Conta-se que na aldeia somente ele era sábio e todos os outros o ouviam. Conta-se, também, que ele era pura ignorância e desleixo, porquê se conta tudo o que se pensa além do que se sabe.
Procuraram-no quando o céu fechou-se em dez dias de chuva: e encontraram-no brincando feito criança, tomando banho sob as bicas que desciam das árvores frondosas. Ninguém era assim, pouco se preocupava com o que assustava os outros, e passava o dia extraindo conhecimento de tudo que a natureza oferecia como informação. Às vezes passava o dia sem pensar, por que se queria ignorante perante o infinito, também. Um dia, Ninguém sentiu a terra tremendo sob os seus pés: antes que se assustassem os seus semelhantes ele disse que o chão também dançava, só que debaixo para cima, ao contrário de nós. Embora consolados, ninguém acreditou, mas também poucos continuaram assustados embriagados pelas palavras de Ninguém: é que a palavra embriaga mesmo... Ninguém sabia que deveria respeitar as leis da natureza, e também a dos homens que acaba sendo a lei do medo. Se você alimenta o medo, ele cresce, por isso é preciso matá-lo logo e cedo. Nutria-se de puro otimismo, cantava louvores ao dia que amanhecia e assistia ao pôr do sol como se fosse um momento muito íntimo de renovação e de crença na vida, quando dizia o que todo mundo sabia, que amanhã o sol voltava: mas ele - dizendo - sabia ainda mais, mente e coração precisam sempre saber além do que sabe-se de fato no templo comum do existir de fora da gente. Ninguém não é herói de estória, nem deixará nessa crônica qualquer lição de moral que lhes possam arrancar suspiros. Ninguém é como eu e você, essa personagem que nasce e vive dentro de um corpo, que estuda e trabalha, que ama e sofre, que conhece no dia e na noite o movimento da vida, e que precisa também compreender o vazio que surge entre um momento e outro. Vazio que temos que respeitar para que não trague a gente para sua garganta infinita que poderia nos fazer vazios, também. Ninguém é aquela pessoa que passa na rua e lhe chama a atenção, mas é também quem passa e você não vê. Ninguém é quem lhe tirou o sossego na vida, ou ainda quem lhe trouxe luz quando só havia escuridão nas alamedas escondidas do seu coração. Ninguém é quem aparece de súbito onde tudo parecia somente desaparecer. Ninguém somos todos nós, passageiros dessa agonia e alegria de se viver. Ninguém é você, que às vezes se acha ninguém, mesmo sendo alguém muito importante para outro alguém. Ninguém é todo alguém que há na vida, no existir deste mundo e é o todo vivendo na parte como a parte vive no todo. Ninguém é a mais pura solidão de se ser só, isolado, dentro de si, pois, também - e às vezes - Ninguém é eu.
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