Jorge Lucio de Campos



Wassily Kandinsky. No quadrado negro, 1923.


A NOSTALGIA DA PALAVRA

Marco Lucchesi

A dor da linguagem ou O livro das remissões. Oscilo entre essas duas vertentes. A primeira: de fundo kantiano, em que tudo importa em exilio: teias imponderáveis e irreversíveis do sujeito, e a impossibilidade das coisas. A segunda: de fundo borgiano, menardiano, em que os livros não se arrestam jamais em si mesmos: novas pontes e remissões, e alusões, e elisões, quase um principio-Aleph. Tudo em tudo. A dor da linguagem ou A lagrima das coisas - sunt lacrymae rerum. O livro das remissões ou a esperança do nome, do significante perdido. Duas vertentes em busca de um autor. Ou talvez do nome do autor: O triunfo do nome.

Abro então o poema ("A conquista do filósofo") dedicado a De Chirico. Lembro de Cecilia Meirelles visitando-o em Roma. Logo em seguida, deparo-me com o poema ("Canto crepuscular") dedicado a Max Ernst, amigo de Eluard. Penso no Heitor e Andromaca. Nas linhas de fuga e na grandiosa e intemporal melancolia. A despedida. De Chirico e a loucura. A dor da linguagem. Uma parte de Jorge Lucio de Campos. Firmamentum in corpore.

Penso também no Encontro dos amigos, de Ernst. Todos no quadro: Aragon e Crevel, Breton e Paulham, Sanzio e Dostoievski, Desnos e De Chirico. Uma genealogia, um jogo de espelhos, um jardim das diferenças. O livro das remissões. Outra parte de Jorge Lucio de Campos. Apelo aos remanescentes.

Mas vejo que este prefácio é todo de dualidades e que, portanto, não corresponde ao livro de Jorge, todo pensado em suas linhas de força. Palavras peregrinas. Autor peregrino. Donde a expressão mais alta que ultrapassa as duas vertentes acima. A dor da linguagem, mais abrangente, mais dramático, mais artaudiano, os rins e as vísceras, o coração e as veias. A literatura enquanto não-espaço. Uma nostalgia rimbaldiana, talvez. De uma linguagem que um dia podera depender de si mesma. E o autor, em plena alegria das coisas concretas, imediatas, sofrendo o poder absoluto das coisas, da paisagem, de uma África real e, portanto, impronunciável. Ou, então, como Bruce Chatwin, na Austrália, buscando The songlines. A dor da linguagem pode ser vencida pela dor da paisagem. A rima não importa em solução alguma. Dissolução das coisas, da Palavra.

Sobre A dor da linguagem, eu quisera dizer apenas que este é o livro mais pessoal de Jorge Lucio de Campos, o mais sofrido e o mais elaborado. Gosto de sua idéia de incomunicabilidade. Do corpo de Bataille. Da melancolia de Vasko Popa. De todos os sentidos impossíveis e esquecidos das coisas, do mundo e das palavras. A dor da linguagem!


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