O Barão de Itararé foi provavelmente o primeiro fanzineiro do Brasil. Pelo menos no espírito. Do it yourself. Muito do que o cara escreveu ou bolou foi copiado depois, por "ilustres autores". Mas ele veio primeiro e ninguém tasca. Quem se interessar pelo cara pode ir a alguma biblioteca (hábito saudável) que certamente vai achar obras dele. E também ler a biografia do cara, que é incrível. Uma figura devidamente esquecida pelos livros de História e Academia Brasileira de Letras. Nem nome de rua o cara virou. Isso é que é ser punk.(MAB)

 

Pela renovação do nosso idioma

(Escreve o Professor Jacinto Dores Nobasso)

A língua portuguesa não tem evoluído. O idioma que falamos atualmente é mais ou menos o mesmo que falávamos no século passado. A não ser alguns estrangeirismos que nos foram impostos pelas necessidades comerciais ou pelos delírios esportivos, nada mais foi incorporado ao nosso patrimônio verbal.

Este fato, aparentemente sem importância, tem, na verdade, um triste significado, pois demonstra que, desgraçadamente, a língua portuguesa, em vez de evoluir, seguindo os surtos do progresso, pelo contrário, se corrompe e deteriora pela inclusão de corpos estranhos no seu vocabulário.

A seiva verbal é como o sangue da gente. Precisa ser constantemente renovado para conservar o vigor da mocidade.

O sangue se renova à custa da assimilação de novos elementos. E um idioma rejuvenesce com a criação de neologismos.

A cada novidade que surge no mercado deveria corresponder um novo vocábulo, para ser incorporado ao dicionário da língua. Antigamente, os homens andavam a cavalo. Os gramáticos criaram o verbo "cavalgar". Depois os homens montaram em burros. Mas os etimologistas não conseguiram criar o verbo correspondente e até agora nós temos que dizer que "Fulano montou num burro" ou que "Sicrano montou num porco". A equitação desenvolveu-se, mas a língua ficou estacionária.

Os homens, um dia, se utilizaram de barcas para viajar. Os gramáticos criaram o verbo "embarcar", para designar o ato de tomar uma barca. Mais tarde a coisa melhorou e as viagens passaram a ser em navios. Os gramáticos, entretanto, não tiveram inspiração para inventar um vocabulário correspondente a este melhoramento. A navegação tomou um novo surto, e os homens passaram a viajar em grandes transatlânticos. As pequenas barcas cresceram e tornaram-se suntuosos palácios flutuantes. A língua, porém, continuou gaguejando a velha palavra "embarcar", impotente para articular uma nova palavra capaz de traduzir a solenidade de "tomar um transatlântico". A navegação chega à perfeição das grandes naves de linhas aerodinâmicas, mas a língua não ajuda e continua a "embarcar" a gente nessas maravilhas náuticas como se fossem "barcas" anacrônicas.

Precisamos reagir, procurando um remédio contra essa alarmante paralisia progressista da língua. Precisamos criar corajosamente neologismos vitaminosos capazes de restabelecer o vigor lingüístico, perfeitamente sintonizado com o ritmo grandioso do progresso.

Quem monta a cavalo cavalga.

Quem toma uma barca embarca.

Mas não se cavalga num burro, nem se embarca num transatlântico.

Quem monta num burro emburra-se. Quem monta num porco emporcalha-se, e quem toma um transatlântico transatlantica-se.

Embarcar num bonde é tão estúpido quanto cavalgar um boi. Embarcar num avião é rebaixar o avião à categoria de barca.

Tenhamos, pois, a coragem de enriquecer a língua criando neologismos dignos da nossa época, dizendo, por exemplo:

"Amanhã avionarei para Buenos Aires", ou "No mês que vem transatlanticarei para os Estados Unidos".

Correto será dizer-se:

"Embarcarei para Niterói", porque isso quer dizer exatamente que tomarei uma barca.

Mas se tomarmos um ônibus, devemos dizer para nós mesmos:

"Vou onibiar para Copacabana".

(1949)

 

O maluco que encontrou uma caixa de fósforos

Um louco encontrou uma caixa de fósforos e ficou muito contente com o achado. Abriu, com muito cuidado, a caixa, apanhou delicadamente um pau de fósforos, atritou-o na lixa várias vezes, sem conseguir acendê-lo, e acabou jogando-o fora, murmurando: "Ruim, não presta". Em seguida apanha um segundo pau de fósforo. Esfrega-o infrutiferamente e atira-o para o lado, dizendo: "Ruim, também não serve!" Apanha então um terceiro, um quarto, um quinto etc. Sempre o mesmo resultado. Por fim, na décima oitava experiên- cia, consegue acender o primeiro. Olha, radiante de contentamento, o fósforo aceso. Contempla, feliz, por um instante, a pequena chama. Assopra-a, apagando-a. Depois coloca o pauzinho com a cabeça queimada num dos bolsos do casaco, dizendo:

- Este sim, eu guardo. É muito bom.

(1955)

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