RATOS DE PORÃO
Paulo Santana
O que levou Carlos Alberto Pinto de Oliveira, com 35 anos, a trucidar seus pais daquela maneira no crime do bairro Bela Vista? O que levou o estudante Gustavo Pissardo, com 21 anos, a matar em São Paulo seu pai, sua mãe, sua irmã e ainda mais os dois avós paternos?
O assassino daqui de Porto Alegre é discotecário. Foi discotecário da Crocodilo's, da boate do Leopoldina Juvenil e de outras casas noturnas. Era discotecário de "rock pauleira", portanto. E conhecia todos os sucessos de rock brasileiro, ainda mais o grande sucesso em CD do momento, que é o rock pauleira do grupo Ratos de Porão. É certo que o assassino de Porto Alegre conhecia o rock do grupo Ratos de Porão, pois eu visitei no sábado um condomínio do Partenon, onde cerca de 15 crianças, entre 12 e 16 anos, cantavam os sucessos do Ratos de Porão.
Toda a Porto Alegre jovem conhece e canta as músicas do Ratos de Porão. Como obrigação profissional e por gosto, o assassino de Porto Alegre conhece as letras do Ratos de Porão. E eu não tenho dúvida de que Carlos Alberto Pinto de Oliveira fez de uma das letras de maior sucesso do Ratos de Porão o roteiro de seu bárbaro crime. E acho provável que o assassino de São Paulo também tenha se inspirado nesta letra para matar toda a sua família.
Eis a letra da música Herança, que tenho aqui no folheto, junto com o CD: "Extremamente frio/ ele não se arrependeu/ matou sua família como se fossem animais/ Remorso em sua mente um dia vai corroer/ Será que minha herança ainda vou receber?/ O ódio que ele tinha em sua mente doentia explodiu um dia em sua casa/ numa briga com a mãe/ na madrugada escura/ tenebrosamente fria/ banhou-se numa cena de horror/ Metamorfoseado numa fera sanguinária/ a loucura o possuiu/ sua vista escureceu/ Ele deu dois tiros na cabeça do seu pai/ matou sua mãe com uma faca de cozinha/ Sua irmã menor simplesmente estrangulou/ o irmão mais velho ele decapitou/ Morte no ar/ morte no ar..."
É impressionante, terrificante a coincidência dos detalhes do crime da Bela Vista com esta letra, que por ser discotecário o assassino conhecia. O que falta nos detalhes para completar o crime daqui adapta-se perfeitamente ao crime de São Paulo. Tudo em minúcias precisas: "madrugada escura e tenebrosa", "matou sua mãe com uma faca de cozinha", "será que minha herança ainda vou receber?", leiam a letra novamente e fiquem estupefatos.
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É inacreditável que milhões de jovens brasileiros tenham acesso e cantem inteiramente esses sucessos do Ratos de Porão. Nos Estados Unidos, pais de jovens suicidas estão processando conjuntos de rock cujas músicas têm letras que estimulam o suicídio. Eu não posso entender como se permita que crianças e jovens daqui se apaixonem por tais letras.
É um crime que se comete contra a juventude deixá-la ouvir, decorar e se empolgar com letras tão blasfemas e criminosas. Reparem nesta outra, do mesmo disco do Ratos de Porão e compreendam melhor esta onda de violência que grassa por todo o país. As crianças estão cantando Vida animal, do mesmo autor de Herança: "Se você quer morrer/ se mate na cozinha/ e chame sua mãe para ver/ Exploda um orfanato/ e comece a chorar/ Se você quer sorrir/ olhe pros mendigos que não têm pra onde ir/ Se você quer foder/ estupre a vizinha/ até o sangue escorrer/ Mas você nao vai se arrepender/ de ter sido anormal/ sua mente é psicótica/ Seu coração é muito mau/ mas você vai sofrer na camisa-de-força/ você vai apodrecer/ Então você só me diz: com toda minha maldade, eu ainda sou feliz".
Desculpem a brutalidade das letras. Mas não se choquem. Eu as ouvi inteiramente decoradas nos lábios de cerca de 15 crianças no Partenon, onde as descobri sábado pela manhã. Elas me chamaram, dizendo que estava nas letras todo o roteiro e relato do crime. E as crianças me disseram que elas pedem e ganham de aniversário, de seus pais e avós, o disco do Ratos de Porão.
(coluna publicada no jornal Zero Hora)