Jorge Lucio de
Marcel Duchamp.
O
Perante um real
dispersivo que, em última instância, demanda a falência discursiva, os sentidos
naufragam en bloc.... Tal convicção vem norteando algumas das tendências
mais ativas das artes visuais contemporâneas, seduzidas, como se sabe, por uma
atitude e fatura francamente não-miméticas. Contudo o abandono dos conteúdos e
a formalização exacerbada pareceram querer desaguar numa espécie de vertigem
vácua.
Seja como for, um
ranço impiedoso aparentemente impregnou a tudo e a todos. As modalidades
artísticas alteraram importantes predicados. Desmistificada como um todo, a
arte ganhou ares de uma mera atividade técnico-comercial. Lapso de impasses?
Perda dos emblemas internos? Alguns crêem que a condição pós-moderna resumir-se-ia
a uma espécie de devassa 'mítica' no interior da qual o próprio socius desfalece.
Com efeito, mudanças ocorrem num cenário em que os recortes se cotidianizam.
Mas até que ponto tais fenômenos efetivamente dar-se-iam? Haveria um modo mais
correto de concebê-los? Para onde apontariam suas linhas de força? Pistas não
faltam: empréstimos cada vez mais freqüentes ao passado, acentuado gosto pela
alusão, recusa geral das totalizações e, sobretudo, um esgotamento inexorável
dos arroubos vanguardistas.
Sem dúvida, um
insistente refluxo assombra este fim-de-século. Remansos nostálgicos, gerais e
múltiplos, sugerem etiquetas até certo ponto vagas. Aqui e ali o sujeito
cultiva genealogias movido por um ímpeto exumativo. Explora-se amplamente os
subsolos em busca de surpresas. Por todos os lados, o arcaico reflui: nos
trejeitos, no pensamento, nas intimidades... A voga de revivalismos parece
inquebrantável. A informática reabilita o culto aos repertórios. Prospecções
tecnológicas pilham o imaginário alheio. Muitos filmes remoem um mesmo porvir
empoeirado e familiar. O aparato cinematográfico adultera - com telescopagens
sempre mais ousadas - a imagem do tempo em prol da alucinação.
As mudanças detectadas
não são poucas nem irrelevantes. Na arquitetura, a dinastia do Estilo
International se curvou diante do ornamento. Entre os escultores, a
controvérsia da tridimensionalidade deu lugar à derrisão. Simultaneamente, a
'figura' voltou à cena pictórica com um feeling perdido de memória e
onirismo, tradição e sobrevôo. Relatos descaradamente narcísicos tornaram
obsoletos os velhos ideais de emancipação. Um forte ceticismo frente à história
exorcizou, por sua vez, a militância e a consciência crítica. O artista
aparentemente rendeu-se aos apelos da sociedade de consumo. Perda irremediável
do fôlego ético e do instinto metafísico?
Em última análise, o
circo midiático parece engordar uma sensação de deriva. Os pactos desmoronam em
meio a tantos sortilégios. Um porvir sem paisagens reforça a indecisão: algo
chegou ao fim, mas o que exatamente? Esgarçando a semântica do termo maneira
(como já foi amplamente feito com o barroco), este ensaio permitir-se-á
utilizá-lo numa referência à pintura praticada nos anos 80. A tentação é grande
quando se sabe que, entre as senhas maneiristas se destacam o excesso e o
movimento, a metamorfose contínua e cultivada, a eqüidistância entre o palpável
e o imaginário, pois, tal arte não capta o sentimento, mas a forma. Daí,
simultaneamente, seu ar de verdade e aparência dramática, suas cores tenras e afiadas.
Secularmente associado
ao ludismo da montagem, a maneira encarna certo ímpeto de superação que, no
entanto, esbarraria num respeito cúmplice aos paradigmas. O caminho para tanto
é quase sempre trifurcado: ou se imita a 'maneira' (como alternativa) e não o
espírito da obra 'admirada' ou se busca um traço adormecido para, em seguida,
excedê-lo e implodi-lo. O terceiro caminho possível seria o do desvio em prol
do surpreendente, constituindo o insólito, no caso, um recurso obrigatório.
Nossa exposição
dividir-se-á em duas grandes seções. Na primeira, serão manipuladas algumas
noções relativas à já citada 'condição pós-moderna'. Tentando preparar o
terreno para o material veiculado pelo segmento seguinte, ali privilegiaremos a
hipótese da decadência do projeto modernista. No caso, importará reconhecer ou
não, posteriormente, a existência de um esforço concentrado para revertê-lo.
Por outro lado, também deverá ficar claro que, para nós, tal projeto ainda
carece de uma visibilidade adequada, havendo certa polêmica em torno da
questão, pois se as inquietações são basicamente as mesmas (o que prejudicaria
a hipótese - alardeada por alguns segmentos críticos - de uma solução de
continuidade), as respostas não pretendem sê-lo.
Outro fator relevante
para o entendimento do espectro atual seria a anunciada falência do sentimento
utópico. Fala-se que, carente de imaginário, o homem pós-moderno submerge numa
espécie de egolatria fantasmal. De qualquer modo, o círculo vicioso da
maquinação repertorial tem se expandido mediante táticas absolutas: no
pastiche, na apropriação, em suma, na ironia 'grave' das estratégias duplas...
A segunda seção terá como uma de suas principais referênciais o esboço
histórico dos estágios da vanguarda traçada na primeira. Atacando a questão da
ruptura com o objeto (através da consideração conjunta da artes objetual, minimal
e conceitual), implementará então uma tentativa de caracterização do
cenário pictórico internacional oitentista. A mesma, envolvendo toda uma
avaliação de contexto, será reforçada, mais adiante, com a apresentação de
alguns artistas especialmente selecionados.
I. A REPETIÇÃO DA CENA: VANGUARDA E
REGRESSÃO
"The
subject, the origin is always masked by language, by its own representation,
condemned by it too, to be the object of its reproduction"- Jack
Goldstein
1. A PREMISSA PÓS-MODERNA
ARTE E COLAPSO?
Teria a arte perdido
suas prerrogativas mais lídimas? Embora no primeiro terço do século tenha sido possível
sonhar com os poderes revolucionários da obra - apta como ninguém a redimir o socius
dos prejuízos da alienação - tudo pareceu depois incorrer em tédio e
insipidez. A despeito de virulências epigonais ainda serem enaltecidas, a
missão redentora antes outorgada aos artistas perdeu visibilidade e ninguém
sabe, ao certo, onde situá-la. Estar-se-ia, a bem dizer, vivendo uma estase?
Sob tal perspectiva,
os fatos da década passada pouco surpreenderam. Na melhor das hipóteses, os eighties
teriam apenas precipitado a vocação agônica da 'tradição do novo'. Obcecados
com um ideal intempestivo de 'classicidade', seus representantes praticamente
digeriram a apatia do período a fim de melhor barganharem com o establishment
os termos da própria sobrevivência. Nesse sentido, a partir do momento em
que a controvérsia tornou-se incabível, urgiu decretar a derrocada da shocking
performance.
As retrovanguardas
pontuaram, na década passada, um contexto em que a idéia de fronteira foi
amplamente superada. Entre outros traços, destacou-se em seus domínios a
atuação de vigorosos mecanismos mercadológicos que, literalmente, se
encarregaram de afrouxar dilemas diruptivos. Contudo as reais dimensões
daqueles fenômenos só agora se revelam no interior dessa voragem até aqui designada
de 'pós-modernidade'.
Trata-se, para muitos,
de uma aguda mudança estrutural - em curso nas coordenadas espaciais e
cronológicas do campo social - cujos pontos de referência basicamente seriam: a
perda da realidade, do poder e do social, o fim do 'sujeito' e de seus grandes
relatos especulativo-emancipatórios, o fim da produção, assim como o fim da
história e da durabilidade do próprio tempo.
O novo Zeigeist ancorar-se-ia,
sobretudo, na hipótese da não-contigüidade. No lugar da exterioridade crítica -
estratégia protocolar moderna - o imbricamento e a incorporação delimitam
horizontes onde é difícil discernir figura e fundo. Pluralismos trôpegos
infestam a cena em prol de uma digestividade lúdica. Refratários ao sentimento
utópico, seus partidários tampouco escondem a descrença em relação ao social.
As implicações dessa postura chegaram a ser avaliadas como 'catastróficas'. É o
que afirma Kellner em sua apresentação do pensamento baudrillardiano:
As catástrofes parecem
representar (…) tanto a rebelião do mundo dos objetos contra as leis,
expectativas e desejos do sujeito, quanto a própria tendência dos mesmos - e da
natureza - a excederem a si próprios, a produzirem espontaneamente o
espetáculo, a descambarem para o catastrófico.
Aos artistas sobrepõe-se
uma espécie de simbiose. Às obras um pulso frenético que as enviesa… E não
parece haver muitas folgas na panóplia. Importa tão-somente a idolatria do
consumo e a conversão em moeda. De um lado, o modismo do retorno e o
escancaramento; do outro, palavras de ordem que possam garantir a lisura
contratual e o regozijo das partes envolvidas. De qualquer modo, tais
disfunções tem produzido efeitos avassaladores. Inteiramente isolados de seu
meio, já não resta aos pintores, outra alternativa que os velhos ardis do
cavalete e do trompe l'oeil. O jogo da simulação vem, de fato, se
confirmando em espaços decisivos como a Documenta.
PÓS-MODERNO: O TERMO E SUAS PEÇAS
Discurso de crise?
Apologia do ocaso? O fato é que há um grande desacordo acerca do que seja o
pós-moderno. Trata-se de um termo labiríntico e que, portanto, dá margem a
equívocos. 'Pós', 'moderno' e 'ismo' são as três peças que o compõem. O prefixo
(do latim post, 'atrás de', 'depois') tornou íntimo do jargão estético
('pós-impressionismo', 'abstração pós-pictórica' etc.) e não há muito a se
dizer sobre ele. O mesmo já não ocorreria com o segundo elemento que contém em
si certas dificuldades. 'Moderno' vem do latim modernus que, por seu
turno, deriva de modo ('agora mesmo', 'neste instante' etc.) e, aparentemente,
tem designado, desde o Medievo, o que é 'novo' ou 'contemporâneo'.
Uma possível e
digestiva impressão de facilidade dissipa-se, todavia, se rastreamos o uso do
termo na história da arte. Para os renascentistas do Cinquecento, por
exemplo, 'moderno' era o estilo gótico, enquanto que 'contemporâneo' (ou
'pós-moderno') seria o clássico. E não acaba aí. Para alguns, a era moderna
pode designar tanto o período que se seguiu ao declínio da conjuntura medieval
(o da consolidação do humanismo no Ocidente), quanto o posterior a meados do
século XVIII (ocasião em que entrou em cena a chamada civilização industrial).
O terceiro e último elemento, o sufixo 'ismo' (do grego ismós,
'doutrina', 'escola', 'teoria ou princípio artístico, filosófico, político ou
religioso' etc.), unido a determinadas palavras, pode transformá-las em nomes
intimamente associados, entre outras coisas, à arte.
O primeiro a usar o
termo parece ter sido o acadêmico inglês Chapman. Em 1870, ele considerou sua
arte 'pós-moderna' para poder contrastá-la com a então 'moderna' pintura
impressionista. Em 1934, foi a vez do historiador da literatura Federico de
Oniz. Segundo Oniz, o 'Postmodernismo' abrangeria os anos de 1905 a 1914, época
em que ocorreu uma reação nas letras hispânicas à sua abrupta penetração por
digressões modernistas. Em 1942, Dudley Fitts referiu-se a um soneto de G.
Martinez como se este fosse o próprio 'Manifesto do Pós-modernismo'. Em 1945,
Joseph Hudnut, qualificou como 'pós-moderno' qualquer projeto arquitetônico que
confirmasse os avanços da produção serial. Em 1946, Arnold Toynbee lançou mão
do termo, configurando com ele o período subseqüente a 1875. Em 1950, tivemos o
poeta Charles Olson fazendo praticamente o mesmo que Toynbee. Em 1959, Irving
Howe utilizou, pejorativamente, a palavra para rotular certos escritores do
pós-guerra tais como Jerome Salinger, Bernard Malamud e Saul Bellow. Em 1960,
um outro crítico, Harry Levin, fez o mesmo aludindo a Norman Mailer, John Barth
e Thomas Pynchon. Em 1961, Octavio Corvalan, no rastro de Oniz, falou de uma
reação 'pós-modernista' contra o modernismo na produção literária espanhola dos
anos 20 e 30. Em 1962, chegaria a vez de William van O'Connor, crítico inglês,
ao lastrear as novelas de Philip Larkin, Kingsley Amis e Iris Murdoch. Em 1965,
'pós-modernismo' foi uma designação para escritores pop como William
Burroughs, Kurt Vonnegut e Anthony Burgess, nas mãos de Leslie Fiedler. Em
1966, Nikolaus Pevsner utilizou o termo para qualificar uma arquitetura de
têmpera expressionista. Em 1968, o crítico de arte Leo Steinberg falou do
pós-impressionismo como de um novíssimo relacionamento entre o artista, a obra
e o observador, detectável nos desempenhos de Robert Rauschenberg, Jasper Johns
e Andy Warhol. Finalmente, em 1970, foi a vez de Ihab Hassan, referindo-se a
uma visão crítica - grandemente influenciada pelo pós-estruturalismo - que
afirmaria o fragmentário, o indeterminado e o jocoso.
DA DISPERSÃO À SÍNTESE
A monotonia desses
dados apenas corrobora a indecisão discursivo-teórica em que ora mergulhamos.
De uma hora para a outra, os arquétipos viraram farsas. A pós-modernidade se
comporta como um cúmplice bizarro, uma espécie de sucedâneo 'romântico' do
moderno. O fato é que, na era pós-moderna, a história se adulterou, tanto
epistemológica - com a recusa do sentido único e a multiplicação de múltiplos
níveis perceptuais - quanto existencialmente com o esbatimento dos dados
imediatos no seio da mediascape.
Ora se assiste a um
consenso cujo cânon seria sobretudo o fetiche. Psicose cíclica: espanto e
melancolia parecem formar um inextricável arabesco. Exaltação e desalento que
as artes cristalizam mais do que nunca. Parte-se de um vanguardismo
laboratorial e chega-se ao déjà vu. Fuga ou retorno em relação a que? O
conceito mostra-se ambíguo sob múltiplos aspectos. Em primeiro lugar, vem sendo
utilizado nos âmbitos mais díspares: pintores, escritores, sociólogos,
filósofos, arquitetos saúdam-nos randomicamente. Nada poderia ser pior: sem processamentos,
o grosso das leituras opera em contradição.
A primeira tentativa
de aquilatação da cena pós-moderna produziu-se na arquitetura: hoje ninguém
ignora o pioneirismo do ensaio The language of post-modern arquitecture de
Charles Jencks . Sabe-se que o debate se deslocou depois para o âmbito da
reflexão filosofante com os posicionamentos de algumas celebridades. Embora já
presente no calor dos anos 60, foi intensificado a partir de 1979, com a
publicação do lyotardiano La condition postmoderne, e a anunciada crise
do que se convencionou chamar de 'metanarrativas'. Logo depois, Habermas viria
em socorro da Tradição defendendo, com unhas e dentes, sua vigência e eventual
recuperação.
Sob a ótica
filosófica, fala-se muito, sem dúvida, da parelha 'modernidade' e
'pós-modernidade'. A pletora de discursos oriunda de diversos setores da
cultura, acerca do advento de uma nova era, lançaria no ar, contudo, uma
incômoda sensação de terminalidade. De qualquer maneira, a questão abriu
caminho para, no mínimo, três posturas. A primeira definindo-a como uma simples
falação sobre a 'crise', ou seja, um surto irracionalista a ser saneado em prol
de um resgate do lógos. A segunda considerando-a o desdobramento de uma
'modernidade como projeto inacabado' cujos paradigmas estéticos estariam longe
de definhar. A terceira, certamente a mais difusa, afirmando-a como a
manifestação de um instigante caso com o presente, livre das megaestruturas de
uma historicismo de bases metafísicas, ou seja, algo como um phylum desconstrutor,
assumidamente aberto a um sentimento arqueológico.
Sob este aspecto, o
fenômeno vem, já há algum tempo, inspirando acaloradas polêmicas. Desponta,
nesse terreno, uma verdadeira encruzilhada acerca do empreendimento
pós-moderno. A escola francesa - representada in limine por Jean
Baudrillard e Jean-François Lyotard - ganhou o rótulo de 'neonietzschiana'.
Outros nomes - entre eles os de Arthur Kroker, David Cook, Terry Eagleton e
Fredric Jameson - também ganharam notoriedade.
A retórica de
Baudrillard alinhavou, com um lúcida entourage marxista, o niilismo de
boa parte do discurso filosófico pós-68. No centro de seus esquadrinhamentos
está a noção de 'simulacro' - espécie de dicção vazia estreitamente associada à
atual insularidade das práticas simbólicas. Com angulações sempre instigantes
sobre os sortilégios do aparato mediático, conseguiu ofuscar, de uma vez por
todas, leituras amplamente difusas como as de George Orwell e Marshall McLuhan.
Um de seus aportes mais valiosos foi, sem dúvida, despertar a atenção para a
surpreendente riqueza de certas clivagens 'insuspeitas' do cotidiano. Além do
mais, o legado baudrillardiano acabou se tornando especialmente estratégico
para uma diagnose geral da crise narrativa.
O posicionamento de
Lyotard, embora menos espectral, é igualmente devedor do espírito pós-68 e,
portanto, inclinado a ressaltar a falência da herança moderna. Para ele, a
pós-modernidade é singularmente crítica, uma espécie de refluxo que precederia
a superação universal das grandes narrativas. Entre suas convicções, destaca-se
a idéia de uma total deslegitimação do prisma iluminista. Embora também
refutando as metamorfoses metodológicas do marxismo tradicional, Lyotard sugere
que aquela idéia deve, primordialmente, evocar os curto-circuitos causados na
sociedade burguesa pelo súbito desmonte de seus campos táticos. Segundo Mattei
Calinescu, "(…) Lyotard rejeitou, sumariamente, a noção de Diskurs ou
de consenso racional, afirmando que, com a desintegração da modernidade, o
valor da nova consciência (pós-moderna) tornou-se destoante enquanto princípio
de orientação (…) Mas tal repto à doutrina habermasiana da modernidade ganhou
notoriedade como uma argumentação acerca da falta de credibilidade das concepções
universalistas e do 'conto de fadas' ideológico a partir do qual o próprio
projeto moderno tem, ultimamente, derivado".
Quanto a Jameson,
pode-se dizer que opta por rastreamentos do contemporâneo que primam pelo
afinco metodológico e um rigoroso senso das 'transversalidades'. Ao ler seus
textos, nos deparamos com uma abordagem tendente ao sincretismo, apta porém a
escorar o que ele próprio chama de teoria contemporânea com dispositivos
analíticos mais apropriados e convincentes. Sob a influência inequívoca de uma
tradição marxista à européia, este chef de file ianque navega com
desenvoltura entre os frankfurtianos, Jean-Paul Sartre, Henri Lefébvre e Louis
Althusser, concentrando-se em determinados temas como a fundação do sujeito
burguês e o papel dos elementos superestruturais na conformação ideológica.
A seu respeito, diz
Christopher Sharrett que "o projeto de Jameson acerta em cheio ao encarar
o pós-modernismo como um campo de batalha (…) Seu enfoque é o de um
materialista histórico que subsume a era pós-moderna no interior do capitalismo
tardio (…) O questionamento da economia de Estado pelo capitalismo
multinacional representa, sem dúvida, uma ameaça à integridade do sujeito
monádico burguês; tal postulado está na base da visão jamesoniana do papel do sujeito
no âmbito cultural pós-moderno. Neste dar-se-ia uma suprema reificação da
alienação (…) e a afirmação de um consenso em que o sujeito se vê privado de
referências - carente de uma mínima noção de causalidade - e compelido a
aceitar que a opção pela utopia (ou pelo radicalismo) é ingênua ou datada. O
sujeito, enfim, 'esquizofreniza-se' a partir do momento em que sua cadeia
significante e, portanto, sua consciência histórica acabam definitivamente
rompidas".
O CAMPO INSTÁVEL
Os intelectuais citados
acima tem em comum o fato de estudarem o fenômeno pós-moderno muito em função
da negatividade (ou não) dos impactos da mídia sobre cada um de nós. Seja como
for, faz tempo que o entorno parece ter sido substituído por um 'teatro de
sombras' cuja função é paralisar a todos com seus sortilégios. Graças a ele, o
sujeito se converte num engodo e chafurda na própria opacidade. Ao
desmoralizarem as 'megaexplicações', o sistema centrado e a dinastia secular da
univocidade significante, os tempos pós-modernos acabaram reforçando o vigor
poético da indeterminação. Na opinião de Félix Torres, o pós-modernismo encerra
mutações que traduzem, no cerne das modalidades artísticas, uma sensibilidade
alternativa. Contudo seria razoável dizer que, no mosaico de aspectos por esta
oferecido, se destacam contrapontos?
Tal mentalidade, ao
que parece, tenta repertorizar conexões improváveis e inerentes aos fenômenos
culturais. A eventual extensão desse horizonte se deve diretamente à
potencialidade de quebra-cabeças que condiciona as regras do jogo. Calabrese,
como vimos, optou por chamar de neobarroco ao gosto 'caleidoscópico' em
vigência: um ar do tempo que se alastra a muitos fenômenos de hoje em todos os
campos do saber, tornando-os parentes uns dos outros, e que, simultaneamente,
os faz diferirem de todos os outros fenômenos de cultura de um passado mais ou
menos recente. Assiste-se à perda do íntegro, do universal, da sistematicidade
ordenada das formas em troca do instável e do polidimensional. À ordem sucede
não o caos, mas um arranjo inédito simbolicamente adaptado à pujança das
diferenças. Uma obra como L'etá neobarroca, sob este aspecto, se revela
muito útil apesar das dificuldades que enfrenta na consecução de seus objetivos
e meios.
O