Soneto de Intimidade

  Nas tardes da fazenda há muito azul demais.

Eu saio às vezes, sigo pelo pasto, agora

Mastigando um capim, o peito nu de fora

No pijama irreal de há três anos atrás.

Desço o rio no vau dos pequenos canais

Para ir beber na fonte a água fria e sonora

E se encontro no mato o rubro de uma amora

Vou cuspindo-lhe o sangue em torno dos currais

Fico ali respirando o cheiro bom do estrume

Entre as vacas e os bois que me olham sem ciúme

E quando por acaso uma mijada ferve

Seguido de um olhar não sem malícia e verve

Nós todos, animais, sem comoção nenhuma

Mijamos em comum numa festa de espuma.

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  • Soneto da Separação

      De repente do riso fez-se o pranto

    Silencioso e branco como a bruma

    E das bocas unidas fez-se a espuma

    E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

    De repente da calma fez-se o vento

    Que dos olhos desfez a última chama

    E da paixão fez-se o pressentimento

    E do momento imóvel fez-se o drama.

    De repente, não mais que de repente

    Fez-se de triste o que se fez amante

    E de sozinho o que se fez contente.

    Fez-se do amigo próximo o distante

    Fez-se da vida uma aventura errante

    De repente, não mais que de repente

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    Soneto do Amor Demais

      Não, já não amo mais os passarinhos

    A quem triste, contei tanto segredo

    Nem amo as flores despertadas cedo

    Pelo vento orvalhado dos caminhos.

    Não amo mais as sombras do arvoredo

    Em seu suave entardecer de ninhos

    Nem amo receber outros carinhos

    E até de amar a vida tenho medo.

    Tenho medo de amar o que de cada

    Coisa que der resulte empobrecida

    A paixão do que se der à coisa amada

    E que não sofra por desmerecida

    Aquela que me deu tudo a vida

    E que de mim só quer amor - mais nada.

       

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    Soneto do amor maior

      Maior amor nem mais estranho existe
    Que o meu, que não sossega a coisa amada
    E quando a sente alegre, fica triste
    E se a vê descontente, dá risada.

    E que só fica em paz se lhe resiste
    O amado coração, e que se agrada
    Mais da eterna aventura em que persiste
    Que de uma vida mal aventurada.

    Louco amor meu, que quando toca, fere
    E quando fere vibra, mas prefere
    Ferir a fenecer - e vive a esmo

    Fiel à sua lei de cada instante
    Desassombrado, doido, delirante
    Numa paixão de tudo e de si mesmo.

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