Tarde fria, e então eu me sinto um daqueles velhos poetas de antigamente
que sentiam frio na alma quando a tarde estava fria, e então eu
sinto uma saudade muito grande, uma saudade de noivo, e penso em ti devagar,
bem devagar, com um bem-querer tão certo e limpo, tão fundo
e bom que parece que estou te embalando dentro de mim.
Ah, que vontade de escrever bobagens bem meigas, bobagens para todo
mundo me achar ridículo e talvez alguém pensar que na verdade
estou aproveitando uma crônica muito antiga num dia sem assunto,
uma crônica de rapaz; e no entanto, eu hoje não me sinto rapaz,
apenas um menino, com o amor teimoso de um menino, o amor burro e comprido
de um menino lírico. Olho-me ao espelho e percebo que estou envelhecendo
rápida e definitivamente; com esses cabelos brancos parece que não
vou morrer, apenas minha imagem vai-se apagando, vou ficando menos nítido,
estou parecendo um desses clichês sempre feitos com fotografias antigas
que os jornais publicam de um desaparecido que a família procura
em vão.
Sim, sou um desaparecido cuja esmaecida, inútil foto se publica
num canto de uma página interior de jornal, eu sou o irreconhecível,
irrecuperável desaparecido que não aparecerá mais
nunca, mas só tu sabes que em alguma distante esquina de uma não
lembrada cidade estará de pé um homem perplexo, pensando
em ti, meu amor.
Rubem Braga
abril/1959
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