Começar de novo
 

Ele disse que não vinha
pois  nem  conexão tinha
e que o avião, sempre o avião,
não levantara vôo...
Que o piloto tivera uma crise de enjôo
ou sei lá do que.
Só sei que fiquei parada, com a garrafa na mão;
a comida que eu me esmerara tanto em comprar,
amornecendo no forno
e eu sem saber o que fazer
com o patê que ele tanto gostava
ou  mesmo comigo, 
a quem  o indigitado dizia que amava...
E a garrafa de champanhe
que eu planejara beber golinho por golinho,
enquanto saboreava cada pedacinho
do seu braço adocicado?
O jeito era guardar tudo na geladeira,
aquela guardadeira dos meus restos,
estraga prazeres de um jantar por pouco erótico,
mas que, de repente, virou caótico,
pelo menos em meus pensamentos
que teimavam em não pousar,
tal qual o malfadado avião que não o trouxe.
Só de vingança, derramei consomé no roupão novo,
Lambuzei de patê a geladeira
e quebrei um ôvo.
Sentei no chão e
me deu vontade de esfregar o brie
na cara do cachorro que eu nem tinha, 
diga-se de passagem,
até porque sou alérgica ao pelo dos latidores.
Eu ia e vinha sem saber o que fazer com meus dissabores...
ah...eu até sabia:
ia beber toda a garrafa da  Don Pérignon,
tomar tudo pelo gargalo,
até cair na sarjeta, ou descer pelo ralo,
com o cachorro dos outros lambendo a minha cara,
já que eu não tenho cachorro porque sou alérgica
 (já disse isso... acho que a repetição  é o efeito do pifão).
Mas enquanto eu ia e vinha,
já sabendo o que fazer com tudo,
inclusive com a comida que ninguém comeu,
eis que toca o telefone.
 Eu nem quis atender,
pois a vinda dele foi espalhada no Jornal dos bairros,
 e todos os curiosos  de plantão,
além do público não pagante,
queriam saber porque eu sumira até então,
sem dar a menor notícia,
sem um sim, sem um não e sem adeus.
Todos queriam, mas ninguém saberia
que eu levara um tremendo cano.
Que engano: confiar nos homens com mais de 1 ano...
Que engano confiar nos homens, 
de qualquer idade.
Mas, como eu ia dizendo, eis que toca o telefone
e eu agora,  só de raiva, atendi...
Alô”, foi a voz dele do outro lado...
Será que estou sonhando? (pensei eu)
...não; eu bebi pouco e não dormi,
não caí ainda, 
não senti nenhum cachorro lambendo o meu rosto,
ainda não tive tempo prá medir o meu desgosto...
Alô”, respondi eu... "o que foi que aconteceu?"
Pois é; como eu disse, o avião, sempre o avião...
não pude fazer a conexão e aqui estou
com a maleta na mão, até quando, não sei
E ele continuava, blá-blá-blá, blá-blá-blá...
enquanto eu, já com a voz embargada,
queria mais era chorar de saudade e frustração.
Ai, meu jantar à luz de velas, eu pensava, 
enquanto sorvia mais um golinho.
E assim, entre uma taça e outra,
eis que batem à porta.
Fui abrir, com o telefone ainda no ouvido,
pois não fazia nenhum sentido desligar
e parar de escutar o que ele dizia,
fosse lá a besteira que fosse...
Escancarei a porta e quase caio morta.
Era o próprio: o tal da conexão;
o que não tinha encontrado avião;
o daquela história toda que eu contei.
Parado ali na porta, com cara de safado
e eu ali, olhando prá ele com cara de empada,
daquelas que cairam no chão e sujaram tudo,
também estatelada e muda .
Mas só por pouco tempo,
pois a garrafa também caiu,
o cachorro do vizinho latiu
e nós dois entramos abraçados,
para tirar a comida fria da geladeira,
esquentar o jantar 
e começar tudo de novo.
 
By Maria Eugênia - Doce Deleite

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