Jorge Lucio de Campos



Paul Klee. Parque perto de Lucerna, 1938.


Em Mascarada, Carlos Vogt como que arremata um projeto poético que - embora já esboçado ao longo da década passada com Cantografia (1982), Paisagem doméstica (1984) e Geração (1985) - só começou a ganhar uma visibilidade definitiva a partir da publicação, há seis anos atrás, de Metalurgia.

O título diz muito. Oportunamente, o prefácio de Antonio Fernando de Franceschi chama-nos a atenção para a sua (não apenas intrínseca) pertinência em relação àquele projeto: "qualquer mascarada que se preze é um jogo de disfarces, onde o engano - e só ele - pode fazer prova de valor". E mais adiante ainda: "máscara alguma oculta completamente e esta é a graça do jogo", sendo que tal jogo é "sem regras fixas, diga-se, em que o despistamento ilude menos que a verdade, quando se trata, como aqui, da exploração dos limites, dos sentidos e das palavras".

Se, de fato, é tão-somente no jogo da linguagem (ou no âmbito do ruminação discursiva) que se funda o fenômeno poético enquanto um poderoso antídoto para a dor da fundação do real; se é graças a jogos assim (definidos enquanto tais, sobretudo, por um apuro de regras sempre renováveis e de inesperadas fulgurações), em si mesmos intralingüísticos (linguagem + linguagem, linguagem - linguagem, etc.), que podemos sonhar com uma possível marcação das coisas e, em síntese, com uma intervenção humanizadora, única força capaz (afora a experiência mística) de, doando sentido à vida, torná-la suportável, etc. etc., então o projeto de Vogt, sem dúvida, ganha com Mascarada um grau de inteligibilidade que ainda não possuia.

Compõem a coletânea sessenta poemas (em geral curtos, exceção feita a "Fogos de artifício", "Segundo domingo depois do primeiro", "Canção do exílio" e "Tempo regulamentar") que funcionam como sketches de uma visão que enfatiza, teimosamente, a instabilidade do 'mundo' ("O eu do outro/o outro do eu/o outro do outro/eu"). Marca-os, quase sempre, uma ironia desencantada e cortante, quase epigramática, que prima por buscar a universalidade numa consideração setorizada das coisas. Se impõe, por vezes, ao leitor, em algumas de suas molduras - um tanto embaciadas ("meu olhar é vago de incertezas/a mentira é um estado/- covarde -/mas de afirmação") pela puerilidade e pelo enfado - uma desconfortável, embora passageira, impressão de naufrágio súbito, Vogt logo se recupera, ressurgindo de suas próprias cinzas, lançando mão da parataxe e de um estilo telegráfico que, mesmo lacunoso, estimula ações.

Com belas passagens ("Enquanto caminhávamos/fomos nos curvando ao tempo/que há de tornar-nos horizontais/como um ponto de exclamação/tombado por terra") que, decerto, compensam a irregularidade de seu conjunto, Mascarada consegue, ao fim e ao cabo, afirmar-se e confirmar-se. Se o faz pelo que diz, ou antes por suas mudas condições de abertura, caberá aos leitores decidirem.
 
O Globo, 10/1/98.


[email protected]

Retornar