Uma Páscoa na Tunísia

 

  Férias da Páscoa! Não são as férias que prefiro, pois são pequenas, tal como todas as outras (só o Verão é que é melhor, e mesmo assim...). No entanto este ano foram originais, pois passei metade delas, ou seja, uma semana, na Tunísia.

  As pessoas que a minha mãe conhece que já lá tinham ido diziam que era um pais muito bonito, mas eu não me fiei muito, pois também achavam que Marrocos era uma beleza e eu encontrei uma lixeira (tirando os hotéis) cujos habitantes eram os maiores burlões que já vi.

  Ora no dia 10 de Abril lá fomos nós para o Aeroporto da Portela, à espera do avião da "Tunisair" que, como é costume desses países árabes, se atrasou. Resultado: quando chegámos a Tunis, capital da Tunísia, já era noite cerrada. Passámos pelos minuciosos verificadores de passaportes (também típicos destes países) e fomos recolhidos, juntamente com outros portugueses, pelo guia da nossa agência. Levaram-nos todos para o hotel, o pior de todo o circuito, e no dia seguinte vieram-nos buscar para iniciarmos a volta à Tunísia.

  Começámos a dirigir-nos para Sul atravessando os campos verdejantes no norte (ora aí estava  uma coisa que eu nunca esperara ver por ali), passando por uma vila costeira, com uma praia engraçadinha, Hammamet, onde a minha mãe comprou os seus dois primeiros colares berberes, neste país. Continuámos viagem, pela única auto-estrada existente, até Sousse, a cidade mais bonita da região agora já mais árida, e depois por uma estrada costeira, atravessando as regiões semidesérticas, passando por Monastir, onde parámos para ver o mausoléu do recentemente falecido presidente Burguiba e a praia. Depois fomos ver El Jem, uma enorme espécie coliseu romano. Chegados a Sfax, uma cidade com belos monumentos, mas menos bonita do que Sousse, pernoitámos num hotel em que o jantar não era self-service, o único de toda a vigem. Era um hotel sofisticado, até as portas dos quartos eram abertas com cartões com chapa magnética.

 

El Jem e o seu coliseu romano

  No dia seguinte, o pequeno almoço foi o mais fraco de todos. Pouquíssima variedade de comida e contada a conta-gotas. Seguimos mais para sul até chegarmos à vila de Gabes. Depois de uma breve pausa, continuámos o caminho para o ferry que nos iria levar à ilha de Djerba. Esta ilha tem mais de 550 Km2 e a sua paisagem é semelhante à do continente. Diz a lenda que esta era a ilha das sereias que encantaram Ulisses, enquanto os seus marinheiros, com os ouvidos tapados com cera, não as ouviam. No lado oriental localiza-se a zona turística com vários hotéis rodeados de palmeiras e de piscinas. Depois de acabarmos a nossa voltinha pela ilha, saímos dela de novo pelo ferry, embora mais a sul haja uma ponte que faz essa mesma ligação.

  Abandonando o litoral, metemos por uma estrada que nos levou até Matmata, uma pequena cidade no meio das montanhas, com casas trogloditas. Como todas as outras cidades, tinha uma avenida central chamada "Avenue de l'environment" (avenida do ambiente), embora a limpeza não fosse das melhores. Como já era tarde, seguimos para o hotel, escavado no solo, a imitar as casas trogloditas. O seu único problema era a grande quantidade de gente, pois tinha sido inaugurado há pouco tempo, era ainda novidade. Na manhã seguinte andámos a passear no hotel, que tinha uma construção engraçada: havia três ou quatro poços escavados e com abertura para o exterior. À volta desses poços redondos ficavam  os quartos, também escavados no terreno.

  Por volta das oito e picos saímos do hotel e fomos visitar outro, só que este era  mais antigo e autêntico do que o nosso. Foi nele que decorreu parte das filmagens do filme "Os salteadores da arca perdida". Tinha vários poços, mas muito mais pequenos, quer em diâmetro, quer em profundidade, e muito menos sofisticados.

Um hotel troglodita, onde decorreram filmagens do filme: “Os salteadores da arca perdida”

  Saímos de Matmata para percorrermos um longo caminho através das montanhas até Douz, a porta para o deserto do Sara, como lhe chamam. Mas antes, pouco depois de deixarmos Matmata, parámos para visitar uma casa realmente troglodita (tirando o rádio, a televisão e o fogão a gás) com capoeira e curral, dois pequenos pátios que davam para a cozinha, o quarto, e o forno do pão. Aí vivia uma mulher, não sei se sozinha, se com familiares.

  Passámos a seguir duas longas horas até chegarmos a Douz através de montes, montanhas, planícies, tudo sem uma ponta de vegetação. Atravessávamos o deserto de pedra debaixo de um sol tórrido (ainda bem que tínhamos ventilação). Só parámos um pouco numa pequena vila no cume de um monte, isolada de tudo e todos. Foi bom vermo-nos de novo fora daquele deserto e chegarmos ao oásis onde se situava a cidade de Kebili.

  Aí fizemos uma excursão de camelo (a primeira burla deste país, pois era caríssima e muito curta). Depois deste pequeníssimo passeio fomos almoçar a um luxuoso hotel, mas cuja comida não era tão boa como seria de esperar. Logo após o almoço seguimos novamente por uma enorme planície desértica até ao Mar de Sal. Aparentemente não parecia ter assim tanto sal quanto um verdadeiro mar tem de água, mas se deitássemos água sobre a superfície via-se logo o sal, isto, dizem, até uns 7 metros de profundidade. Demorámos muito tempo a atravessá-lo, pois ocupa muitos Km2 e mesmo atravessando o eixo menor, que era o que estávamos a fazer, é uma grande distância. Assim, durante muito tempo, só se via paisagem estéril, sem sequer mínimas ervas rasteiras.

  Tozeur, a próxima cidade onde permaneceríamos duas noites, é a maior cidade do interior sul. Fica num oásis. Tem bastante turismo e os hotéis, em vez de serem em prédios altos, são compostos por pequenos blocos de casinhas de dois andares com caminhos rodeados de jardins a ligá-los. Muito agradável e silencioso.

  O resto da tarde foi livre e ainda tentámos a piscina, mas a água fria desiludiu-nos. Na manhã seguinte fomos fazer uma excursão de jeep para visitar os oásis da zona. Foi o passeio mais bonito de todos os que fizemos. O primeiro oásis, no sopé de uma montanha nua, era atravessado por um pequeno riacho. Nas suas margens cresciam muitas palmeiras altas. Seguimo-lo até à nascente, passando por uma bela cascata, e era extraordinário ver toda aquela água jorrar de um monte seco, numa região onde não havia mais água nenhuma. Depois subimos o monte o mais alto que o caminho chegava, mas como estava uma ventania, descemos rapidamente.

Um regato brota estranhamente no meio desta paisagem árida.

  Passámos por outro local a visitar, mas sem parar, pois estava cheio de turistas e fomos directamente para o terceiro oásis, que tinha um belo e profundo canyon. Do outro lado dessa fenda já era território argelino. Depois sim, voltámos ao segundo oásis, que tinha uma cascata maior do que a primeira e, como cascatas são coisas pouco vistas na Tunísia, eles chamam-lhe "A grande catarata". Apesar do nome, era menos impressionante do que a primeira porque havia pouca vegetação, mas era engraçada até para tomar um duche, como algumas pessoas encaloradas fizeram. Resumindo: esta acho que foi a melhor manhã de toda a viagem!

Este profundo canyon é uma fronteira entre a Argélia e a Tunísia

A “Grande Catarata” (pfff... Grande coisa!)

  De tarde fomos conhecer a parte antiga de Tozeur, que era um verdadeiro labirinto e pouco interessante. O guia disse-nos que o próximo local a visitar era um zoo de répteis e, como a minha mãe não tem um grande amor a esses bichos, e também porque precisávamos de pagar para lá entrar e estávamos quase sem dinheiro tunisino, ficámos pelo hotel a jogar às cartas e a passear pelos  jardins.

  No dia seguinte, o guia do circuito, que até ao momento tinha sido simpático e decente, fez uma coisa pouco agradável: obrigou-nos a levantar às cinco da manhã porque, dizia ele, íamos regressar a Tunis, que fica quase no outro extremo do país. Isso é verdade, mas não se justificava levantarmo-nos tão cedo, pois chegámos lá às cinco da tarde. Só mais tarde é que percebemos: como era sábado e o último dia do circuito (no dia seguinte era só uma visita local), ele queria chegar o mais cedo possível para gozar o fim-de- semana.

  Mas durante o caminho parámos umas vezes para visitar a “corbeille”, um oásis agora mantido artificialmente, mas muito bonito, umas ruínas romanas e bizantinas, e depois, em Kairouan, para visitar uma Mesquita e para almoçar (num lugar muito giro, por sinal, e também com uns belos doces). Quando chegámos a Tunis, como ainda era cedo e não tínhamos nada que fazer, fomos visitar o Kash-bah da capital. Naquela altura, a um sábado, a maior parte das lojas já estava fechada, mas mesmo assim, uma das  pessoas que vinha connosco, que adorava regatear os preços, fez mais umas compras nas poucas lojas que estavam abertas. De volta ao hotel passámos o resto do tempo a jogar cartas.

No dia seguinte, levantámo-nos às NOVE horas, coisa rara e nunca vista nesta viagem, pois quase todos os dias o despertar era às 6h30m, 7h, 7h30m, e com muita sorte, às 8h. Pois desta vez foi às nove, para irmos visitar o museu do Bardo, que até era giro para quem gostasse muito de história, mas eu estive quase a dormir. Quase, pois graças ao meu Game Boy fiquei menos aborrecido. Dentro desse museu ia uma barafunda de crianças, e foi difícil progredirmos através dele. Quando saímos, foi um alivio para mim, mas a minha mãe gostou muito dos mosaicos. Diz que nunca tinha visto nada semelhante. Continuando para nordeste, fomos visitar as ruínas de Cartago.

Dos poucos vestígios de Cartago púnica.

  Parte delas fazem parte da propriedade do actual Presidente e é proibido fotografar nessa direcção. Dizia a guia (desta vez uma “gazela”, o que para eles significa mulher), com algum humor, que na Tunísia se vive numa democracia... mas totalitária. Se olharmos a beleza da região, onde habitam todos os governantes e políticos influentes, percebe-se logo que é uma democracia interessante para as classes dominantes. É realmente um sítio muito bonito, verdejante, com flores por todo o lado e o mar muito azul como pano de fundo. Já a lendária rainha Dido gostou do local, pois aí fundou a que foi a grande civilização púnica. Actualmente só se encontram as ruínas das termas do imperador Antonino, pois toda a Cartago púnica foi arrasada pelos romanos, que sobre ela fizeram as suas construções. Seguidamente visitámos uma linda vila na encosta de uma colina, toda com casinhas caiadas de branco com uma risca azul. Do topo tinha-se uma bela vista de Cartago, de Tunis e da sua enseada.

  Regressámos ao hotel e por volta das quinze horas fomos para o aeroporto de Tunis-Cartago e metemo-nos no avião (que desta vez chegou a horas, para grande espanto meu) e voámos para Lisboa. A viagem foi muito bonita, embora em Tunis tivesse começado a chover: o céu estava limpo e via-se tudo cá para baixo: a costa argelina, Melilla lá mais adiante, e depois de atravessarmos o Mediterrâneo avistámos Granada e a Serra Nevada, Málaga, Cádiz e a enorme foz do rio Guadalate. Já no fim da viagem sobrevoámos os mouchões do Tejo, a base militar de Alverca, e lentamente, à medida que o avião ia descendo todos os arredores a norte de Lisboa: Sacavém, o rio Trancão e, mais baixo ainda, as casas junto ao aeroporto e a 2ª circular. Acho que esta foi uma das viagens de regresso mais giras de todas as que eu fiz e a viagem na Tunísia, se não foi propriamente a melhor de todas, no geral até foi bonitinha.

Mapa da Tunísia: o país onde tudo se passou.

FIM

Rui Nuno Leitão de Carvalho

 

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