Jorge Lucio de Campos



Marcel Duchamp. Roda de bicicleta, 1913.

 


INTRODUÇÃO

O escopo deste ensaio é o diagnóstico de crise que, muito, o século anuncia e digere. Crise que, inicialmente, se configurou na destruição explícita dos meios tradicionais de expressão e agora se reifica numa espécie de consciência 'frágil' embutida na própria apreciação dos fenômenos estéticos. Crise em cujo vértice a arte se convertida numa sintoma furtivo, num processo paradoxal de reconstituição e desleitura.

Perante um real dispersivo que, em última instância, demanda a falência discursiva, os sentidos naufragam en bloc.... Tal convicção vem norteando algumas das tendências mais ativas das artes visuais contemporâneas, seduzidas, como se sabe, por uma atitude e fatura francamente não-miméticas. Contudo o abandono dos conteúdos e a formalização exacerbada pareceram querer desaguar numa espécie de vertigem vácua.

Seja como for, um ranço impiedoso aparentemente impregnou a tudo e a todos. As modalidades artísticas alteraram importantes predicados. Desmistificada como um todo, a arte ganhou ares de uma mera atividade técnico-comercial. Lapso de impasses? Perda dos emblemas internos? Alguns crêem que a condição pós-moderna resumir-se-ia a uma espécie de devassa 'mítica' no interior da qual o próprio socius desfalece. Com efeito, mudanças ocorrem num cenário em que os recortes se cotidianizam. Mas até que ponto tais fenômenos efetivamente dar-se-iam? Haveria um modo mais correto de concebê-los? Para onde apontariam suas linhas de força? Pistas não faltam: empréstimos cada vez mais freqüentes ao passado, acentuado gosto pela alusão, recusa geral das totalizações e, sobretudo, um esgotamento inexorável dos arroubos vanguardistas.

Sem dúvida, um insistente refluxo assombra este fim-de-século. Remansos nostálgicos, gerais e múltiplos, sugerem etiquetas até certo ponto vagas. Aqui e ali o sujeito cultiva genealogias movido por um ímpeto exumativo. Explora-se amplamente os subsolos em busca de surpresas. Por todos os lados, o arcaico reflui: nos trejeitos, no pensamento, nas intimidades... A voga de revivalismos parece inquebrantável. A informática reabilita o culto aos repertórios. Prospecções tecnológicas pilham o imaginário alheio. Muitos filmes remoem um mesmo porvir empoeirado e familiar. O aparato cinematográfico adultera - com telescopagens sempre mais ousadas - a imagem do tempo em prol da alucinação.

As mudanças detectadas não são poucas nem irrelevantes. Na arquitetura, a dinastia do Estilo International se curvou diante do ornamento. Entre os escultores, a controvérsia da tridimensionalidade deu lugar à derrisão. Simultaneamente, a 'figura' voltou à cena pictórica com um feeling perdido de memória e onirismo, tradição e sobrevôo. Relatos descaradamente narcísicos tornaram obsoletos os velhos ideais de emancipação. Um forte ceticismo frente à história exorcizou, por sua vez, a militância e a consciência crítica. O artista aparentemente rendeu-se aos apelos da sociedade de consumo. Perda irremediável do fôlego ético e do instinto metafísico?

Em última análise, o circo midiático parece engordar uma sensação de deriva. Os pactos desmoronam em meio a tantos sortilégios. Um porvir sem paisagens reforça a indecisão: algo chegou ao fim, mas o que exatamente? Esgarçando a semântica do termo maneira (como já foi amplamente feito com o barroco), este ensaio permitir-se-á utilizá-lo numa referência à pintura praticada nos anos 80. A tentação é grande quando se sabe que, entre as senhas maneiristas se destacam o excesso e o movimento, a metamorfose contínua e cultivada, a eqüidistância entre o palpável e o imaginário, pois, tal arte não capta o sentimento, mas a forma. Daí, simultaneamente, seu ar de verdade e aparência dramática, suas cores tenras e afiadas.

Secularmente associado ao ludismo da montagem, a maneira encarna certo ímpeto de superação que, no entanto, esbarraria num respeito cúmplice aos paradigmas. O caminho para tanto é quase sempre trifurcado: ou se imita a 'maneira' (como alternativa) e não o espírito da obra 'admirada' ou se busca um traço adormecido para, em seguida, excedê-lo e implodi-lo. O terceiro caminho possível seria o do desvio em prol do surpreendente, constituindo o insólito, no caso, um recurso obrigatório.

Nossa exposição dividir-se-á em duas grandes seções. Na primeira, serão manipuladas algumas noções relativas à já citada 'condição pós-moderna'. Tentando preparar o terreno para o material veiculado pelo segmento seguinte, ali privilegiaremos a hipótese da decadência do projeto modernista. No caso, importará reconhecer ou não, posteriormente, a existência de um esforço concentrado para revertê-lo. Por outro lado, também deverá ficar claro que, para nós, tal projeto ainda carece de uma visibilidade adequada, havendo certa polêmica em torno da questão, pois se as inquietações são basicamente as mesmas (o que prejudicaria a hipótese - alardeada por alguns segmentos críticos - de uma solução de continuidade), as respostas não pretendem sê-lo.

Outro fator relevante para o entendimento do espectro atual seria a anunciada falência do sentimento utópico. Fala-se que, carente de imaginário, o homem pós-moderno submerge numa espécie de egolatria fantasmal. De qualquer modo, o círculo vicioso da maquinação repertorial tem se expandido mediante táticas absolutas: no pastiche, na apropriação, em suma, na ironia 'grave' das estratégias duplas... A segunda seção terá como uma de suas principais referênciais o esboço histórico dos estágios da vanguarda traçada na primeira. Atacando a questão da ruptura com o objeto (através da consideração conjunta da artes objetual, minimal e conceitual), implementará então uma tentativa de caracterização do cenário pictórico internacional oitentista. A mesma, envolvendo toda uma avaliação de contexto, será reforçada, mais adiante, com a apresentação de alguns artistas especialmente selecionados.
 

I. A REPETIÇÃO DA CENA: VANGUARDA E REGRESSÃO

"The subject, the origin is always masked by language, by its own representation, condemned by it too, to be the object of its reproduction"- Jack Goldstein

1. A PREMISSA PÓS-MODERNA

ARTE E COLAPSO?

Teria a arte perdido suas prerrogativas mais lídimas? Embora no primeiro terço do século tenha sido possível sonhar com os poderes revolucionários da obra - apta como ninguém a redimir o socius dos prejuízos da alienação - tudo pareceu depois incorrer em tédio e insipidez. A despeito de virulências epigonais ainda serem enaltecidas, a missão redentora antes outorgada aos artistas perdeu visibilidade e ninguém sabe, ao certo, onde situá-la. Estar-se-ia, a bem dizer, vivendo uma estase?

Sob tal perspectiva, os fatos da década passada pouco surpreenderam. Na melhor das hipóteses, os eighties teriam apenas precipitado a vocação agônica da 'tradição do novo'. Obcecados com um ideal intempestivo de 'classicidade', seus representantes praticamente digeriram a apatia do período a fim de melhor barganharem com o establishment os termos da própria sobrevivência. Nesse sentido, a partir do momento em que a controvérsia tornou-se incabível, urgiu decretar a derrocada da shocking performance.

As retrovanguardas pontuaram, na década passada, um contexto em que a idéia de fronteira foi amplamente superada. Entre outros traços, destacou-se em seus domínios a atuação de vigorosos mecanismos mercadológicos que, literalmente, se encarregaram de afrouxar dilemas diruptivos. Contudo as reais dimensões daqueles fenômenos só agora se revelam no interior dessa voragem até aqui designada de 'pós-modernidade'.

Trata-se, para muitos, de uma aguda mudança estrutural - em curso nas coordenadas espaciais e cronológicas do campo social - cujos pontos de referência basicamente seriam: a perda da realidade, do poder e do social, o fim do 'sujeito' e de seus grandes relatos especulativo-emancipatórios, o fim da produção, assim como o fim da história e da durabilidade do próprio tempo.

O novo Zeigeist ancorar-se-ia, sobretudo, na hipótese da não-contigüidade. No lugar da exterioridade crítica - estratégia protocolar moderna - o imbricamento e a incorporação delimitam horizontes onde é difícil discernir figura e fundo. Pluralismos trôpegos infestam a cena em prol de uma digestividade lúdica. Refratários ao sentimento utópico, seus partidários tampouco escondem a descrença em relação ao social. As implicações dessa postura chegaram a ser avaliadas como 'catastróficas'. É o que afirma Kellner em sua apresentação do pensamento baudrillardiano:

As catástrofes parecem representar (…) tanto a rebelião do mundo dos objetos contra as leis, expectativas e desejos do sujeito, quanto a própria tendência dos mesmos - e da natureza - a excederem a si próprios, a produzirem espontaneamente o espetáculo, a descambarem para o catastrófico.

Aos artistas sobrepõe-se uma espécie de simbiose. Às obras um pulso frenético que as enviesa… E não parece haver muitas folgas na panóplia. Importa tão-somente a idolatria do consumo e a conversão em moeda. De um lado, o modismo do retorno e o escancaramento; do outro, palavras de ordem que possam garantir a lisura contratual e o regozijo das partes envolvidas. De qualquer modo, tais disfunções tem produzido efeitos avassaladores. Inteiramente isolados de seu meio, já não resta aos pintores, outra alternativa que os velhos ardis do cavalete e do trompe l'oeil. O jogo da simulação vem, de fato, se confirmando em espaços decisivos como a Documenta.
 

PÓS-MODERNO: O TERMO E SUAS PEÇAS

Discurso de crise? Apologia do ocaso? O fato é que há um grande desacordo acerca do que seja o pós-moderno. Trata-se de um termo labiríntico e que, portanto, dá margem a equívocos. 'Pós', 'moderno' e 'ismo' são as três peças que o compõem. O prefixo (do latim post, 'atrás de', 'depois') tornou íntimo do jargão estético ('pós-impressionismo', 'abstração pós-pictórica' etc.) e não há muito a se dizer sobre ele. O mesmo já não ocorreria com o segundo elemento que contém em si certas dificuldades. 'Moderno' vem do latim modernus que, por seu turno, deriva de modo ('agora mesmo', 'neste instante' etc.) e, aparentemente, tem designado, desde o Medievo, o que é 'novo' ou 'contemporâneo'.

Uma possível e digestiva impressão de facilidade dissipa-se, todavia, se rastreamos o uso do termo na história da arte. Para os renascentistas do Cinquecento, por exemplo, 'moderno' era o estilo gótico, enquanto que 'contemporâneo' (ou 'pós-moderno') seria o clássico. E não acaba aí. Para alguns, a era moderna pode designar tanto o período que se seguiu ao declínio da conjuntura medieval (o da consolidação do humanismo no Ocidente), quanto o posterior a meados do século XVIII (ocasião em que entrou em cena a chamada civilização industrial). O terceiro e último elemento, o sufixo 'ismo' (do grego ismós, 'doutrina', 'escola', 'teoria ou princípio artístico, filosófico, político ou religioso' etc.), unido a determinadas palavras, pode transformá-las em nomes intimamente associados, entre outras coisas, à arte.

O primeiro a usar o termo parece ter sido o acadêmico inglês Chapman. Em 1870, ele considerou sua arte 'pós-moderna' para poder contrastá-la com a então 'moderna' pintura impressionista. Em 1934, foi a vez do historiador da literatura Federico de Oniz. Segundo Oniz, o 'Postmodernismo' abrangeria os anos de 1905 a 1914, época em que ocorreu uma reação nas letras hispânicas à sua abrupta penetração por digressões modernistas. Em 1942, Dudley Fitts referiu-se a um soneto de G. Martinez como se este fosse o próprio 'Manifesto do Pós-modernismo'. Em 1945, Joseph Hudnut, qualificou como 'pós-moderno' qualquer projeto arquitetônico que confirmasse os avanços da produção serial. Em 1946, Arnold Toynbee lançou mão do termo, configurando com ele o período subseqüente a 1875. Em 1950, tivemos o poeta Charles Olson fazendo praticamente o mesmo que Toynbee. Em 1959, Irving Howe utilizou, pejorativamente, a palavra para rotular certos escritores do pós-guerra tais como Jerome Salinger, Bernard Malamud e Saul Bellow. Em 1960, um outro crítico, Harry Levin, fez o mesmo aludindo a Norman Mailer, John Barth e Thomas Pynchon. Em 1961, Octavio Corvalan, no rastro de Oniz, falou de uma reação 'pós-modernista' contra o modernismo na produção literária espanhola dos anos 20 e 30. Em 1962, chegaria a vez de William van O'Connor, crítico inglês, ao lastrear as novelas de Philip Larkin, Kingsley Amis e Iris Murdoch. Em 1965, 'pós-modernismo' foi uma designação para escritores pop como William Burroughs, Kurt Vonnegut e Anthony Burgess, nas mãos de Leslie Fiedler. Em 1966, Nikolaus Pevsner utilizou o termo para qualificar uma arquitetura de têmpera expressionista. Em 1968, o crítico de arte Leo Steinberg falou do pós-impressionismo como de um novíssimo relacionamento entre o artista, a obra e o observador, detectável nos desempenhos de Robert Rauschenberg, Jasper Johns e Andy Warhol. Finalmente, em 1970, foi a vez de Ihab Hassan, referindo-se a uma visão crítica - grandemente influenciada pelo pós-estruturalismo - que afirmaria o fragmentário, o indeterminado e o jocoso.
 

DA DISPERSÃO À SÍNTESE

A monotonia desses dados apenas corrobora a indecisão discursivo-teórica em que ora mergulhamos. De uma hora para a outra, os arquétipos viraram farsas. A pós-modernidade se comporta como um cúmplice bizarro, uma espécie de sucedâneo 'romântico' do moderno. O fato é que, na era pós-moderna, a história se adulterou, tanto epistemológica - com a recusa do sentido único e a multiplicação de múltiplos níveis perceptuais - quanto existencialmente com o esbatimento dos dados imediatos no seio da mediascape.

Ora se assiste a um consenso cujo cânon seria sobretudo o fetiche. Psicose cíclica: espanto e melancolia parecem formar um inextricável arabesco. Exaltação e desalento que as artes cristalizam mais do que nunca. Parte-se de um vanguardismo laboratorial e chega-se ao déjà vu. Fuga ou retorno em relação a que? O conceito mostra-se ambíguo sob múltiplos aspectos. Em primeiro lugar, vem sendo utilizado nos âmbitos mais díspares: pintores, escritores, sociólogos, filósofos, arquitetos saúdam-nos randomicamente. Nada poderia ser pior: sem processamentos, o grosso das leituras opera em contradição.

A primeira tentativa de aquilatação da cena pós-moderna produziu-se na arquitetura: hoje ninguém ignora o pioneirismo do ensaio The language of post-modern arquitecture de Charles Jencks . Sabe-se que o debate se deslocou depois para o âmbito da reflexão filosofante com os posicionamentos de algumas celebridades. Embora já presente no calor dos anos 60, foi intensificado a partir de 1979, com a publicação do lyotardiano La condition postmoderne, e a anunciada crise do que se convencionou chamar de 'metanarrativas'. Logo depois, Habermas viria em socorro da Tradição defendendo, com unhas e dentes, sua vigência e eventual recuperação.

Sob a ótica filosófica, fala-se muito, sem dúvida, da parelha 'modernidade' e 'pós-modernidade'. A pletora de discursos oriunda de diversos setores da cultura, acerca do advento de uma nova era, lançaria no ar, contudo, uma incômoda sensação de terminalidade. De qualquer maneira, a questão abriu caminho para, no mínimo, três posturas. A primeira definindo-a como uma simples falação sobre a 'crise', ou seja, um surto irracionalista a ser saneado em prol de um resgate do lógos. A segunda considerando-a o desdobramento de uma 'modernidade como projeto inacabado' cujos paradigmas estéticos estariam longe de definhar. A terceira, certamente a mais difusa, afirmando-a como a manifestação de um instigante caso com o presente, livre das megaestruturas de uma historicismo de bases metafísicas, ou seja, algo como um phylum desconstrutor, assumidamente aberto a um sentimento arqueológico.

Sob este aspecto, o fenômeno vem, já há algum tempo, inspirando acaloradas polêmicas. Desponta, nesse terreno, uma verdadeira encruzilhada acerca do empreendimento pós-moderno. A escola francesa - representada in limine por Jean Baudrillard e Jean-François Lyotard - ganhou o rótulo de 'neonietzschiana'. Outros nomes - entre eles os de Arthur Kroker, David Cook, Terry Eagleton e Fredric Jameson - também ganharam notoriedade.

A retórica de Baudrillard alinhavou, com um lúcida entourage marxista, o niilismo de boa parte do discurso filosófico pós-68. No centro de seus esquadrinhamentos está a noção de 'simulacro' - espécie de dicção vazia estreitamente associada à atual insularidade das práticas simbólicas. Com angulações sempre instigantes sobre os sortilégios do aparato mediático, conseguiu ofuscar, de uma vez por todas, leituras amplamente difusas como as de George Orwell e Marshall McLuhan. Um de seus aportes mais valiosos foi, sem dúvida, despertar a atenção para a surpreendente riqueza de certas clivagens 'insuspeitas' do cotidiano. Além do mais, o legado baudrillardiano acabou se tornando especialmente estratégico para uma diagnose geral da crise narrativa.

O posicionamento de Lyotard, embora menos espectral, é igualmente devedor do espírito pós-68 e, portanto, inclinado a ressaltar a falência da herança moderna. Para ele, a pós-modernidade é singularmente crítica, uma espécie de refluxo que precederia a superação universal das grandes narrativas. Entre suas convicções, destaca-se a idéia de uma total deslegitimação do prisma iluminista. Embora também refutando as metamorfoses metodológicas do marxismo tradicional, Lyotard sugere que aquela idéia deve, primordialmente, evocar os curto-circuitos causados na sociedade burguesa pelo súbito desmonte de seus campos táticos. Segundo Mattei Calinescu, "(…) Lyotard rejeitou, sumariamente, a noção de Diskurs ou de consenso racional, afirmando que, com a desintegração da modernidade, o valor da nova consciência (pós-moderna) tornou-se destoante enquanto princípio de orientação (…) Mas tal repto à doutrina habermasiana da modernidade ganhou notoriedade como uma argumentação acerca da falta de credibilidade das concepções universalistas e do 'conto de fadas' ideológico a partir do qual o próprio projeto moderno tem, ultimamente, derivado".

Quanto a Jameson, pode-se dizer que opta por rastreamentos do contemporâneo que primam pelo afinco metodológico e um rigoroso senso das 'transversalidades'. Ao ler seus textos, nos deparamos com uma abordagem tendente ao sincretismo, apta porém a escorar o que ele próprio chama de teoria contemporânea com dispositivos analíticos mais apropriados e convincentes. Sob a influência inequívoca de uma tradição marxista à européia, este chef de file ianque navega com desenvoltura entre os frankfurtianos, Jean-Paul Sartre, Henri Lefébvre e Louis Althusser, concentrando-se em determinados temas como a fundação do sujeito burguês e o papel dos elementos superestruturais na conformação ideológica.

A seu respeito, diz Christopher Sharrett que "o projeto de Jameson acerta em cheio ao encarar o pós-modernismo como um campo de batalha (…) Seu enfoque é o de um materialista histórico que subsume a era pós-moderna no interior do capitalismo tardio (…) O questionamento da economia de Estado pelo capitalismo multinacional representa, sem dúvida, uma ameaça à integridade do sujeito monádico burguês; tal postulado está na base da visão jamesoniana do papel do sujeito no âmbito cultural pós-moderno. Neste dar-se-ia uma suprema reificação da alienação (…) e a afirmação de um consenso em que o sujeito se vê privado de referências - carente de uma mínima noção de causalidade - e compelido a aceitar que a opção pela utopia (ou pelo radicalismo) é ingênua ou datada. O sujeito, enfim, 'esquizofreniza-se' a partir do momento em que sua cadeia significante e, portanto, sua consciência histórica acabam definitivamente rompidas".
 

O CAMPO INSTÁVEL

Os intelectuais citados acima tem em comum o fato de estudarem o fenômeno pós-moderno muito em função da negatividade (ou não) dos impactos da mídia sobre cada um de nós. Seja como for, faz tempo que o entorno parece ter sido substituído por um 'teatro de sombras' cuja função é paralisar a todos com seus sortilégios. Graças a ele, o sujeito se converte num engodo e chafurda na própria opacidade. Ao desmoralizarem as 'megaexplicações', o sistema centrado e a dinastia secular da univocidade significante, os tempos pós-modernos acabaram reforçando o vigor poético da indeterminação. Na opinião de Félix Torres, o pós-modernismo encerra mutações que traduzem, no cerne das modalidades artísticas, uma sensibilidade alternativa. Contudo seria razoável dizer que, no mosaico de aspectos por esta oferecido, se destacam contrapontos?

Tal mentalidade, ao que parece, tenta repertorizar conexões improváveis e inerentes aos fenômenos culturais. A eventual extensão desse horizonte se deve diretamente à potencialidade de quebra-cabeças que condiciona as regras do jogo. Calabrese, como vimos, optou por chamar de neobarroco ao gosto 'caleidoscópico' em vigência: um ar do tempo que se alastra a muitos fenômenos de hoje em todos os campos do saber, tornando-os parentes uns dos outros, e que, simultaneamente, os faz diferirem de todos os outros fenômenos de cultura de um passado mais ou menos recente. Assiste-se à perda do íntegro, do universal, da sistematicidade ordenada das formas em troca do instável e do polidimensional. À ordem sucede não o caos, mas um arranjo inédito simbolicamente adaptado à pujança das diferenças. Uma obra como L'etá neobarroca, sob este aspecto, se revela muito útil apesar das dificuldades que enfrenta na consecução de seus objetivos e meios.

Resultante de uma crônica crise perceptual, a condição pós-moderna vem sendo sintomaticamente varrida por uma onda de historizações da esfera privada. Em função disso, é possível dizer que um dos fatores que melhor distinguem modernos e pós-modernos é que, enquanto aqueles priorizaram os processos per se, para estes, a história tornou-se o próprio x da questão. Estratégias de esmiuçamento e progressão, de um lado; programas de revisão e recorrência, do outro.

O grande desafio dos jovens artistas seria, pois, arrefecer o imperativo tirânico da produção do novo sem perseverar, pura e simplesmente, nos truísmos da similitude… Habituados a conceber a prática vanguardista como gestão de ruptura, acreditamos ser o seu desprestígio decorrente de um deslocamento contínuo dos sujeitos pelo sistema. As vanguardas definharam quando suas formulações acabaram arregimentadas num academicismo ambivalente embora o seu ideal sempre tenha sido a débâcle da ordem dominante.

Mas é claro que - a seu modo, diga-se de passagem - a arte pós-moderna tem procurado preservar o pacto simbólico. Para tanto, endossa o fôlego fantasioso do espectador com dialéticas de enfeite cuja função seria apenas disfarçar o comprometimento básico de nossa época com a chamada ordem do simulacro. O material veiculado no próximo segmento, provavelmente, ajudará a reforçar tal convicção.


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