Quinze anos após estrear, em 1982, com Eu, pron. pess., o poeta mineiro Claudio Nunes de Morais nos apresenta seu Xadrêz via correspondência. Trata-se de uma coletânea que inclui - além daquele primeiro (em versão diminuída e reintitulado Pronome pessoal) - três 'outros' livros: Xadrêz postal, Via correspondência e Passado a limpo, que abrigam um total de trinta e cinco títulos divididos em três grandes blocos - 'aberturas', 'meio-jogo (entreato)' e 'finais da capo' - cuja lógica de distribuição dramático-musical (lógica esta perfeitamente inteligível já que Cláudio também é músico) nos convida a uma leitura incessantemente renovável - espécie de exercício lapidante, de apuração constante de intenções.
A escritura nomádica de Cláudio quase sempre funciona por propagação e contágio. Ocorre-percorre "(n)os mesmos lugares, (n)o mesmo sentido" (cf. 'O sol quente e os tijolos'), enquanto florescência que, ao mesmo tempo, que se difunde e enraíza, inaugura e explora, através de suas múltiplas extremidades, surpreendentes cartografias. Nela, o dentro é, por via de regra, concebido pela vitalidade do fora ("Fazer uma esponja/tragar/impregnando-a/do suco gástrico/da poesia//Espremer a esponja/sobre um suculento/pedaço de papel/em branco/num recipiente//E começaremos/assim/a estudar a digestão/in vitro, ou seja/fora do peito), encarregando-se o intertextual - o outro-texto, mas também o outro-figura, o outro-conceito advindo de todos os pontos cardeais, épocas e repertórios possíveis - de alimentar, mediante sutis dobragens (bem caracterizadas, no texto de apresentação, por Carlos Ávila que, acertadamente, alude a um "filtro pessoal para embutir estes elementos no corpo do poema"), a internalidade própria do que é dito.
O 'outro' parece ser, de fato, a grande usina dos melhores poemas de Cláudio fortemente ancorados num peculiaríssimo processo de (des)montagem em que predomina a construção (a partir da palavra) usinadas pelas idéias e não o contrário. Quando acertam o alvo, suas descrições não apenas se arvoram resvalar no sensível (cf. 'Vegetação'), como também ansiar a própria captura do essencial das coisas ("não tirar/do nado/mais que/essa espuma").
Apesar de desigual, Xadrêz via correspondência é, sem dúvida, por tudo isso que foi dito, uma leitura das mais estimulantes (principalmente os primeiros títulos - os que compõem Xadrêz postal - destacando-se entre aqueles belos manuseios da matéria poética como 'P. S. a T. S. Eliot' e 'Armação de Búzios'). Creio ser ali que Cláudio exerce melhor o domínio do poema, submetendo com maestria, à calma da superfície textual, toda a selvageria surda de seu imaginário.
O Globo, 14/2/98.