Jorge Lucio de
Francis
Cantar de amor entre os escombros não se resume a uma
recolha de poemas que abordam, tematicamente, o amor e sua aspectividade
acontecimental - vários deles, inclusive, já publicados nos livros anteriores
de Frederico Barbosa: Rarefato (1990), Nada feito nada (1993), Contracorrente
(2000) e Louco no oco sem beiras (2001) - outros tantos ainda inéditos,
entretecendo agora, juntos, uma trama única, instável, multiplicadora de
sentidos novos, “tudo isso expresso numa polifonia de efeitos formais de
competência rara”, como celebra Clenir Bellezi de Oliveira em seu texto de
apresentação. Divididos em oito segmentos ou distribuídos em oito zonas de
agenciamento - ‘Formas de sentir’, ‘Sua voz, sua visão’, ‘Sussurro suave e
vivo’, ‘Na caverna escura’, ‘Sono silêncio’, ‘De sonhos de ser’, ‘Este mar, meu
coração’ e ‘Revolução permanente’, os quarenta e seis poemas da coletânea,
independentemente de sua avaliação individual (do tipo: “gosto mais destes que
daqueles” ou “agradam-me somente alguns, não a maioria” ou, ainda, “todos são,
sem medo de errar, excepcionais” etc), despontam antes pelo que sinalizam ou,
melhor, sintetizam relativamente à opus do autor, especialmente dois
aspectos, a meu ver, dos mais relevantes, para um adequado entendimento de sua
intencionalidade estética: a) a sua contundência (essencial,
idiossincrática, pessoal) de ser; e b) o modo como se conecta com uma
tradição (de investigação, provocação, reviramento) da linguagem.
No que tange ao
primeiro aspecto - e numa atenção, sobretudo, às duas séries (‘Formas de
sentir’ e ‘Nós/Paisagens’) especialmente compostas para a coletânea - é
possível afirmar que a poesia de Frederico se move no vazio de um tópos linguístico
deliberadamente descentrado, por vezes desvairado em sua recorrência ‘solta’ de
imagens coletivas - nunca definitivamente acabadas, apenas bosquejadas - ou
melhor, “tatuadas na retina (...) (de um) olhar que segue vidrado” (cf.
‘Desenhos’), atravessado, o tempo todo, por capturas semânticas de inesperada
procedência. Sua contundência se situa não tanto no olhar ou no ver,
quanto no tentar expressar, labirinticamente, o que já era dédalo,
vertigem, reverberação na própria percepção ruinosa (um pouco
benjaminiana) da agoridade. Clenir fala ainda da memória, da poesia nela
mesma, do mundo, de recortes do cotidiano, da angústia de ser em tempos
convulsos, mas tudo isso converge para uma fabulação precária do hodierno que é
a cara da coletânea: mais imagem que coisa, antes espetáculo
que ritual, condição especular de cena efêmera, capturável
pelo discurso como uma fotografia não-legível, porém fruível num
relance de selvageria. Contundente, o olhar paira sobre o que é olhado sem
propriamente vê-lo, paralizando, diretamente, o ato significante, para só
então, a partir daí, tentar dissecar-se (olhar-se olhando) junto com a
própria palavra, como um Perseu que, invisível e aéreo - mas ainda temente do
poder de petrificação das Górgonas - brune seu escudo (a linguagem) de modo a
trabalhar não com o que este reflete, mas com o próprio reflexo, com o próprio
rebrilho do que é dito em sua gratuidade de dar-se. Segundo esta lógica
de contundência, em Cantar de amor, palavra e coisa pouco
se permitem em termos de permuta, cada uma apenas sendo o que é no torpor da
outra.