Jorge Lucio de
Wassily
Kandinsky.
LÓGOS E MELANCHOLIA
"
Para Aristóteles, a filosofia se resumia ao ato puro de pensar o pensamento, ou ao pensamento que se pensava a si mesmo. Depois de Hegel, toda a filosofia que interessa se defrontou com a questão da impossibilidade de pensar o pensamento. Sendo uma dialeta da negatividade, Adorno exprimiu-se, em uma de suas aulas de 1963, sobre esta questão de forma definitiva: "Propriamente falando, só se pode filosofar, em geral, quando, com a consciência de sua impossibilidade, tenta-se, não obstante, expressar-se o inexpressável. Aquele que capitula ante isto, que não começa o impossível com a consciência de sua impossibilidade, melhor será que afaste suas mãos deste ofício precário".
Do mesmo modo, podemos dizer que toda literatura que interessa depois de Baudelaire é uma luta com a impossibilidade do ato de escrever. Mas que não pode capitular diante deste imperativo: ser paixão e dor do "eterno sim do Ser". É neste contexto que podemos situar o tonos deste A dor da linguagem, de Jorge Lucio de Campos, quando ele nos diz no poema "As férias de Hegel":
"Vejo-me e anoitece/no que vejo -/se me tiram lascas e/minhas folhas caem/Se tudo digo no/metal pintado em/que me sinto - eu/mesmo sem vento/e de novo, em/queda rubra/desde o início".
Sente-se já aí o sopro da acedia saturniana. Porém este poema é dedicado a René Magritte, pintor surrealista, que tem um quadro com o mesmo título.
A poesia de Campos tem uma relação muito significativa com a imagem plástica (como também a poesia de Carlito Azevedo), bastando ver as dedicatórias de seus poemas, onde comparecem muitos artistas ligados às artes visuais. É este aspecto que estrutura o lógos ou razão dos poemas, onde temos uma intensidade fanopaica que articula o próprio índice semântico dos versos como, por exemplo, em "O mistério de Isidore Ducasse" dedicado a Man Ray:
"Devo-lhe a alma mais/do que um vulto/em becos que se agitam -/às vezes tremo de prazer/na voltagem que não pára/de tornar-se o mais/infame dos enigmas; a/que devagar me rendo/pra onde quer me/olhe - eis que me digo/e curvo sob um halo/de opalas desdentadas".
Há uma emoção velada que não se desnuda, mas há uma tensão que se revela e se inscreve na constância de um sistema cortado por duas linguagens. Uma verbal, que é a da própria poesia; e uma plástica, que é a da busca de um eidos ou representação pictórica que se propõe a nós como os enigmas lautréamontianos: "Belo como o encontro fortuito de um guarda-chuva e uma máquina de costura sobre uma mesa de dissecação". Do mesmo modo, cumpre ressaltar uma ausência de música, que nos parece intencional, já que o lógos do poema se dá através da representação imagética levando sua poiésis a prescindir da intenção melopaica. A linguagem atinge aqui a função estética proposta por Jacobson inserindo Campos no que podemos denominar uma "poética de câmara", acentuada por uma dicção iluminada na busca de um indelével território poético, aproximando-o dos poetas alemães Ingeborg Bachmann (Gestundetzeit) e Reine Kunze (Sensible Weg e Auf eigene hoffnung). Podemos incluir neste território poético outros poetas desta geração, tais como: Paulo Henriques Britto, Nelson Ascher, Carlito Azevedo, Alberto Pucheu, Angela Melim, Mércia Pessoa, Lu Menezes e Rita Espechit.
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Uma
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