Cruz e Souza
SIDERAÇÕES |
Para as Estrelas de cristais gelados As ânsias e os desejos vão subindo, Galgando azuis e siderais noivados De nuvens brancas a amplidão vestindo... Num cortejo de cânticos alados Os arcanjos, as cítaras ferindo, Passam, das vestes nos troféus prateados, As asas de ouro finamente abrindo...
Dos etéreos turíbulos de neve Claro incenso aromal, límpido e leve, Ondas nevoentas de Visões levanta...
E as ânsias e os desejos infinitos Vão com os arcanjos formulando ritos Da Eternidade que nos Astros canta... |
CARNAL E MÍSTICO |
Pelas regiões tenuíssimas da bruma Vagam as Virgens e as Estrelas raras... Como que o leve aroma das searas Todo o horizonte em derredor perfume.
N'uma evaporação de branca espuma Vão diluindo as perspectives claras... Com brilhos crus e fúlgidos de tiaras As Estrelas apagam-se uma a uma.
E então, na treva, em místicas dormências Desfila, com sidéreas lactescências, Das Virgens o sonâmbulo cortejo...
Ó Formas vagas, nebulosidades! Essência das eternas virgindades! Ó intensas quimeras do Desejo... |
VISÃO DA MORTE |
Olhos voltados para mim e abertos Os braços brancos, os nervosos braços, Vens d'espaços estranhos, dos espaços Infinitos, intérminos, desertos...
Do teu perfil os tímidos, incertos Traços indefinidos, vagos traços Deixam, da luz nos ouros e nos aços, Outra luz de que os céus ficam cobertos.
Deixam nos céus uma outra luz mortuária, Uma outra luz de lívidos martírios, De agonies, de mágoa funerária...
E causas febre e horror, frio, delírios, Ó Noiva do Sepulcro, solitária, Branca e sinistra no clarão dos círios! |
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Torva, febril, torcicolosamente, Numa espiral de elétricos volteios, Na cabeça, nos olhos e nos seios Fluíam-lhe os venenos da serpente.
Ah! que agonia tenebrosa e ardente! Que convulsões, que lúbricos anseios, Quanta volúpia e quantos bamboleios, Que brusco e horrível sensualismo quente.
O ventre, em pinchos, empinava todo Como reptil abjecto sobre o lodo, Espolinhando e retorcido em fúria.
Era a dança macabra e multiforme De um verme estranho, colossal, enorme, Do demônio sangrento da luxúria! |
SENTIMENTOS CARNAIS |
Sentimentos carnais, esses que agitam Todo o teu ser e o tornam convulsivo... Sentimentos indômitos que gritam Na febre intensa de um desejo altivo.
Ânsias mortais, angústias que palpitam, Vãs dilacerações de um sonho esquivo, Perdido, errante, pelos céus, que fitam Do alto, nas almas, o tormento vivo.
Vãs dilacerações de um Sonho estranho, Errante, como ovelhas de um rebanho, Na noite de hóstias de astros constelada...
Errante, errante, ao turbilhão dos ventos, Sentimentos carnais, vãos sentimentos De chama pelos tempos apagada... |
SERPENTE DE CABELOS |
A tua trança negra e desmanchada Por sobre o corpo nu, torso inteiriço, Claro, radiante de esplendor e viço, Ah! lembra a noite de astros apagada.
Luxúria deslumbrante e aveludada Através desse mármore maciço Da carne, o meu olhar nela espreguiço Felinamente, nessa trance ondeada.
E fico absorto, num torpor de coma, Na sensação narcótica do aroma, Dentre a vertigem túrbida dos zeros.
És a origem do Mal, és a nervosa Serpente tentadora e tenebrosa, Tenebrosa serpente de cabelos!... |