ELVIS SABIA COMO FUGIR
DO BAIXO-ASTRAL DO INVERNODavid Drew Zingg
Veja o caso de Elvis, por exemplo. Te garanto que ele sabia como fugir do baixo-astral do inverno.
Refleti sobre o sistema usado por Elvis esta semana, quando quase morri congelado numa noite paulistana de insônia profunda.O método Elvis de acabar com qualquer coisa deprimente era muito simples. Ele enfiava qualquer substância química que estivesse ao alcance da mão naquela boca que emitiu os sons que ajudaram a transformar nossa metade do século 20.
Aquele dia em 1977, quando Elvis andou até o banheiro gingando como um pato (sim, porque estava MUITO gordo), ele estava uma verdadeira farmácia ambulante.
Elvis enfiou na boca mais uma mão cheia daquela farmacopéia que mantinha o frio emocional longe de seus sonhos por mais algumas horinhas.
É preciso ter uma lista muito extensa de medos para poder aguentar o efeito paralisante do carnaval de drogas estranhas que o Rei engolia todos os dias e noites.
Minha lista pessoal de pesadelos é suficientemente extensa e variada para fornecer material para alguns filmes hollywoodianos de horror recorde.
Mas, ao que parece, sequer se compara aos sonhos ruins que afligiam o filho da sra. Presley.
É esse maldito frio paulista de rachar os ossos que me faz acordar para um show da meia-noite de sonhos macabros.
Como uma amiga atual tão bem explicou: "Minha imaginação é como um bairro perigoso; é melhor não andar por ela sozinha".
Elvis tinha o mesmo problema noturno. Ele não se dava muito bem com o armário escuro de sua própria mente, por isso engolia comprimidos.
Tio Dave evita os filmes mentais sombrios da meia-noite com a ajuda de uma série de remédios líquidos produzidos em lugares como a Escócia. E acaba encontrando a paz acalentadora do sono entorpecido.
Mas é uma cura que cobra um preço alto no dia seguinte.
É uma cura que não cura - enquanto você cambaleia pela ressaca do dia seguinte, é obrigado a refletir sobre as razões que te levaram a beber para esquecer, processo que te força a reexaminar os horrores sombrios dos quais tentava fugir em primeiro lugar.
E assim por diante, ao infinito, a noite atormentada vai virando dia atormentado e o dia, virando noite, sucessivamente.
Mas Elvis, ao que parece, era feito em escala ainda maior.
Ele vivia uma vida de overdoses, feita de overdoses de sucesso, overdoses de mulheres e overdoses de dinheiro.
Depois, para erradicar a ressaca que acompanha o exagero, tomou uma overdose a mais dentro de seu banheiro forrado de espelhos, com o chão coberto por um carpete vermelho.
Elvis tomou uma overdose de analgésicos que pode ser descrita como digna de um rei.
Foi encontrado de joelhos,com o bumbum pelado como no dia em que nasceu, vestindo - muito apropriadamente - um pijama de seda azul.
Era uma posição corretamente respeitosa. Antes de morrer, estava lendo um livro intitulado "A Busca Científica da Face de Jesus".Há muita coisa a ser dita sobre Elvis, o Santo. Mas, quando os toxicólogos examinaram seu sangue, encontraram um menu completo de estimulantes e depressivos, capaz de suprir os estoques de qualquer hospital.
Havia morfina, codeína, Valium, Nembutal, Demerol, etinamato, etclorvinol, amobarbital, metaqualone, Aventyl, Elavil, Sinutab e Carbrital.
Para mim basta tomar duas simples aspirinas que já consigo sentir a mudança operada em minhas funções corporais.
O Rei tinhas dores e temores king-size, apropriados a um rei. Pensar nele parece aliviar minha carga.
Elvis plugadoA forma mais recente de religião do século 20 nasceu pouco após a morte de Elvis. Muitos de seus fãs são fiéis dessa religião.
Graceland é o túmulo mais visitado da Gringolândia, com vigílias à luz de velas e velórios no aniversário da morte do Rei, em frente aos portões de Graceland e no Jardim da Meditação.
Decorre disso, na melhor tradição portuguesa, que as visões são coisa corriqueira no estranho e maravilhoso mundo dos fiéis de Elvis Presley.
Deixando de lado os relatos sobre a estátua de Elvis que teria sido avistada por uma nave espacial russa no planeta Marte, existem várias maneiras mais reais de comunicação com o Rei.
Presley é a primeira pessoa a figurar num cartão de crédito perto de você. Uma grande empresa de cartões de crédito enviou 200 mil formulários de inscrição a seus fãs.
O folheto do cartão propõe: "Dê sua assinatura a Elvis. Torne-se parte da lenda".
Mas o fato que me faz acreditar que Elvis realmente esteja ali fora, pairando sobre nós, é que é possível enviar correio eletrônico a ele.
Antes do meu computador-com-nome-de-fruta entrar no que parece ser um colapso terminal, cheguei a enviar mensagens ao cantor drogadinho no endereço [email protected].
(Tradução de Clara Allain)