Jorge Lucio de Campos



Francis Bacon. Cão, 1952.

 


A pintura estreante* do carioca Axel Herman Sande, 23 anos, não se traduz como um dado a mais no (para muitos) crepuscular horizonte da arte contemporânea. Do cultivo das manchas à incorporação dos grafismos, do realce das marcas geológicas (predomínio da sobreposição de camadas) à transleitura dos palimpsestos (astúcia das raspagens à cata da escritura anterior), o trabalho desse promissor artista é quase um desdobramento vivo. Seus treze painéis são o palco de ágeis apropriações (Hartung e Dubuffet, entre outros) que se infiltram numa pessoalidade surpreendente lúcida para alguém ainda tão jovem.

Tramado ao longo do ano passado, o conjunto se revela bastante característico. Axel lança mão de uma técnica mista que envolve o aproveitamento simultâneo da laca, do óleo, do acrílico e, também, da tinta plástica e tipográfica. Vale-se dos mais diversos aplicadores, desde rolos de borracha (desses normalmente utilizados em calcografia), espátulas, trinchas e pincéis convencionais. Utiliza serrotes com os quais provoca arranhaduras - autênticos 'ferimentos', 'sangramentos', diria elenos painéis e palitos que, auxiliando-o na criação de interessantes efeitos de dispersão, acabam, em geral, incorporados na e assimilados pela pujança matérica do todo.

Nas primeiras peças (inclusive na surpreendente porta), foi amplamente utilizado o procedimento da collage. Pequenos objetos cotidianos como arruelas, cordões, moedas e malhas foram, convincentemente, explorados (à maneira do melhor Schwitters) dentro de uma criteriosa pesquisa tridimensional eivada de nomadismos. A presença constante de coalhos, bojos e tufos de tinta indica que tal pesquisa vem se deslocando em direção à própria substância (pictorialidade neobarroca?).

Axel pintou até agora em suportes de eucatex. Além da dimensão convencional (1,68 x 0,80), os painéis têm em comum o fato de não serem nomeados. Nesta perspectiva, buscam se afirmar no encontro com o espectador, à faiscação do olhar em torno de seu eixo poliversamente sensório. Por fim, o próprio pintor costuma dimensioná-los mediante três fases ou estágios: 1) tons escuros, operadores de metáforas sombrias e de uma pontuação do dado corpóreo (demiurgia x dissolvência) predominariam nos quadros iniciais; 2) um período intermediário, diretamente ligado (como ele próprio reconhece) à absorção, digamos, psicológica da ambiência cimentosa do atelier; e 3) um tratamento colorístico - mais acentuado e agregado a inquietações sígnicas - destacar-se-ia nos quatro últimos trabalhos.

Caberá, obviamente, ao tempo definir o alcance real da cativante experiência de Axel Sande. Caberá a cada um de nós a chance de colher os futuros resíduos da disputa. Olhos atentos. Pensamento à flor da pele. Caminho aberto para uma repentina fruição estética. 

* Texto publicado no catálogo da exposição do pintor, realizada na Galeria Candido Portinari (UERJ), de 2 a 26 de abril de1991.


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