Jorge Lucio de Campos



Wassily Kandinsky. Várias ações, 1941.


SOBRE A VERTIGEM DA MANEIRA (Apresentação da reedição)

Marcelo Augusto Teixeira

O historiador da literatura, promotor da semiologia e experimentador público Roland Barthes, em seus ensaios críticos primevos, articulou a reteatralização da cena moderna a partir do vulto criativo de Bertolt Brecht. A fratura do código naturalista e os jogos disjuntivos de significação do autor de Baal propiciaram a Barthes o alcance de uma espirituosa e fascinante súmula da malha poética euromodernista: Eu avanço apontando para minha máscara. Três décadas após o ludismo do vaticínio barthesiano de elogio à artificialidade do signo estético, a praxis da pintura, depois dos abalos da desestetização, retornava ao cenário internacional insinuando um rarefeito hedonismo a partir de um jogo de máscaras mortas. Distanciada da violência e do estado laboratorial das práticas da vanguarda, o retorno à pintura, da década de oitenta, acomodava-se, em linhas gerais, a jocosa dicção de resgate, um esquema repertorial, que lembrava o chorume de uma cultura sem frescor, uma cultura de arquivo como o filósofo Michel Foucault havia concebido. Este funeral de citações, ao mesmo tempo que era entronizado por segmentos formadores de opinião, empurrava o célebre crítico e historiador da arte Thierry de Duve a manifestar-se de forma oposicionista ao buscar uma quebra do modelo citacional, nas práticas de ensino de arte contemporânea, em seu livro, Faire école. Nos Estados Unidos, Itália, Brasil e Alemanha, a criação pictórica assumia um caráter de fragilidade monológica, as grandes telas pareciam emigrar de uma estufa metalingüística, onde entre odores podres sentia-se a atmosfera de remanso, uma nauseante impressão de incapacidade associada ao humor revisionista e de desinteresse por demandas políticas da real grafia do socius.

Este ossuário de imagens, columbário de utopias serve de arena para o embate intelectual e sensível da presente edição de escopo teórico. A reedição, ampliada e enriquecida, de A vertigem da maneira desponta como inédito esforço de mapeamento bibliográfico e criterioso estudo analítico da cristalização do paradigma pós-modernista na artesania eclética e na vacuidade simbólica da pintura norte-americana e européia oitentista.

O autor, filósofo, crítico e poeta, Jorge Lucio de Campos, transita, com desenvoltura conceitual e precisa escritura, pela movediça cadência de duas cenas finisseculares: a cultivada crise da representação mimética sustentada pela religião do choque das vanguardas históricas e o cenário de pastiche e de esmaecimento de afetos de artistas atuais como David Salle, Julian Schnabel, Sandro Chia e Carlo Maria Mariani.

No estilhaçado horizonte do colapso de idéias hodierno, onde o presente parece sepultado no retorno do mesmo da impotência programática de interpretação política de um  real cindido, a mirada crítica tem vigoroso papel. Sua esfera de atuação compreende-se  na discussão do risco de experimentações artísticas encapsuladas, ou neutralizadas pelo poder reificante do mercado e institucionalização da arte. O texto de Jorge Lucio interroga a paralisia diante do compromisso histórico de parte da produção contemporânea, nas artes plásticas. No compasso das pesquisas de Fredric Jameson e Julia Kristeva, A vertigem da maneira esboça um instigante comentário sobre a alteração dos processos de subjetivação na arte atual, realizando que as novas doenças da alma trincam o tecido estético pelo desagregador traço da psicose.

O presente ensaio, ao resgatar um recorte artístico recente, redimensiona marcantes cifras de leitura da arte contemporânea: sensualismo hedonista, ansiedade de identidade, pastiche, tensões plagiotrópicas em relação a todas paisagens criativas ocidentais e um ethos melancólico em relação à perda da malha teórica utópica das experiências modernistas. A percepção do circuito de tais operadores de leitura auxilia e sedimenta o horizonte de enfrentamento do mal-estar da forma do trabalho estético anunciada pelo capitalismo avançado.


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