lábios se torceram involuntariamente em um
sorriso.

"Algo doloroso ... e demorado." Lascívia pura faiscava no olhar de Kurama, agora.

"E suponho que você será aquele que me ministrará esse castigo, certo?"

"Pode apostar que sim."

"Hn." Kurama soltou uma risada ao ouvir o velho resmungo. Ele parou de rir e olhou para Hiei, de repente sério. Hiei olhou-o
de volta, sustentando seu olhar intenso.

"O seu castigo, Hiei... será ficar comigo para sempre. Você aceita o castigo?" ele parecia uma criança ansiosa agora,
olhando-o com olhos incertos, vacilantes.

Alguns segundos se passaram antes que a resposta de Hiei chegasse aos seus ouvidos, arrancando dele um murmúrio de
satisfação.

"Eu já aceitei. Há muito tempo."

Eles não mais falaram no percurso de volta para casa. Ao redor deles, os campos muito verdes, iluminados pelo sol
recém-nascido, pareciam brilhar e sussurrar como que agradecendo ao sol que depois da escuridão da noite, sua luz viesse
novamente fornecer-lhes a vida e o calor reconfortante de que tanto necessitavam. Kurama se lembrou das pedras, em como
ele tinha a certeza de que elas continuariam lá, até o final dos tempos, mesmo que os dois já tivessem sido levados pela morte,
transformados em pó, em mais nada.

Elas continuariam lá, Kurama tinha certeza disso, tanta certeza quanto tinha de estar vivo e respirando. Um dia, em um futuro
muito distante, alguém as acharia, e se perguntaria o que significava aquelas duas pedras amarradas juntas, com uma faixa de
pano, enterradas um palmo abaixo da terra.

Talvez, se esse alguém fosse sufucientemente intuitivo para sentir as vibrações de seus you-kis ainda residentes nas duas
pedras, pudesse adivinhar, então, ou sentir, que estaria segurando nas mãos a prova remanescente do amor eterno de duas
almas ligadas para sempre, por toda a eternidade.

Enquanto essas pedras se encontrarem juntas, atadas fortemente, assim estaremos nós. Eu e você. Para sempre. Essa
certeza, esse pensamento compartilhado pelos dois ecoou como uma prece não formulada, pairando sobre eles e subindo até o
infinito.
 
 
 



Este conto é de autoria de Lalachan & Belchan, março de 1998. Os personagens de Yu Yu Hakusho pertencem a Yoshihiro
Togashi, Studio Pierrot e Jump Comics
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