Jorge Lucio de Campos



Wassily Kandinsky. Montanha azul, 1908-9.

 


ESPAÇO VISUAL EM DISCUSSÃO

Marcio Doctors

O livro de Jorge Lucio de Campos, Do simbólico ao virtual, intui a questão fundamental da discussão estética de nossos dias, a saber: o limite entre o objetivo e o subjetivo nas artes. Partindo do entrelaçamento das teorias de Erwin Panofsky e Pierre Francastel, o autor indica, com lucidez, que as experiências plásticas do espaço não são simplesmente reflexos de conquistas exteriores à arte, mas, ao contrário, estabelecem campo poderoso de produção de saber. Em outras palavras, as noções de espaço, desencadeadas pelas artes plásticas ao longo da história, tem papel constituinte na maneira como lemos o mundo.

A partir dessa visão é possível estabelecer que, ao invés de a obra de arte constituir um enigma a ser decifrado pelas outras estruturas do conhecimento como a ciência, a história ou a psicologia, passa a ser campo de elucidação. É exatamente esse território, ou esse trânsito do olho, do espaço e da linguagem, que é importante ser elucidado. Jorge Lucio nos ajuda nesse empreendimento, estabelecendo flashes da história do espaço e ao se fixar, mais especificamente, na questão da perspectiva - para acioná-la como espaço constitutivo da representação.

Jorge Lucio de Campos se apega excessivamente à psicologia de Piaget, usando-a como argumentação na crítica aos formalistas, o que acaba por gerar uma fidelidade à dicotomia sujeito-objeto presente na tradição metafísica. Todo seu pensamento, porém, parece encaminhar-se em outra direção, no sentido de desmanchar esse par dicotômico fundante: para além da cisão fundamental sujeito-objeto é preciso saber friccionar, como nos indicou Foucault, os campos da visibilidade e da enunciação.

A contribuição do livro de Jorge Lucio é rica no sentido de estabelecer o trânsito necessário entre o olho e o espaço. Sentimos a falta do estabelecimento de uma relação com a linguagem. Mas isso talvez fique para mais tarde. Seja como for, o livro é fortemente recomendável a todos aqueles que buscam uma compreensão mais generosa e menos chapada dos problemas plásticas. 

O Globo, 17/2/91.


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