Jorge Lucio de Campos




René Magritte. O império das luzes, 1954.

 


 

MATILHA

 

a Joseph Beuys

 

Ouso o que

não posso -

 

o branco é

que me diz

 

(um pouco

lousa e

 

aquarela) -

 

“Não há

a menor

 

maldade

na criação”

 

 

OVELHA NA NEVE

 

a Joseph Beuys

 

A neve cai -

pó dourado

 

sobre um

galho em

 

que adormece

um grilo

 

cinza

 

 

 

A PONTE DE MAINCY

 

a Paul Cézanne

 

1

 

Na fase escura do dia

o corpo divino se arqueia e colhe

flores empastadas

 

(cortes retos de tristeza)

 

 

2

 

Tudo é só contraste -

a panela

arde de

esguelha

seguidas romãs

 

 

3

 

Há no riacho

um vazio

mas nem tudo

é parte da vida

 

 

4

 

Nada se move

sequer o relógio

as frutas na toalha -

as vasilhas e bordas

descarnadas

 

 

5

 

O pincel

resseca a

natureza

com gestos

curtos de

ar livre

 

 

6

 

Um prado se

esgota no verde

de um ramo

de almíscar

 

 

7

 

Num mosaico

extremo, o dia

tinge a sombra

de um pássaro

 

 

8

 

Urramos juntos

as frondes de

óleo sobre tela

 

 

9

 

Na paleta, um

pequeno barco

risca o fundo e

depois, afunda

 

o mar

 

 

 

A DAMA DO ARMINHO

 

a Leonardo da Vinci

 

Há cores oblíquas

no cabelo da dama -

nas mais escuras

as mais claras

 

Um parapeito de

pedra na beleza -

um eco de arminho

(pico de montanha)

 

Foi o que eu vi

naquele rosto inteiro

em que se ajusta

a pressa do tempo

 

 

 

EUCLIDES

 

a Max Ernst

 

De manhã. Um pássaro canta, mais largo que o vento

- tudo escorre

no vão da cena (onde o céu é um escudo e a chuva

um olhar que avança).

A alegria transborda sem saber de nada.

Um peixe se acende e salta entre as ondas.

Depois se dissolve e uma noz monstruosa

se instala, de vez, no coração

do mundo.

 

 

 

BRYCE CANYON TRANSLATION

 

a Max Ernst

 

Vivemos sempre asim: as

bocas cobertas de musgo

 

não são tão terríveis. As

nuvens fatiam o infinito

 

Há toda uma vida de exímia

técnica no esplendor diurno. Um

 

navio imerso ressona e seus cílios

riscam a flor do horizonte

 


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