QUASE-POESIAS DE MARCIO DE ALMEIDA BUENO

 

VOCÊ ERA UM FAISÃO

O resto do nosso amor é feito de chocolate, o alarme que toca, o cachorro que late, o padre que puxa, o sino que bate, lembro de papai que foi morto em combate, quando eu durmo é pura poesia, quando eu acordo já é meio-dia, uma cesta de roupa, uma benção da tia, no meu último sonho você era um faisão, vestido de homem em pleno salão, um carnaval de verdade, eu de arma na mão, o resto da minha vida é feito de pano, um tecido branco, velho e humano, toda descarga que já foi pelo cano, lembro de papai em seu delírio insano, quando eu falo sem muito critério, quando eu grito te tirando do sério, plante uma flor em pleno cemitério.

BÚSSOLA

Não, não acho que estando aí em cima você esteja melhor ou pior, ou quem sabe um drinque lá em casa, não acho que tua certeza seja tão sólida assim, tão firme e forte, como uma bússola - que sempre aponta o Norte, não vejo saída nem vejo você, nem sei o quê, minha vitrola não toca mais, nem tenho tempo para você ou tempo para consultar a bússola ou simplesmente comer uma buça, tudo ok aí em cima? nem tenho tido tempo para mim, para fazer a barba (mas...são só os outros que vêem barba em mim - e os outros são CHATOS), o rádio só toca canções modernas, isso me lembra meu tempo na caserna, quem sabe se o mundo não fica melhor assim? talvez não ...talvez um drinque lá em casa.

MONOLITO

Eu só me lembro de você quando me lembro de coisas ruins, eu quero ir direto aos fatos, e que os meios justifiquem os fins, eu só entro nas curvas erradas, invisto as fichas no que não vai dar em nada, eu só peço um momento de silêncio, um minuto em frente a um monolito, parados, sem dizer nada, vamos esquecer o que foi dito.

TESTAMENTO

Se é só de plástico não me interessa em nada, se é algo importante pode falar agora, se é só besteira deixe um recado na entrada, se é urgente , se a morte é iminente, confesse seus pecados um a um, se é alarme falso já pode parar com o jejum, se é caso grave avise os parentes distantes, os vizinhos e tire os livros da estante, se é coisa séria, deixe para depois, agora estou dormindo.

CAFÉ

Eu quase só vivo pela metade, de noite enfrento legiões de meus próprios medos (-"Veja! Ainda é cedo!") como quem enfrenta um pau-de-arara, o ânimo é que uma hora acaba, não importa o que aconteça amanhã haverá um café, um cereal, sorrisos e margarina, lembro das vi das alheias, suas conversas, cantos e sereias, um arsenal de virtudes enquanto eu sou um sol dado desertor, negando a tudo e todos, até os que oferecem água quando eu deliro de tanta sede, paninhos secam o suor em minha testa, diarréia saindo pela pele, legiões de beatas faz em o sinal da cruz, meu cérebro velho se divide em dois, as paredes apertam e os sorrisos n ão cessam, café, cigarro, stress, minha úlcera bate palminhas em ritmo marcial, haja leite e boa vontade, coragem, festas religiosas e quermesse, multidões fazem suas preces por mim.

DROGADO! DROGADO! (POEMA DE AMOR Nš 65)

Eu vi ela conversando com a mãe mas não estava em condições de me aproximar, via tudo líquido, tudo liquefeito, arame farpado espalhado pelo ar, montanhas de traumas e ritmos e baladas, música irritando e medos de olhar inchado, procurava uma saída mas a saída era o braço dela entrando pela minha boca adentro e remexendo nos meus órgãos, ansiedade eletroestática (medo de tomar choque quando ligo uma tomada), golfadas de esperma mistura das ao pensamento, ela conversava e sorria, mais e mais esperma, coxas e pezinhos sexy entravam em minha testa, eu saía à rua e todo mundo me olhava (-"Está drogado! Está drogado!"), não tinha certeza se estava vestido ou não, se estava vivo ou então, ela conversava com todos que passavam na calçada, sorrindo e eu sabia que ela mexia nos meus órgãos internos, o pau estava mais duro, o medo estava mais forte, talvez mais fraco, o medo de tomar choque, a música não agradava, os vizinhos se preparavam para morrer, traumas misturados com esperma, olhar inchado, baladas tristes, fanzines, cartas de tarô, pezinhos sexy.

GOSTO DE NADA

Basta abrir a janela e ver o sol entrar, mesmo que já seja noite.Basta abrir a boca e ver o som entrar ouvido adentro, esteja atento, mesmo que já seja noite e o som da luz venha te acordar, o peso da manhã faça você levantar, o gosto do ar tenha gosto de água, gosto de nada. Respirar fumando e bebendo água, gosto de nada.

DIÁLOGO À FORÇA

Depois de todas as perguntas, só consegui arrancar-lhe vísceras. Nenhuma resposta foi anotada, então quebrei cada uma das juntas. Perguntei sobre os fatos & as fotos & a fotossíntese, ele se negou e eu respondi com acupuntura no olho & no nervo do dente, sinto muito pelo o que você sente. Não é nada pessoal, e o que parecia real deixou de ser. A dor virou ar, virou TV. Diálogo à força.

FÉRIAS NUM TRAILLER

Só sei que quando abro a janela e o vento me acorda sinto vergonha por ter adormecido. Mantive longe os parentes, só mandei os presentes e trouxe a TV comigo. Só sei que ficar sozinho & enlatado parece clausura, parece tortura, parece contigo, parece que sim. Chove mas eu fico seco, lá fora mas eu fico dentro, parece que o ponto que eu piso é o núcleo, o centro. Dias e dias parado, só o pulso trabalha, marca os segundos até morrer, marquei contigo mas não posso ir. Estou crucificado aqui no assoalho, t-shirt básica como mortalha.

NEM TODAS AS PRECES PODEM TE SALVAR AGORA

Não vou deixar de pensar que mesmo distante aquele ponto brilhante parece uma torre mandando mensagem pra mim não vou deixar de pensar que mesmo assim aquele sonho perfeito tem seu defeito e desaparece no ar talvez eu só possa fugir e gritar & gritar & gritar & gritar acordar de um sonho ruim e gritar & gritar & gritar & gritar, nem todas as preces podem te salvar agora, vou te deixar dormindo, pegar minhas coisas e ir embora. E gritar & gritar & gritar & gritar.

É UMA HONRA E UM PRAZER

É uma honra e um prazer, clima certo, hora certa, tempo bom, mesmo que eu fique sério como as estátuas de cemitério. O limo cresce nos cantos e dobras e, como as baratas, eu só como sobras, desde que o momento seja perfeito, tenha dó de mim, tenha dó de peito. Pois eu só tenho uma ferida na perna, daquelas feridas que já não têm mais jeito.

BEIJE O CHÃO, VELHO

Considerando o que eu já disse (e, contrariado, fui adiante - não perdi sequer um instante), permiti que o velho (eu, vendo tudo)de novo e ainda pior caísse, não deixei que nada me influenciasse e mantive a minha lógica (não tive pena nem pesar nem pestanejei),que o velho caia, e caia em si todas as vezes. Beije o chão (se é que sabe beijar). Não, velho, tua cara enrugada & bengala não me comovem quando penso no passado, no que passei e sofri, tua raiva miserável faz de mim, hoje, um ingrato, tuas veias congestionadas & coração podre são um passaporte. Vai com deus, velho, e vai à merda.

 

 

QUASE-POESIAS
DE UMBERTO CRUZ

 

HIROSHIMA

E então? Quem irá contar as próximas histórias? As próximas piadas sobre eles? As mortes anunciadas, as estrelas de cor prata, ou contar o peso de cada prata, ou quem sabe a qualidade do ar...Das cocaínas, ou dos raios do sol, a temperatura da sombra da nuvem, da escuridão. Por falar nisso, qual é mesmo a unidade que mede a escuridão da sombra de uma explosão? E então?

CONFETE DE OTÁRIO

Confesso que peco, e peço no fosso escuro e profundo perdão por ser cego!

THE THEATER

Existe um lugar mágico dentro da fantasia chamado mini-teatro, onde seres mágicos fazem magias, mil e uma fantasias com apenas um toque de bengala nas suas cartolas mágicas. Elas só acontecem e somente porque debaixo das suas cartolas habitam loucas e livres mentes.

ESTRELAS

Certas noites eu vejo uma pedra(mistérios envoltos) - esta pedra possui olhos e na verdade é um rosto - uma dúvida - um medo - o receio da falsificação....ah!! onde ficam os camelôs?

EGOS

As pessoas possuem amores, e ainda assim são egoístas. Então eu penso no que amam, e não compreendo o ritmo desses dias de frio em que pessoas egoístas possuem amores em tardes quentes de inverno. Sim, tardes quentes no rigoroso inverno do sul. Um homem me faz caretas, e eu o reconheço: um semelhante, quase espelho, a rir das incoerências do cotidiano, ou para outros não-ligados mais um louco retardado.

MÃO NA PAREDE

A vida me assalta e me cala...me sento e assisto a um velho filme na diária sessão da vida....um espectador inexistente, na sombra dos portões, o sentido na parede...carrego nos olhos as visões das estranhas cenas cotidianas açoitando a memória, estrangulando o presente, destruindo a totalidade. A ilha, a luz do mar(são os raios do sol, eu sei), na tímida retina do meu olho que vê a vida assaltando e calando na sombra do portão de entrada.

CIRCULAR

No velho ônibus branco e azul durante o início de uma breve madrugada repenso alguns passos; eu SINTO como a vida dá voltas, rápidos volteios. E quando a face que estava voltada para mim gira e torna a aparecer eu vejo que passou e que mudou. De repente eu vejo que não foi a vida que girou pois ela é a mesma em qualquer direção. Então percebo que meus pés estão lentamente se mexendo, a passos curtos e lentos, circulando...


 

 

mande suas poesias, só nos reservamos o direito de NÃO GOSTAR

 

voltar para o menu