Cabelos brancos. É, as vezes o espelho diz verdades cruéis. Até parece que os dias e os anos não passaram. As lembranças são tão recentes. Não fosse o espelho, jamais saberia que a velhice se aproxima. Notícia um tanto quanto incômoda, mas necessária de se saber, para prevenir.
Nestas horas, se aproxima do coração uma nostalgia. Certeza profunda de que nada se repete e, se um dia fosse possível se repetir, não teria alegria. O tempo prega peças, por vezes sem graça, na verdade, na maioria das vezes. Porém, é o inimigo disfarçado de ovelha, nunca será possível livrar-se dele. Isso traz boas recordações. Todos nós sobrevivemos por conta delas. Nossas boas e memoráveis histórias. Feitos, conquistas, vitórias... é disso que o espelho faz lembrar, daquilo que vivemos, que não mais viveremos e que nos alimentamos diariamente. Se possível fosse que a história se repetisse, particularmente, eu não queria que me acontecesse. Se algo tornasse possível que as boas lembranças novamente fossem reais, eu queria vivê-las outra vez como a primeira vez. Não queria sentir na boca o gosto já descoberto do morango. Eu queria descobrir o gosto do morango como se nunca o tivesse provado. A repetição, obrigatoriamente, faz com que conheçamos o fim, porque repete o que vivemos no passado. É como assistir a um filme outra vez. Eu queria, se possível, viver tudo novamente como a primeira vez. Por isso, o espelho me traz tristeza. Porque vejo os fios brancos, que quando contados parecem os anos que vivi, cada um guardando uma de minhas aventuras, e que são, nada mais e nada menos, a certeza de que não posso voltar para viver o primeiro beijo, o primeiro remédio, a primeira lição, a primeira briga... tudo que acontece depois da primeira vez é apenas o desejo forte de que tudo que se segue seja igual como foi na primeira vez. Mas, nunca é. Porque não se descobre duas vezes, se redescobre. É possível ao homem redescobrir, porque isso é viver algo que já viveu, mas é impossível ao homem descobrir duas vezes, porque isso é viver novamente algo como se nunca tivesse vivido uma vez. Para essas ocasiões, temos a saudade. É justamente quem aparece para lembrar no coração como foi o sentimento vivido na lembrança que a mente traz. A saudade é isso, esse desejo de viver todo sentimento primeiro, outra vez. A saudade é o sino que ressoa, que nos faz lembrar, diante do espelho, que as coisas não podem voltar a acontecer como se nunca tivessem acontecido, e um gosto é jogado na boca, uma lágrima adicionada à face, e entendemos que a vida continua, e a saudade estará sempre lá, quando preciso for, nos lembrando de como foram boas as nossas descobertas. O espelho não mente. Essa é a dor maior. Posso divagar com meus pensamentos, nunca envelhecer na minha filosofia, mas tudo que na mente passa, quando confrontada à imagem no espelho, é apenas poeira que o tempo levanta. O reflexo é exato, a ponto de ser imagem. Por isso sei que não mente. O que está ali é o que todos vêm. Sem máscara, sem maquiagem, sem holofotes. A verdade crua: Eu sou assim. Ninguém gosta de saber a verdade sobre si mesmo. Todos constroem fantasias, ilusões, heróis, mitos. Disfarces e esconderijos contra nós mesmos. Aqui, todos fazemos a oração do espelho pedindo que minta, apenas uma ocasião, e nos diga que estamos mais bonitos que os demais. O espelho diz aquilo que queremos ouvir, mas não mostra aquilo que queríamos ver. Ele pode nem sempre ser sincero em palavras, contudo, sempre será na imagem. Logo, o desespero bate, acordando no peito frases que o passado canta. Frases ditas em momentos únicos, ímpares, que sempre serão, mas nunca satisfarão, porque pertencem a um momento do passado. A verdade é que nós, racionais, temos medo do reflexo. Como teve Narciso. Narciso se apaixona por si, porque do reflexo ele ouvia o que queria ouvir. A imagem pode não ser exata, mas as palavras enganam qualquer coração. Melhor ouvir de si, do que ouvir dos outros, porque para nós mesmos mentimos melhor do que os demais. Para não me iludir, sempre procuro ficar calado diante do espelho, a fim de ouvir o silêncio de suas verdades. A verdade pode doer, e dói, mas é melhor saber como somos de nós, para nos prepararmos, do que sabermos dos outros e não termos respostas. Assim, diante do espelho, faça silêncio e aceite-se, que é algo nobre, só então, conhecendo-se a si mesmo, como nos ensinou um sábio grego, poderás conhecer aos que amas.
* Jansey França é escritor, teólogo e psicologando. |