Teatro Profano

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   Durante a Idade Média, além do teatro religioso, existiu um teatro profano incipiente, mas, tal como para o primeiro, também há poucas fontes escritas que o comprovem. No entanto, podemos afirmar que nas praças públicas e na Corte havia uma tradição espectacular laica, cujos actores e autores eram os jograis. Estes realizavam espectáculos populares de praça e representações na Corte: de manhã, para a plebe, depois do sol-posto, para os nobres. 

  Os principais géneros eram o sermão burlesco, a sottie, a farsa, o arremedilho (?) e o momo.

 

   Os Sermões burlescos

   Eram monólogos breves recitados por actores ou jograis mascarados com vestes sacerdotais.

   As Sotties (de “sot” – parvo ou bobo)

   Eram cenas representadas por  “parvos”, truões ou bobos, simbólicos de tipos ou instituições sociais. Eram breves, de sátira construtiva, geralmente de índole política. Às vezes os tipos tinham autenticidade e eram até psicologicamente bem observados.

 

  As Farsas

   Eram também sátiras mas, sobretudo a partir do séc. XV, diferentes das sotties, porque não tinham intentos políticos. Só pretendiam representar os defeitos, as fraquezas, os acontecimentos cómicos da vida das pessoas e rir-se deles despreocupadamente, de um modo grosseiro até. Histórias de clérigos e feiras eram muitas vezes aproveitadas para pequenas farsas.

   Utilizavam o exagero para suscitar o riso e caracterizavam-se por um livre jogo de ideias satíricas, por elementos burlescos e intensidade de acção. Eram espectáculos cem por cento populares: eram as massas que nele participavam. No entanto, encontramos no “Cancioneiro Geral” de Garcia de Resende (uma compilação de poesias palacianas feita em 1516), uma paródia versificada de um caso judicial – “O processo de Vasco Abul”, de Anrique da Mota – que é o esboço de uma farsa e se sabe que foi representada por Gil Vicente.

 

   Os Arremedilhos

   Pensa-se que eram farsas em miniatura, com música e com um texto cuja recitação era feita  por um par de actores. Mas também podem ter sido simples “imitações burlescas” feitas por jograis remedadores, isto é, por bobos cuja especialidade era ridicularizar macaqueando o aspecto das pessoas. Se assim foi, não se trata ainda de teatro, pois não havia um texto de suporte às representações.

 

   Os Momos e Entremezes

   Numa primeira acepção, em Portugal, momo designava uma máscara e também um homem mascarado; mais tarde, no século XV, passou a indicar uma representação feita por homens mascarados. D. João II, por exemplo, foi o actor principal de momos, em Évora, em 1490. 

   Os momos enquadram-se nas mascaradas medievais que, por toda a Europa se desenvolveram ligadas a Momos, personificação mitológica  do escárnio e da reprovação. Por vezes os actores mascaravam-se de animais. Em Portugal, o gosto pelos momos desenvolveu-se talvez por influência francesa.

   Nos séculos XV e XVI ganharam actualidade ao inserirem-se nas paisagens de aventura em que os portugueses andavam nessas épocas: África, Índia, Brasil. Os temas eram inspirados em romances ou poemas e, neles, dragões, homens, gigantes e demónios significavam a luta do homem medieval contra o mal e o triunfo do homem moderno sobre os elementos. Os textos eram reduzidos: desafios, mensagens recitadas ou entregues escritas a determinados destinatários.

   No tempo de D. João II, os momos e entremezes eram autênticas paradas de fantasiados. A empresa marítima portuguesa habituou os portugueses à “faustosa moldura espectacular”. Daí que o momo fosse, em Portugal, mais do que um divertimento. Era o espelho do tempo, um reflexo das gigantescas mascaradas que quase todos os dias deslumbravam o povo: o espectáculo de D. Manuel I deslizando no rio Tejo numa fragata forrada de damascos a sedas; a embaixada  de 1515 ao Papa Leão X, que embasbacou os próprios romanos; os cortejos do rei pela cidade, um deles aberto por um rinoceronte, cinco elefantes e um cavalo de Ormuz montado por um cavaleiro persa que transportava um tigre...

   É esta matéria já em si espectacular que irá dar origem ao teatro português quando trabalhada pelo génio de Gil Vicente.

 

  Os Trovadores

   Além de todas estas manifestações já de certo modo dramáticas, havia, especialmente na Corte, como já foi dito, as recitações de poesias pelos trovadores, acompanhadas ou não de música. Os temas foram variando ao longo dos tempos, e, em Portugal, foram desde as canções que celebravam grandes feitos guerreiros, passaram pelas cantigas de amor e de amigo e continuaram com a poesia palaciana, depois compilada no “Cancioneiro Geral”. Se não constituíam verdadeiramente espectáculos de teatro, implicavam, no entanto, uma encenação, um actor/cantor e um público. Mas nelas o texto era mais importante do que todo o resto e esse viria a ser também um factor decisivo na criação do teatro: a construção de um texto, poético ou não, de qualidade.

 

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