Jorge Lucio de Campos



René Magritte. Valores pessoais, 1951.

 


 

MIRAGEM

 

Não vejo como prever

a pele despida, funâmbula

 

com detalhes de âncoras

e arpejos de sol

           

Embora seja estranho

o riso triste, pousado

 

nos lábios - o olhar

distante, bifurcado

 

encharcado

de mar

 

 

 

O MELHOR OESTE

 

a Eric Fischl

 

Ela sabe o

quanto gosto

 

de flamingos

afilados -

 

de ter onde

me esconder

 

: uma encosta

praia ou bosque -

 

um lugar em

que se possa

 

ler em voz

bem alta

 

um novo

dia de sol

 

 

 

ESTUDO DE NEIL

 

a Edward Weston

 

Se o olhamos

nunca o vemos

 

: no vazio

reverbera -

 

se o queremos

como duna -

 

qual um dia

que é bem longe -

 

aqui dentro

como um vento -

 

um soneto

em pleno vôo

 

 

 

MUSA INSPIRANDO O POETA

 

a Henri Rousseau

 

1

 

Agora a

fachada

se fecha -

 

um fundo

cor-de-óleo

 

tosa a flor

do campanário

 

 

2

 

Chamo-a

de volta -

 

à mão

o brandy

 

o sono que

flambamos

 

antes

 

 

 

BONECAS EM BANHO DE SOL

 

a László Moholy-Nagy

 

1

 

Elas não

sabem

 

o quanto

urge

 

(ninguém

sabe o

 

que as

urde)

 

 

2

 

De que

é feito

 

o silêncio

(o enlevo

 

de onde

surge?)

 

 

3

 

Da carne

crua do

 

estalo

ao longe

 

de um

beijo?

 

 

4

 

Elas não

sabem

 

(assim

espero)

 

o quanto

as tento e

 

desejo

 

 

 

MELROS

 

Um frasco

de álcool

 

inclinado

em forma

 

de segredo

majestoso -

 

tão alto e

brusco que

 

nem

conheço

 


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