Jorge Lucio de Campos



Paul Klee. Em torno do peixe, 1926.


A coletânea 7 + 1 - que assim se chama por confluir os trabalhos de sete poetas (Fernando Santoro, Michel Melamed, Guilherme Zarvos - que é também o seu organizador - Alberto Pucheu, Viviane Mosé, Pedro Amaral e Guilherme Levi) e de uma tríade composta por um designer de capa (Marcus Moraes), um fotógrafo (Daniel Mattar) e um cartunista (André Brito) - se revela preciosa sobretudo por nos ensejar uma boa amostra de como tem sido pensado e praticado o ofício poético fora do circuito acadêmico e, portanto, ainda longe de um ranço institucional propriamente dito.

Cinco de seus participantes possuem menos de trinta anos, sendo quase todos (a exceção é Pucheu) oriundos do CEP 20.000 - "evento performático (e esteticamente filiado à poesia marginal setentista) que há sete anos lota o espaço cultural Sergio Porto, no Humaitá, reunindo atores, escritores, poetas e músicos" - como bem divulga a editora Francisco Alves. Trata-se, por conseguinte, de uma dicção ainda in progress, mas que, nem por isso, se furta a momentos de grande maturidade como os proporcionados pelos instigantes "Rebecca" de Melamed ("Há um barco no mar/e só/ha um barco no mar/porque há/mar/Senão/seria apenas um barco no ar/Há um barco no ar/Porque se não houvesse ar/seria só um barco/só um homem num barco/só um homem sufocando num barco"); "Azul" de Zarvos ("Cores mudam gente/Cores mudam casa/Mudam até a cor da cor da caneta/Se eu tivesse que nascer de novo/Seria uma cor:/Talvez verde...azul...não sei/Acho que até vermelho, amarelo/Ou cinza para sempre. A idéia de/Ser azul ou verde na próxima encar-/nação não me parece má"); e "Apreciação" de Amaral ("O biquini convida/A brincar de esconder - /Ele chama, ele instiga/A gente a percorrer//No rasto da malícia,/A ligeira divisa/Entre o casto e a delícia,/Entre ver e não ver.//Lúdico, elucida/Ao menino que o vê/Desde onde a vida - /Desde onde, e por quê"). Isso contar com a prosa crua de Mosé ("Ana", "Carta"), os perturbadores insights citadinos de Pucheu ("Na cidade aberta", "A fronteira desguarnecida"), etc. etc.

Apesar da constatação de alguns titubeios - mais do que previsíveis em se tratando, como foi dito, de poetas ainda muito jovens - fica a impressão de que o grupo funciona bem como uma antena de nossa contemporaneidade cultural (marcada, ao que tudo indica, por um flerte, cada vez mais recorrente, com o 'entre' e a indefinição discursiva). Aparentemente, a nossa poesia volta a querer se comunicar (sem abrir mão agora, é claro, do apuro formal e da cultura do imaginário). Nada mais saudável para uma prática que, após um hercúleo esforço construtivo (antes necessariamente transgressivo) e participativo - e que em muito a fortaleceu, de Oswald a Ana Cristina Cesar, sem, no entanto, conseguir livrá-la do anátema da indiferença! - ora se vê às voltas com uma espécie de índole repertorial que, se por um lado (em seus momentos mais 'altos') ajuda a rejuvenecê-la através do culto às interfaces, pelo outro (em seus momentos mais 'baixos') leva-a a derrapar amiúde em soluções comprometedoras (como a do citacionismo fácil, por exemplo), o que talvez justificaria, mesmo que parcialmente, a sua condenável, mas compreensível,
tendência ao solipsismo.  

O Globo, 30/8/97.


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