Flobela Espanca |
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Florbela
de Alma Conceição Espanca (1894-1930), nasceu em
Vila Viçosa e faleceu em Matosinhos, Portugal. Estudou
na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autora
de sonetos de acentuada sensibilidade artística. Traduz de forma límpida a livre intimidade da mulher, A sua obra, iniciada em 1919, com o Livro das Mágoas, antecipa em seu meio a "emancipação literária da mulher". Pelo que pode considerar-se que o recente movimento literário inspirado em vivências femininas encontrou nela suas raízes e seu estímulo. São reconhecidas em suas obras influências de Antero de Quental e de Antonio Nobre e em seu estilo se observam reminicências dos estetecistas e parnasianos. A poetisa é definida como "parnasiana", de intenso acento erótico feminino, sem precedentes na Literatura Portuguesa. A intensidade erótica que transmitem seus poemas oscila entre o extremo egocentrismo, o sublime sacrifício e os momentos de bemaventurança plena, na qual a fusão total com o objeto amado a aproxima de Deus. De uma lírica emocional e ardente, saltam ante o leitor todos os estados amorosos, desde a ternura sincera à exaltação sensual, à tristeza dos momentos de lucidez, à decepção, ao desencanto e ao agudo sofrimento. As inflexões contrastantes de sua poesia não são construções literárias e formais; originam-se na própria vivência do arrebatador e do adverso, do narcisismo e da anulação. Seus versos transportam à imensa planície do Alemtejo, de onde é originária, sempre presente e sugerida em imagens de extrema sensibilidade e beleza. Sua primeira obra publicada foi Livro de Mágoas (1919), a que se seguiram Livro de Soror Saudade (1923); Juvenília (1931), que reúne a produção poética de 1916-1917; Charneca em flor (1931), em cuja segunda edição, desse mesmo ano, se juntaram os sonetos Reliquiae;Cartas (1931); As máscaras do destino e Dominó negro (contos, 1931). Foi publicado, também, Sonetos completos, já com 24 edições. A consciência clamorosa da solidão no amor, os excessos de insatisfação traduzidos na ânsia de infinito, de absoluto, que ficam mais dramáticos pela comprovação do caráter transitório da existência, a profunda depressão causada pela morte do irmão e o malogro de três casamentos a conduzem à desesperada opção do suicídio, no dia em que faria 36 anos. |
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Página anterior | Anseios Meu doido coração aonde vais, No teu imenso anseio de liberdade? Toma cautela com a realidade; Meu pobre coração olha que cais! Deixa-te estar quietinho! Não amais A doce quietação da soledade? Tuas lindas quimeras irreais, Não valem o prazer duma saudade! Tu chamas ao meu seio, negra prisão! Ai, vê lá bem, ó doido coração, Não te deslumbres o brilho do luar!... Não 'stendas tuas asas para o longe... Deixa-te estar quietinho, triste monge, Na paz da tua cela, a soluçar... |
Página anterior | Lágrimas Ocultas Se me ponho a cismar em outras eras em que ri e cantei, em que era q'rida, Parece-me que foi noutras esferas, Parece-me que foi numa outra vida... E a minha triste boca dolorida Que dantes tinha o rir das Primaveras, Esbate as linhas graves e severas E cai num abandono de esquecida! E fico, pensativa, olhando o vago... Toma a brandura plácida dum lago O meu rosto de monja de marfim... E as lágrimas que choro, branca e calma, Ninguém as vê brotar dentro da alma! Ninguém as vê cair dentro de mim! |
Página anterior | Horas Rubras Horas profundas, lentas e caladas Feitas de beijos sensuais e ardentes, De noites de volúpia, noites quentes Onde há risos de virgens desmaiadas... Ouço as olaias rindo desgrenhadas... Tombam astros em fogo, astros dementes. E do luar os beijos languescentes São pedaços de prata plas estradas... Os meus lábios são brancos como lagos... Os meus braços são leves como afagos, Vestiu-os o luar de sedas puras... Sou chama e neve branca misteriosa... E sou talvez, na noite voluptuosa, Ó meu Poeta, o beijo que procuras! |
Página anterior | Tédio Passo pálida e triste. Oiço dizer "Que branca que ela é! Parece morta!" E eu que vou sonhando, vaga, absorta, Não tenho um gesto, ou um olhar sequer... Que diga o mundo e a gente o que quiser! - O que é que isso me faz?... o que me importa?... O frio que trago dentro gela e corta Tudo que é sonho e graça na mulher! O que é que isso me importa?! Essa tristeza É menos dor intensa que frieza, É um tédio profundo de viver! E é tudo sempre o mesmo, eternamente... O mesmo lago plácido, dormente, E os dias, sempre os mesmos, a correr... |
Página anterior | Sonhos Ter um sonho, um sonho lindo, Noite branda de luar, Que se sonhasse a sorrir... Que se sonhasse a chorar... Ter um sonho, que nos fosse A vida, a luz, o alento, Que a sonhar beijasse doce A nossa boca... um lamento... Ser pra nós o guia, o norte, Na vida o único trilho; E depois ver vir a morte Despedaçar esses laços!... ...É pior que ter um filho Que nos morresse nos braços! |
Ambiciosa Para aqueles fantasmas que passaram, Vagabundos a quem jurei amar, Nunca os meus braços lânguidos traçaram O vôo dum gesto para os alcançar... Se as minhas mãos em garra se cravaram Sobre um amor em sangue a palpitar... - Quantas panteras bárbaras mataram Só pelo raro gosto de matar! Minh alma é como a pedra funerária Erguida na montanha solitária Interrogando a vibração dos céus! O amor dum homem? - Terra tão pisada, Gota de chuva ao vento baloiçada... Um homem? - Quando eu sonho o amor de um Deus!... |
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Página anterior | Amiga Deixa-me ser a tua amiga, Amor, A tua amiga só, já que não queres Que pelo teu amor seja a melhor A mais triste de todas as mulheres. Que só, de ti, me venha mágoa e dor O que me importa a mim? O que quiseres É sempre um sonho bom! Seja o que for, Bendito sejas tu por mo dizeres! Beijá-me as mãos, Amor, devagarinho... Como se os dois nascessemos irmãos, Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho... Beija-mas bem!... Que fantasia louca Guardar assim, fechados, nestas mãos, Os beijos que sonhei pra minha boca!... |
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O Meu Impossível Minh'alma ardente é uma fogueira acesa, É um brasido enorme a crepitar! Ânsia de procurar sem encontrar A chama onde queimar uma incerteza! Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa É nada ser perfeito. É deslumbrar A noite tormentosa até cegar, E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!... Aos meus irmãos na dor já disse tudo E não me compreenderam!... Vão e mudo Foi tudo o que entendi e o que pressinto... Mas se eu pudesse a mágoa que em mim chora Contar, não a chorava como agora, Irmãos, não a sentia como a sinto!... |
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Página anterior | Eu... Eu sou a que no mundo anda perdida, Eu sou a que na vida não tem norte, Sou a irmã do Sonho, e desta sorte Sou a crucificada... a dolorida... Sombra de névoa tênue e esvaecida, E que o destino amargo, triste e forte, Impele brutalmente para a morte! Alma de luto sempre incompreendida!... Sou aquela que passa e ninguém vê... Sou a que chamam triste sem o ser... Sou a que chora sem saber porquê... Sou talvez a visão que Alguém sonhou, Alguém que veio ao mundo pra me ver, E que nunca na vida me encontrou! |
Página anterior | Amar! Eu quero amar, amar perdidamente! Amar só por amar: Aqui... além... Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente Amar! Amar! E não amar ninguém! Recordar? Esquecer? Indiferente!... Prender ou desprender? É mal? É bem? Quem disser que se pode amar alguém Durante a vida inteira é porque mente! Há uma Primavera em cada vida: É preciso cantá-la assim florida, Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar! E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada Que seja a minha noite uma alvorada, Que me saiba perder... pra me encontrar... |
Página anterior | Versos de Orgulho O mundo quer-me mal porque ninguém Tem asas como eu tenho! Porque Deus Me fez nascer Princesa entre plebeus Numa torre de orgulho e de desdém. Porque o meu Reino fica para além... Porque trago no olhar os vastos céus E os oiros e clarões são todos meus! Porque eu sou Eu e porque Eu sou Alguém! O mundo? O que é o mundo, ó meu Amor? - O jardim dos meus versos todo em flor... A seara dos teus beijos, pão bendito... Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços... - São os teus braços dentro dos meus braços, Via Láctea fechando o Infinito. |
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