Jorge Lucio de Campos



Wassily Kandinsky. Negro e violeta, 1923.


ESTUDO COMPARA PANOFSKY E FRANCASTEL

Ricardo Musse

Do simbólico ao virtual se propõe como um estudo comparativo das idéias de Erwin Panofsky e Pierre Francastel acerca da figuração estética e dos sistemas de representação do espaço presentes na pintura do Ocidente. A simples seleção desse par de autores já indica qual será o recorte adotado de Jorge Lucio de Campos: o relativismo das convenções espaciais e os paralelismos entre as modalidades da experiência plástica e os códigos culturais.

Ao adotar, porém, como viés interpretativo para o desenvolvimento da linguagem figurativa, os vínculos existentes entre as artes e os saberes não-artísticos, Lucio de Campos privilegia, em detrimento da intenção comparativa, um modelo evolucionista. Francastel é apresentado não como o continuador da obra de Panofsky, mas também como a consumação das teorias que consideram o sistema perspéctico como elaboração espiritual.

Panofsky valida os sistemas não-perspécticos, superando a concepção estreita que considerava a perspectiva renascentista como um sistema de representação 'natural'. Assim enfatiza o caráter simbólico na representação do universo, pela perspectiva. Campos , nessa concepção de Panofsky, uma retomada do projeto de A. Riegl de relativização da intencionalidade artística associado com as investigações de E. Cassirer sobre a significação simbólica do espaço.

Panofsky, no entanto, segundo o nosso autor, reduz a discussão ao terreno das noções puramente intelectuais. Isso explicaria porque Francastel, reagindo contra essa concepção de uma história autônoma dos valores plásticos e da visão, utiliza-se das concepções genéticas do espaço, pesquisadas por Piaget, para enfatizar a presença de uma estrutura. Desse modo, Riegl, Cassirer, Panofsky são elos de uma cadeia progressiva que tem o seu cume em Francastel.

Francastel, então, vai além da teoria de Panofsky ao mostrar os sistemas perspécticos, historicamente plurais como expressão da vida social, localizando, na vertente de Piaget, uma correspondência entre as etapas transpostas pelo homem em sua infância e a representação plástica do espaço nas artes. Esse projeto de reconstrução, a partir do problema do espaço, das dimensões do mundo histórico pode ser visto, no entanto, numa perspectiva que escapou a Campos, como um reducionismo.

Essa valorização, discutível, da transição de uma tradição de historiadores da arte para uma vertente de sociologia da arte não é, porém, a única limitação do livro de Campos. A sua vocação pedagógica, a preocupação em ser didático, transformou a intenção inicial de um estudo comparativo em apenas um bom manual. A glosa e o relato de obras ainda pouco discutidas no Brasil ocupam um espaço considerável. Assim, Jorge Lucio de Campos fica ainda a nos dever o estudo comparativo com a profundidade e acuidade que ele, em alguns momentos, provou ser dotado.  

Folha de São Paulo, 15/12/90.


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