Comida de Cachorro
Como e onde tudo começou

Muitos dos que conhecem o Comida de Cachorro, não fazem a mínima idéia de como ou onde tudo começou, ou até o porquê desse nome, que é bastante polêmico. Então, vou tentar explicar as duas coisas...
Bom, acho que já ouviram falar na Cava Funda, não é? Pois foi lá a primeira de uma série de apresentações. Tudo começou em janeiro de 1991, em plenas férias estudantis quando um  primo meu, Otávio, quis vender sua guitarra Jeniffer (Diga-se de passagem, o Otávio é um exímio guitarrista, violonista clássico e “afins”). E eu que estava aprendendo tocar violão, me interessei pela Jeniffer, que tinha um bom preço. Convenci minha mãe a comprá-la (Vale lembrar também a força de meu avô nesta compra). Ah, eu ia me esquecendo de dizer meu parceiro inseparável da época, o Diovani. Só pra se ter uma idéia, eu comecei a aprender tocar violão porque ele tocava, aí ele foi aprender tocar violão porque eu estava aprendendo. Deu pra entender? Pois é, até hoje  nós não sabemos direito quem começou com isso! O Diovani já tinha tudo em casa, guitarra, baixo, bateria, teclados, porque os irmãos dele eram da banda Rayzes, e se não fossem eles, nós não teríamos instrumentos pra começar a tocar.
Quando o Diovani foi até minha casa conhecer a Jeniffer , ele propôs a formação de uma banda, e eu achei o máximo. Você pode imaginar, um garoto de quinze anos,  beatlemaníaco, e que já arranhava umas musiquinhas no violão, ter oportunidade de formar uma banda com seu melhor amigo que também adorava Beatles e tinha tudo em sua casa? Era só começar a ensaiar... mas não foi bem assim. E ao mesmo tempo foi! Eu me lembro que no final de semana seguinte, eu fui pra casa do Diovani com a Jeniffer nas costas. Ele morava num sítio a uns 2 km da cidade. Lá eu me maravilhei ao tocar  acompanhado por uma bateria, instrumento que desde esta época o Diovani já dominava. Eu também toquei, ou melhor, tentei, mas não passou de um tunxtaxtun descoordenado. Até então, a banda era apenas nós dois, eu queria ser guitarrista e ele também. Aí o Edgar, um outro primo, foi também conhecer a Jeniffer, eu pensei em chamá-lo pra banda, pois além de tocar violão, ele também sabia tocar piano e cantava muito bem, mas ele era mais velho, e achei que ele não iria se interessar, ele tinha 18 anos, coisa que na época era muita diferença pra os meus 15. Mas para meu espanto, entre um acorde e outro ele virou pra mim e propôs que a gente formasse uma banda, praticamente com as mesmas palavras que o Diovani usou. E eu, meio sem entender, contei pra ele que essa banda já existia comigo e com o Diovani, e que sua entrada seria excelente.
Pronto. A banda já tinha três. O Edgar nos teclados e vocal, o Diovani na guitarra e vocal, e eu no contrabaixo, não porque eu sabia tocar contrabaixo, mas porque eu era o pior guitarrista, e acabei me apaixonando pelo instrumento. Tatavo, um outro primo um pouco mais distante tocava bateria... ótimo! Ou não. Ele sofreu um acidente, e quebrou o pé. Não chegamos nem a ensaiar juntos. A banda voltou para o papel. O David toca bateria! Outro primo. Este topou e ensaiou. É, parece que foi simples, mas passou muita água por de baixo da ponte até que o primeiro ensaio saísse. Mas mesmo antes que estivéssemos aptos pra tocar, e nisso já havia passado quase um ano da compra da Jeniffer,  em meados de novembro de 1991 nós resolvemos fazer uma brincadeirinha  na Cava Funda, que na época era da Dilma, irmã do Diovani, e da Luiza, mais uma prima na história. Nós devemos muito a elas. Nos ajudaram em praticamente todos os nossos shows. Essa brincadeirinha seria junto com o antigo Rayzes só pra gente pegar um jeitinho de palco, ainda sem o David porque ele  não tinha ensaiado nada com a gente, e, pra falar a verdade, a gente também não tinha ensaiado direito. Na bateria ficou o Caio, irmão do Diovani, que era guitarrista do Rayzes. A gente pegou esse rabo de foguete porque o Rayzes iria tocar no começo e depois a gente encerrava. E, com a Cava lotada, o Rayzes acabou tocando quase toda noite, e lá pelas tantas nós subimos tocamos duas ou três músicas, e sem conseguir terminar nenhuma, descemos do palco tremendo. Foi bom, tocamos muito mal por não ter ensaiado nada. Recebemos muitos “vocês tem tudo pra arrebentar!”. O engraçado, é que só depois que eu percebi que a mensagem foi uma forma educada de dizer “Vocês precisam ensaiar muito ainda”.
Ana Paula, pra variar outra prima, juntou-se à banda pra cantar algumas músicas de vocal feminino. A data já estava marcada, 22 de dezembro de 1991. Qual o nome da banda? Ainda não contei? Pois é. Mas o nome já estava escolhido. Foi o seguinte, foi durante o ano de 91, ano de “construção” da banda. Toda semana eu ia na casa da Vó Chiquinha buscar os restos de comida pro meu cachorro, e o Ju, um primo beatleamaníaco de carteirinha, guardava o seu carro lá na garagem da casa da Vó e, coincidência ou não, ele encontrou comigo carregando uma vasilha cheia de restos de comida várias semanas seguidas e, entre uma piada e outra, começou a me chamar de Comida de Cachorro. Obviamente, eu já havia contado está história pro Diovani. Até aqui tudo bem. Uma história não tem nada a ver com a outra. Mas um dia, nós estávamos tentando bolar um nome pra banda, e,  dentro vários nomes pensados (Seiva Bruta, Mig-28, Os Portas, Néctar dos Deuses, etc..), resolvemos homenagear os Beatles. Como vamos fazer isso? Vamos homenagear um beatlemaníaco! O Ju! E eu e o Diovani falamos praticamente juntos: “Comida de Cachorro!” Tá batizado. A aceitação foi total, pelo menos pela banda!
Finalmente, com a chegada das férias de dezembro, a duas semanas da estreia, os ensaios engrenaram. Não posso dizer que nós ensaiamos exaustivamente durante essas duas semanas, porque nós adorávamos, mas eram ensaios que começavam lá pelas nove da manhã, e ia até as cinco ou seis horas da tarde lá na Cava Funda, no palco da estreia. Era a  maior curtição, eu acordava, passava na casa do Diovani, do David e do Edgar, o pai que ia levar e buscar a gente já era escolhido com antecedência, aliás o que não faltava pra gente eram   “pai-trocinadores”. A Ana Paula ia na parte da tarde, porque suas músicas eram poucas. As vezes, por falta de “pai”, a gente  acabava indo e voltando a pé, uma boa caminhada de uns    3 km. Mas entre toda essas bagunças, os ensaios renderam como nunca, tanto é, que nós, nesse curto espaço de tempo, conseguimos montar um repertório de quase 40 músicas, que começava com umas bossas,  sambas, algumas baladas, passando por muitos Beatles, Rock  nacional e internacional, e terminava com Guns n´ Roses, a sensação do momento.
Chegou o dia! 22 de dezembro de 1991! Acordei cedo, porque tinha muito coisa pra fazer, peguei uma lona na casa da minha avó, dessas de caminhão, o Edgar passou  em casa com a Pampa da Luiza e fomos pra Cava Funda. A lona era pra cobrir a parte de trás do palco porque era uma parede de bambu, qualquer chuva iria molhar tudo. Após colocar a lona, isso já era quase hora do almoço, fomos ajudar a Dilma e a Luiza limpar as mesas, o chão... O Diovani e David já estavam lá nos ajudando. Foi tanto serviço que nem vimos o tempo passar. Já a noite, com tudo pronto e os nervos à flor da pele, não conseguíamos conter a ansiedade de subir logo no palco. A Cava estava repleta de gente, a grande maioria de pais, parentes e amigos da estreiante banda.
Onze da noite nunca chegava! A gente não sabia onde ficar, com quem falar, até que recebemos o recado: “Podem começar!”...
O David fez a contagem: “Um, dois, três, quatro...” Eu me lembro como se fosse hoje, a 1ª foi “Eu sei que vou te amar” do Tom Jobim. A tremedeira quase não deixava a gente tocar. Mas as músicas foram passando, o nervosismo foi sendo controlado, e as coisas saíram do jeito que a gente queria! Tivemos que repetir o repertório uma vez, porque as quase 40 músicas ensaiadas não foram suficientes pra noite toda, mas isso não tirou o brilho da nossa estreia. Que eu me lembre, todos que assistiram elogiaram, estava muito bom! Conseguimos! A repercussão foi a desejada, passamos o primeiro obstáculo, vamos tocar pra frente agora...
 Hoje já se passaram quase sete anos da estreia, com muita história pra contar,  e o “Comida” está aí, forte como nunca, com um repertório bem maior, mais variado e com muito mais experiência. Dos integrantes da estreia, só ficou o Diovani, e hoje tocando bateria, que, na minha opinião, um dos melhores da região. Quem já o viu tocar, concorda comigo. Na guitarra está o Tetê, pra variar outro primo, entrou no Comida no final de 1992, pra fazer a guitarra base porque, sinceramente, na época, eu achava ele bem fraquinho. Hoje, quem sou eu pra falar alguma coisa! Ele domina muito bem a guitarra que toca, tanto nos solos, as vezes improvisados com muita categoria, quanto nas bases tiradas acordes por acordes com muita precisão. No baixo está o mais novo integrante, o Yuri, que entrou no meu lugar, que também é de uma competência descomunal, sabe tudo de contrabaixo, desde a preparação do instrumento, até as mais minuciosas escalas. O motivo pelo qual eu saí da banda, foi uma questão de opção. Eu saí no começo deste ano. Estou no último ano de faculdade, e se você pensar que fiquei com medo acertou. Um pouco foi isso mesmo. Entre a certeza de um diploma e a incerteza de uma vida de músico, escolhi a engenharia, mas não me arrependi, porque, na verdade, eu não os abandonei, eu apenas desci do palco, hoje sou o maior fã deles...
 
 
 

Daniel Bustamante da Rosa
Ex-baixista do Comida de Cachorro.
atual fã número um!
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21-10-1998