A explos�o mod que inverteu os valores
Por Fernando Brasil
Todo moleque que se preze gosta de novidade. Os garotos que se reuniam nos
blocos residenciais da Universidade de Bras�lia no final dos anos 70
sabiam disso. Uma das maiores influ�ncias da chamada Turma da Colina e de
nove entre dez bandas brit�nicas dos anos 90, o trio ingl�s The Jam
precisou de apenas cinco anos para, ao lado do Clash e dos Pistols, mudar
a face da m�sica pop na Inglaterra e provocar ru�dos no at� ent�o
incipiente rock brasileiro.
Diferentemente de seus contempor�neos, no entanto, o grupo formado por
Paul Weller (guitarra/voz), Bruce Foxton (baixo/vocais) e Rick Buckler
(bateria) se inspirou no movimento sessentista mod � cujos mais famosos
expoentes musicais eram The Who e The Kinks - para criar uma nova
linguagem, que aliada � urg�ncia do inconformismo punk e a improv�veis
toques de soul music, atingiu em cheio o cora��o dos jovens, especialmente
os que acompanhavam a cena londrina a partir de meados da d�cada de 70.
Para expressar bem as ang�stias de ser jovem, nada melhor do que ser um
deles. Paul Weller tinha apenas 18 anos e ainda morava com seus pais
quando o trio assinou o primeiro contrato com a Polydor em fevereiro de
1977, ap�s diversas forma��es � incluindo uma troca de instrumentos entre
Foxton e Weller, que antes havia se tornado baixista por influ�ncia do
�dolo Paul McCartney. J� no disco de estr�ia, In The City, o Jam tra�ava
os rumos que iriam marcar sua gera��o: a poesia crua e urbana da
faixa-t�tulo In The City e Sounds From The Street unia idealismo,
agressividade e frescor sonoro, numa interpreta��o muito particular do
ent�o emergente movimento punk.
Cl�ssico por excel�ncia, In The City traz ainda uma furiosa vers�o para
Slow Down (imortalizada pelo Beatles) e Batman Theme (tamb�m gravada pelo
Who na d�cada de 60), al�m de petardos como Art School, Time For Truth e
Away From The Numbers, esta �ltima mais pr�xima do mod style. Com um debut
t�o promissor, o reconhecimento veio a galope. O Jam foi a primeira banda
punk a fazer uma apari��o no campe�o de audi�ncia Top Of The Pops, o Globo
de Ouro da Inglaterra. Na seq��ncia, o grupo foi escalado para abrir os
shows do Clash na White Riot Tour, mas, ap�s desentendimentos t�cnicos e
financeiros, partiu sozinho em turn� pelo Reino Unido.
Nada mal para uma banda que nasceu sob o signo da adolesc�ncia e teve
v�rias forma��es. A carreira promissora, no entanto, j� se anunciava anos
antes. Em 1973, ganharam um pr�mio na cidade de Weller, Woking, por uma
vers�o de Reelin and Rockin, de Chuck Berry. Tr�s anos depois foram
escalados para abrir um show dos famosos, mas n�o menos iniciantes, Sex
Pistols. O som en�rgico, mas com guitarras � la Who gerou um coment�rio
maldoso de uma colunista do seman�rio ingl�s Melody Maker, que se limitou
a classificar o grupo como um puro revival mod. Indignado, Paul Weller
pendurou uma placa no pesco�o no show que se seguiu: �como posso fazer
revival se tenho apenas 18 anos?�
O sucesso da estr�ia na industria fonogr�fica colocou a banda sob press�o
da gravadora. Assim, o Jam lan�ou, em novembro do mesmo ano, o segundo
�lbum, This Is The Modern World. Feito �s pressas, o disco foi recebido
com frieza pela cr�tica, que considerou a produ��o soft demais para os
padr�es da banda. Menos punks e mais ligados � Rickenbacker de Pete
Townshend (uma das refer�ncias b�sicas dos mods) a banda registrou, ainda
assim, boas m�sicas como All Around the World e The Modern World, al�m de
Carnaby Street, a estr�ia do baixista Foxton como compositor.
Tratando da natureza do individualismo e francamente influenciado pela
poesia beatnik em suas letras, Paul Weller aos poucos foi mostrando que
seu grupo n�o era apenas mais uma banda de ver�o. O Jam estava disposto a
conquistar um lugar na galeria dos imortais do rock.
Consagra��o
O �lbum seguinte veio a tornar realidade as ambi��es de Weller. All Mod
Cons, lan�ado em novembro de 1978, foi aclamado como um dos mais
importantes discos da d�cada de 70, levando o Jam � consagra��o. A faixa
Down In The Tube Station at Midnight revelava a maturidade musical do
guitarrista. Recheada de imagens cinematogr�ficas, a m�sica conta a
hist�ria de um homem que desce ao metr� para viver um inferno, num estilo
de narrativa in�dito, combinando imagens de viol�ncia e tens�o ao som
vigoroso do trio.
Outros grandes momentos se seguiram, a exemplo de All Mod Cons e To Be
Someone, em que a ind�stria do showbizz � atacada impiedosamente. Mas,
certamente, o ponto alto do disco � In the Crow, onde Weller faz
refer�ncia ao �Grande Irm�o� de George Orwell, do cl�ssico da literatura
1984. Constatando que �todos agem como se estivessem perdidos num sonho�,
a m�sica flerta com o psicodelismo, com direito a grava��es de guitarra ao
contr�rio e uma cita��o de Away From The Numbers, do primeiro disco. Por
fim, outro hit infal�vel � apresentado: Fly, que conquista o ouvinte com
uma sonoridade ac�stica, mas nem por isso menos catchy.
O caminho estava definitivamente aberto para o Jam. Em 1979, ano de
lan�amento de Setting Sons, o quarto aguardado �lbum, o trio j� era um dos
mais bem-sucedidos grupos de sua gera��o. Respons�vel pelo revival do mod
na Inglaterra, a banda chegou a ser convidada por Pete Townshend para
atuar em sua adapta��o cinematogr�fica de um dos seus discos cl�ssicos que
retratava a cena mod inglesa, Quadrophenia. Buscando desafios maiores em
sua carreira, Weller decide partir para um �lbum conceitual, a exemplo do
que fizeram alguns de seus �dolos, como o Who (Tommy) e os Beatles (Sargeant
Pepper�s).
Para concretizar o novo projeto, surgiu a id�ia de um encontro entre tr�s
amigos que foram separados por uma guerra civil e levados a tomar rumos
diferentes, para mais tarde, s� ent�o, encontrarem-se novamente. Paul
Weller concluiu que poderia relacionar as m�sicas do disco em torno desta
hist�ria, reunindo temas como separa��o, guerra e amadurecimento dos
jovens. O guitarrista, no entanto, seguiu esse caminho apenas
parcialmente, desistindo de fazer todas as m�sicas do �lbum �amarradas� a
uma mesma id�ia.
No fim das contas, o disco foi um grande sucesso n�o por ser conceitual,
mas por ter grandes m�sicas. Entre os destaques, Thick As Thieves (que
segue o conceito inicial do disco), Little Boy Soldiers (um dram�tico
�pico anti-b�lico) e Wasteland (uma po�tica e tocante balada sobre
amizade, ainda relacionada ao encontro dos tr�s amigos), entre outras.
Em 1980, o grupo atingiu o primeiro lugar das paradas brit�nicas com Going
Underground � a m�sica voltou a ser um sucesso em 1999 na Inglaterra, na
vers�o do americano Bufallo Tom para o disco-tributo Fire & Skill, que
reuniu ainda nomes como os irm�os Gallagher e Garbage � se consolidando
como a banda mais popular no Reino Unido. Aproveitando o sucesso, a
Polydor relan�ou ainda em 1980 todos os singles do grupo, levando seis
compactos de volta �s paradas. No final do ano, o trio havia se tornado a
banda com o maior n�mero de singles no Top 50 do Reino Unido desde os
Beatles.
Antes de lan�ar o quinto �lbum, o trio conquistou outro primeiro lugar com
Start, claramente inspirada em Taxman, dos Beatles � a faixa escrita por
George Harrison abre o cl�ssico Revolver, disco que o Jam ouvia sem parar
durante a �ltima turn� americana. No final do ano, sai do forno Sound
Affects, antenado com a produ��o p�s-punk de bandas como Gang Of Four e
Joy Division. A banda agora procurava uma expans�o de seu som, trazendo
elementos de funk - como na m�sica Pretty Garden, que abre o disco - mas
sem esquecer as ra�zes.
A influ�ncia de Revolver tamb�m aparece em But I�m Different Now, com um
riff de guitarra que lembra outro cl�ssico dos Fab Four, Dr. Robert. O
disco ainda impressiona pela pot�ncia de Set The House Ablaze, a pegada
mod de Boy About Town e a punk Dream Time. Mas o grande hit ficaria por
conta That�s Entertainment, onde Weller descreve um sombrio panorama da
sociedade evocando a decad�ncia do estilo de vida ingl�s. Tendo sido
escolhida como carro-chefe apenas na Alemanha, a m�sica acabou se tornando
o single importado mais vendido na Gr�-Bretanha, um ir�nico sucesso que
banda e gravadora n�o esperavam.
O Come�o do Fim
O �xito do disco trouxe mais expectativas sobre onde o Jam ainda poderia
chegar. Ap�s cinco �lbuns lan�ados parecia claro que a banda ainda teria
com o que contribuir � m�sica pop. Paul Weller, por outro lado, sentia,
inconscientemente, que sua crescente abertura a outros estilos, como
disco, soul e funk n�o passava pelas concep��es musicais do Jam. E parecia
natural que seus novos interesses influenciariam sua maneira de compor.
Embora n�o soubesse disso naquele ano de 1981, o Jam entrava lentamente
num processo sem volta, que levaria ao seu fim.
O ano de 1981 foi um ano de descanso para o grupo. N�o lan�aram um disco
novo, mas o single Beat Surrender alcan�ou novamente a primeira posi��o
nos charts.Um encontro entre Paul e o �dolo Pete Townshend, arranjado pela
Melody Maker, serviu para mostrar que as coisas estavam mesmo diferentes.
Ap�s conversarem muito, Weller e Townshend chegaram a conclus�o de que n�o
gostavam dos trabalhos recentes um do outro. Weller tamb�m aproveitou a
parada e, utilizando sua imagem de spokesman for a generation, se engajou,
em Londres, na Campanha pelo Desarmamento Nuclear, assunto recorrente
naqueles tempos de guerra fria e da pesada m�o-de-ferro da ent�o
primeira-ministra Margaret Thatcher.
Durante os feriados de fim-de-ano, Paul Weller se concentrou nas m�sicas
daquele que seria o canto de cisne do Jam. Acelerando o processo de fus�o
entre rock e soul, Weller gravou sozinho algumas demos no lend�rio est�dio
AIR, do produtor George Martin. As diverg�ncias com o grupo eclodiram
quando o cantor manifestou maior interesse pelas demos do que pelas
vers�es da banda. Ap�s um dos bate-bocas, Weller n�o aguentou a press�o e
entrou em colapso, desmaiando no intervalo de uma das sess�es. A despeito
das diverg�ncias, o novo single, um lado A duplo, com a dan�ante Town
Called Malice (que j� se aproximava mais do estilo que Weller
desenvolveria mais tarde com o Style Council) e Precious, foi lan�ado em
fevereiro de 1982, indo direto para o primeiro lugar.
Seguindo o exemplo de Town Called Malice, o �lbum The Gift atingiu o posto
de n�mero um, feito in�dito para o grupo e conseguiu se manter nas paradas
por seis meses. O disco � o mais diversificado da carreira do Jam. � o que
se pode perceber na caribenha The Planner�s Dream Goes Wrong, na
melanc�lica Carnation � gravada no ano passado por Liam Gallagher no mesmo
tributo Fire & Skill � e na instrumental Circus.A turn� de divulga��o do
disco foi desgastante e rumores sobre a separa��o da banda come�aram a se
tornar constantes.
Ap�s o lan�amento do single de The Bitterest Pill (I Ever Had To Swallow),
em setembro de 82, o l�der do Jam cancela v�rios shows pela Europa. Em
meio � agonia de um casamento no fim, Paul Weller anuncia que a banda
estaria encerrando suas atividades em dezembro �por acreditarmos que j�
demos tudo que poder�amos como grupo�. Para Weller, era melhor que
terminassem enquanto ainda tinham respeito e admira��o dos f�s a continuar
e cair na decad�ncia, a exemplo de tantas outras bandas. Estava encerrada
a trajet�ria de uma das bandas mais inspiradas e idealistas da hist�ria do
rock.
Para n�o deixar os seguidores do grupo na m�o, o Jam realizou, em
dezembro, um �ltimo, hist�rico e emocionado show de despedida no Brighton
Centre, onde foi ovacionado pela plat�ia. Enquanto isso, um �ltimo �lbum
de m�sicas ao vivo, lan�ado no mesmo m�s subia nas paradas da
Gr�-Bretanha. Captando toda a energia da banda nos palcos, Dig The New
Breed refletiu a resposta dos f�s aos desejos de Weller, que sonhava ver
sua banda preservar a dignidade conquistada durante sua fulminante
ascens�o. Era importante manter a chama mesmo durante a inevit�vel queda.
Traum�tico fim, recome�o promissor. A separa��o do Jam n�o significou o
fim das atividades de seus integrantes. Bruce Foxton emplacou a m�sica
Freak nas paradas, antes de fazer parte do grupo The 100 Men, enquanto seu
companheiro Rick Buckler formou o UK Time, t�pica banda dos anos 80.
Sucesso mesmo, como j� se esperava, fez Paul Weller, que montou o projeto
Style Council, banda com um som mais clean e pop, e que chegou a
incorporar at� mesmo a bossa nova em seu caldeir�o sonoro. O grupo, na
verdade, preparou terreno para a cole��o de sucessos que Paul Weller
comporia nos anos 90 no Reino Unido, voltando � fase de hitmaker que o
consagrou no Jam.
Embora tenha sua import�ncia questionada pelo fato de nunca de ter
estourado na Am�rica, assim como dezenas de outras importantes bandas
brit�nicas � o que, ali�s, ilustra bem a obtusidade do mercado americano
�, o Jam foi, no entanto, devidamente julgado pela hist�ria para entrar no
seleto rol dos cl�ssicos da m�sica pop, sendo refer�ncia absoluta para
toda uma gera��o. De Oasis a Supergrass, passando por Nirvana, at� os
brazucas do Ira!, todos cresceram ouvindo os acordes de In The City e All
Around The World. Afinal, sounds from the street sound so sweet...
* retirado do site
RockBrasilia
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