UMA AVENTURA NAS FÉRIAS GRANDES
Há muito tempo que eu andava a pensar em escrever uma história intitulada "Uma aventura nas férias grandes", mas como as minhas férias têm sido mais ou menos calmas, não se justificava esse título. Só que este ano, elas foram REALMENTE atribuladas.
Estas férias passei-as na Venezuela. Como não havia vagas no avião da TAP que ia directamente para Caracas, tivemos que ir na Ibéria, fazendo escala em Madrid.
Ora a Ibéria é conhecida como tendo por divisa "llega quando llega", o que quer dizer "chega quando chega", e foi isso mesmo o que aconteceu. De maneira que partimos de Lisboa com enorme atraso e, quando chegámos a Madrid, já o voo para Caracas estava quase a partir. E como um azar nunca vem só, o aeroporto era comprido à brava e nós saímos num extremo e tínhamos que ir para o outro, num quarto de hora apenas!!!
Desatámos num "sprint" pelo aeroporto fora, por entre as pessoas, que não eram poucas, para chegarmos a tempo. Vá lá que conseguimos, porém, não totalmente (como irão ver mais adiante).
O voo também não foi lá grande coisa: primeiro demorou 8 horas; segundo o avião era um Airbus A-340, daqueles enormes que têm três filas. Ora eu fui precisamente para a fila do meio, o que foi muito aborrecido, pois não pude olhar para fora, parecia que estava numa prisão.
Mas no meio disto tudo, houve algumas coisas boas: havia televisão onde de vez em quando exibiam um filme, ou então mostravam num mapa onde estávamos, a altitude, a velocidade e a temperatura exterior. Por isso até vos vou dizer: voámos a 11000m de altitude, a uma velocidade média de 1000 Km/h e a temperatura exterior era de cerca de -60ºC. Outra coisa boa era a comida. Disso sim, é que eu gostei muito. Eu, que nem sou grande apreciador de carne, comi com gosto!
Estávamos nós a chegar a Caracas e mal sabíamos o que nos esperava: As malas desapareceram! Logo pensámos que pudessem ter ficado em Madrid, por causa dos voos terem sido muito juntos. Aliás, mais 26 passageiros ficaram sem algumas bagagens, mas só nós e outra pessoa é que ficámos sem nada, com excepção das malas de cabina. Fomos reclamar, o que, naquele país, demorou uma hora e tal, mas deram-nos uma indemnização de 50 dólares para comprarmos artigos de primeira necessidade e disseram-nos que, assim que encontrassem as nossas malas, as mandavam para o aeroporto da ilha Margarita, onde teríamos que ir para as receber.
Apanhámos depois outro voo que nos levou à ilha, onde íamos permanecer uma semana. Quando contámos o sucedido, o funcionário da agência de viagens que se ocuparia de nós enquanto estivéssemos na Venezuela, telefonou logo para o chefe. Depois informou-nos que, assim que chegasse a bagagem, eles próprios a iriam buscar e levar até o nosso hotel, sem que tivéssemos de nos preocupar mais. Ao menos isso!
Quando chegámos ao hotel verificámos que era uma maravilha: tudo apartamentos baixinhos, separados uns dos outros por carreirinhos, e plantas e árvores por todo o lado. Não era por acaso que se chamava "Margarita Village". Tinha uma piscina magnífica, com um escorrega e um bar no meio, ligado à margem por uma ponte de madeira. O bar até tinha uma zona mais baixa, junto à água, onde se podia estar de "molho" a beber sumos exóticos. A piscina era rodeada de coqueiros, mangueiras e palmeiras e tinha mesas com chapéus de sol feitos de palha. E ainda mais: as bebidas eram grátis, desde que estivéssemos dentro de água. Lá ao pé havia gaiolas com araras, papagaios e um tucano que gostava que lhe falassem. E a comida? Um espanto! Montes de fruta, omeletes, sumos naturais, sopas, e pratos muito variados. Podíamos tirar o que nos apetecesse, comer à vontade e até repetir quantas vezes quiséssemos!
Só havia um defeito: o calor. Só se podia estar ou dentro da piscina ou dentro do apartamento com o ar condicionado ligado, pois a temperatura, mesmo na época das chuvas, que era aquela em que nós estávamos, era de 35º a 40ºC.
Podíamos ter aproveitado tudo muito melhor se não tivéssemos ficado um dia inteiro sem mais nenhuma roupa a não ser a que trazíamos no corpo. Ainda bem que encontraram as malas no dia seguinte, para podemos "curtir" o sol e o calor na piscina, pois a praia mais próxima não prestava.
Em toda a semana, só houve dois dias que se destacaram. O primeiro foi quando pedi no bar sumo de melancia, que em espanhol se diz "sandia", mas que para os venezuelanos é um bocadinho diferente e se diz "patilla". De maneira que eles não perceberam o que eu queria e deram-me sangria. Imaginem dar bebidas alcoólicas a um miúdo!
Outro foi um safari que fizemos na ilha. Num ponto de paragem encontrámos papagaios à solta que gostavam de gelo, bebiam coca-cola e "chamavam" as pessoas para se empoleirarem nos seus braços e serem transportados para as mesas. O safari era composto por um "comboio" de jeeps todo-o-terreno.
Visitámos a única mas bonita serra da ilha e depois fomos para a península de Macanao. Esta é praticamente um deserto com cactos e plantas secas e muito pouco habitada. A certa altura saímos da estrada, metemos por um caminho de terra e depois pelo leito de um rio seco, a uma velocidade considerável, dando curvas e mais curvas por aquela estrada improvisada abaixo até chegarmos a uma praia bem engraçada, onde algumas pessoas tomaram banho. Depois voltámos por outro rio seco até à estrada principal.
O condutor do nosso jeep era meio destravado, mas engraçado: primeiro desafiou outros dois jeeps para uma corrida e puseram-se os três em linha, bloqueando a estrada. Depois arrancaram todos, começando o nosso a distanciar-se. Subitamente o condutor, que se chamava Santo ( embora ele não fosse nem isso bocadinho ), deu uma guinada para o lado, saiu um pouco fora da estrada, acelerou e pôs-se a trepar uma colina a pique. Porém não subiu tudo, deixou o carro na vertical e começou a fazer rodar as rodas de trás, para atirar terra para a estrada. A minha mãe ficou toda aflita, pois o carro estava mesmo perpendicular ao solo e parecia que se ia virar de pernas para o ar. Mas não, manteve-se na mesma posição durante algum tempo e depois desceu calmamente e continuou o seu caminho.
Durante o resto do passeio passámos por praias quase desertas e visitámos um museu marinho. Por fim fomos à Restinga, um lugar muito bonito, onde as árvores se metiam por dentro da água do mar, formando túneis, canais, ilhas, enfim, uma maravilha da Natureza. E até encontrámos ouriços e estrelas do mar agarrados aos troncos!
Mas mais um aborrecimento surgiu: é que nós depois íamos para Canaima, no meio da selva, para um acampamento, dormindo em "hamacas". Em Portugal tinham- -nos dito que estas eram camas pequenas, mas descobrimos que eram uma espécie de redes, só que de pano, dentro de um barracão sem paredes e com algumas 80 pessoas a dormirem assim, todas ao molho.
A minha mãe ficou em pânico e foi logo falar à agência. Passámos lá uma manhã inteira mas conseguimos mudar a reserva para uma pousada com camas.
No dia seguinte partimos para Caracas e daí fomos num avião minúsculo até Canaima. Mas os nossos azares ainda estavam longe de acabar. Quando aterrámos, verificámos que não tínhamos voo de regresso reservado. Toca de telefonar para a ilha, para falar com a agência! Garantiram-nos que estava tudo tratado e que iam enviar um fax. Mal sabíamos nós no que acabávamos de nos meter...
Mas a nossa estadia na selva correu bem. Logo que chegámos, vimos uma lagoa com cinco cataratas de beleza inqualificável e tomámos lá banho.
Noutro dia fomos numa excursão subindo um rio largo e caudaloso, atravessando rápidos, fazendo "slalom" por entre rochas e calhaus, vendo pequenas cataratas e a floresta virgem, muito cerrada, que cobria as margens, observando todo o esplendor da Amazónia e das suas belezas naturais, até chegarmos a uma ilhota, que nos parecia perto de uma queda de água altíssima, dizem que a mais alta do mundo, o "Salto del Angel".
Desembarcámos nela e seguimos, com o guia à frente, por uma vereda que nos levava ao coração da floresta. Andámos durante uma hora pelo meio da selva, por caminhos muito rústicos, cheios de raízes, pedras, altos e baixos, escalando colinas, a suar em bica, sem parar, até chegarmos a um alto de onde se via a selva e.........Ah! Ficámos paralisados de espanto! Mesmo em frente de nós estava finalmente o SALTO DO ANJO !!!!! A cerca de mil metros acima das nossa cabeças, via-se o começo da queda, vindo depois, de uma altura alucinante cair, em chuva miudinha numa lagoa!
Ficámos ali um bocado a fotografar e a admirar aquele espectáculo, mas depois descemos até à lagoa e durante meia-hora tomámos banho. Eu atirei-me logo! Nunca um banho de água fria me soube tão bem, pois estava estoirado de calor!
Todos refrescados e em forma, regressámos pelos mesmos trilhos durante mais uma hora, até chegarmos à ilhota onde almoçámos. Não era lá muito bom, mas como na pousada onde ficámos também não era grande coisa, comi.
Almoço digerido, caminho retomado, desta vez descendo o rio até ao Poço da Felicidade, uma outra catarata mais pequena, onde pudemos tomar duche, porque a água não tinha tanta força como na outra.
Chegámos às 7H00 da tarde ao acampamento, depois de termos saído às 6H e 30M da madrugada, ainda bem de noite.
Na última manhã fomos ao salto do Sapo, onde se podia passar por baixo da água em queda, por uma passagem escavada na pedra. Mesmo assim tomámos banho, pois era impossível passar completamente a seco. E como já estávamos molhados, descemos à praia fluvial e vá de tomar uma banhoca. Foi uma manhã bem passada.
Depois destes três dias no paraíso, recomeçaram os azares. É que, ao entrarmos para o voo de regresso (o tal que inicialmente não estava confirmado) pode dizer-se que entrámos na " Volta à Venezuela em avião". Tivemos de ir num avião minúsculo, que ia voando de mini-aeroporto em mini-aeroporto, sem nos dar tempo a estender as pernas ou tomar uma bebida fresca, até finalmente chegarmos a Caracas. Aí, a minha mãe que estava aflita para ir à casa de banho, foi a correr, enquanto eu fiquei de apanhar as malas. Só que, quando eu estava a puxar a bagagem da passadeira rolante, alguém veio pelas minhas costas e roubou uma mala de cabina que continha a máquina fotográfica com um rolo dentro já quase cheio (vá lá que ainda restaram outros dois) e a câmara de filmar, que tinha o filme de tudo o que filmámos. E tudo nas minhas costas, sem eu dar por nada!
A minha mãe ficou inconsolável e eu cheio de nervos e humilhado por se terem aproveitado da minha distracção momentânea. Fizeram-se anúncios pelo aeroporto, fui procurar a todos os lados, mas as minhas buscas foram infrutíferas.
Pernoitámos num hotel próximo para no dia seguinte partirmos para Lisboa fazendo de novo escala em Madrid. Mas desta vez, pelo menos, as malas acompanharam-nos.
Agora acreditam em mim? Estas férias foram ou não atribuladas? Não acham que merecem mesmo o título de "aventura"?
Rui Nuno Leitão de Carvalho