Jorge Lucio de
Wassily
Kandinsky.
O
Floriano Martins
A
A
Em um ensaio intitulado "O poema em prosa como forma em evolução", Robert Bly gera um delicioso comentário de Heriberto Yépez, que o traduziu para a revista mexicana Paréntesis, quando menciona "a diligente percepção intelectual e a intensa descrição amorosa que exige o perfeito poema em prosa". Bly concentra-se na eleição por um object poem, a exemplo do praticado por autores como Francis Ponge, Tomas Tranströmer, Murilo Mendes, José Antonio Ramos Sucre. Refere-se a uma "composição integral", cuja medida essencial é dada não por um padrão - o metro, a estrofe -, mas antes pelas "mudanças que a mente tem enquanto observa". Se me estendo aqui na referência, o faço pelo fato de que Lucio de Campos tem praticado o object poem com uma freqüência considerável, o que inclusive nos leva ao presente livro, na verdade uma recolha de poemas em prosa, em boa parte já inseridos em outros livros, que constituem uma afirmação por essa poética de exceção com a qual se identifica.
A idéia de um aprendizado ou convivência com o "jogo do mundo" a que se refere Badiou, logo na epígrafe de Abraçar ordenhar aleitar, me parece que nos leva a uma discussão já apontada por Bly, ao mencionar que a idéia de forma fixa está ligada ao homem e não à natureza. Recordemos o comentário acerca de À maneira negra, quando me referi ao conflito da simetria. Bly acentua: "a forma na natureza remonta à tensão entre a espontaneidade individual e a rigidez impessoal". Então relacionemos as tensões, de reflexão e criação, sem deixar de perceber as linhas de acesso à impessoalidade e o que Bly chama de "forma pessoal que deseja adquirir" o poeta.
Lucio de Campos nos mostra em Abraçar ordenhar aleitar uma confluência admirável que lhe define a poética. De exceção? Sim. A ruptura com um clima harmônico de dizer está presente, mas sem deixar de atentar para a elegância do discurso. Acentuar a condição de exceção, no caso brasileiro, exige uma leitura outra, já de muito necessária, de compreensão daquelas zonas de tensão apontadas por Bly. O presente livro de Lucio de Campos situa o desdobramento e a confirmação de uma poética. Não se priva a um diálogo com o mundo, antes o afirma à maneira da própria vertigem, longe da impessoalidade, mergulhado na matéria ressonante da existência humana.