A manhã me trouxe aos olhos lágrimas. O sol que refletia, fez-me bem cedo chorar. Prenúncio do que viria, e eu, inocente, desconhecia. As flores, tardias em florescer, já caíam dos galhos e os ramos, desnudos, mostravam por trás da beleza a dureza dos espinhos. As sombras não paravam, os galhos movidos pelo vento, fazia não ter em terra lugar para repousar...
E lembrei, lembrei das tardes, dos sorrisos, dos momentos que por toda a vida, nem que a vida me sirva, me devolverá. Lembranças, peregrinas de mim. Os olhos, os beijos, a boca. Retalhos do tempo, perdidos, abandonados, intocáveis, pois isso é lembrança, é não poder voltar, é não poder tocar, mas sentir, sentir até doer, até desejar que nunca tivesse partido. E no vôo de uma borboleta te vi. Da mesma forma de sempre, bela, como no dia que me deixastes. Crueldade desse destino, te arrebatar de mim tão precoce, te tirar. E hoje, as fotos da alegria se misturam com a da tristeza, teus sorrisos confundem-se com o semblante gélido por trás do véu. E chorei, chorei toda a amargura incontida. Externei ao mundo o pranto de minha solidão. Cercado, rodeado, mas sozinho, pois todo lugar sem você está vazio. A cama, ainda forrada, no aguardo repentino da noite, como ladrão, do modo como costumavas vir sempre, ainda vela a pureza e o amor, que não serei capaz de dividir com mais ninguém. E o tempo ri, pois seu papel foi completo e os dias seguintes não há mais porque contar. Abraçado com tuas cartas de amor, que recebia no trabalho, em casa, na rua, as mensagens, os postais, me entrego em soluços, em convulsão. É como se tudo se despedisse de mim e tudo dentro de mim fosse em claustro, em casulo. A amargura, companheira da solidão e da tristeza, me fecha. As cores são opacas e a felicidade é um sonho do passado. Restou-me o murmúrio, o lamento, tudo que há em mim, e os papéis que hoje banho com lágrimas. Queria ter te amado cedo, como os famintos que buscam comida, pois eras tudo que precisava. Tarde te amei, cedo te perdi. O que ficou, além de alguns que nos copiam e outros que sempre nos invejarão? E quando você se foi, vi que foram-se as certezas, vi que foi-se a magia, o encanto que cobria meu mundo e o guardava de toda dor, de todo mal. Hoje, o castelo está em cinzas, enegrecido com a tristeza de mim, sem princesa e dominado por tudo que queríamos manter distante, por tudo que detestávamos. Sim, falta-me fé, também. A fé nunca precisou de certezas para ser, porque é não ter certeza alguma. Mas precisa de planos, de projetos, de alvos, e estes enterrei contigo, deixei a virar cinzas, pois não há porquê desejar algo que desejamos juntos, sem você a partilhar. Não sou ingrato, nem me chamo desgraçado, mas falta-me graça para com os demais, afora o brilho dos olhos que perderam-se junto ao mar, nas preces noturnas que fazia para me livrar, quem sabe o quê, de tanta dor. É amor, você se foi e deixou um corpo a vagar aqui. Queira que os casais nunca percam deste tempo. Queira que aqueles que descubram nossa história, amem mais e mais, bem mais, porque o tempo é inimigo da felicidade e sempre vence uma batalha. É traiçoeiro. Queira que os sorrisos nunca sumam dos rostos, porque o mundo pode ser triste e realmente o é, mas dos sorrisos alheios ganhamos forças para caminhar um pouco mais. Queira que de beijos recheiem-se os casamentos e que o amor seja o fator união e por este amor tudo possa ser superado e vencido, qualquer problema esquecido, porque ele é capaz de vencer a dor causada pela diferença. Queira que sejamos gratos, sempre, pois amar em meio a violência, é dádiva fecunda. Eu te perdi e agora em cada casal nos vejo. A praça, a grama, o livro, a música, o perfume, a roupa, o cabelo, o cheiro, o estilo... Isso, nunca se perde. Martela para nos fazer lembrar que a vida é feita da união destes pedaços. Queira que não quebrem mais. Agora, debaixo de chuva, despeço-me das estrelas. Todas têm teu nome, todas têm um pouco de nós. Por isso, as admiro, as compreendo. São pedaços do futuro e o futuro me diz que te verei novamente. Seja onde for, ao menos para beijar-te a face. Ao menos para dizer adeus, que não tive tempo da outra vez. Ou olhar teus olhos pela última vez, em toda plenitude e beleza, e admirar, apenas, pois era o complemento, a consumação de nosso amor. Vou-me, guardando a certeza de lembrar-me amanhã um pouco mais de ti, nos casais, nas praças, nos jardins... abraçado aos papéis umedecidos pelo choro das lembranças boas de nós dois.
* Jansey França é escritor, teólogo e psicologando. |