Em que arquivo
livro chip ou dicionário
estava escrita a linha
a luz do meu cenário
algum misterioso escrito
secundário
e toda côr e toda a
dor
de um destino involuntário
De um total enorme [e temerário]
salto interior
que me carrega me fascina
que me seduz que me tortura
ou me domina
Rasga-me pensamentos
escreve deduções
nos filamentos
do meu cérebro
coloca sensações
no fundo das retinas
nos ouvidos nas narinas
faz-me sentir uma perfeita
conjunção
do doce e do cruel
A descrever o irreversível
diário
de uma vida
vivida a percorrer sem paz
[escavações
malditas]
telas vivas com desvãos
disformes
que ao torturar ao mesmo
tempo vivem
e ao mesmo tempo morrem
Na direção segura
de um Saber enorme
a me cercar
e a me tomar inteira
um coração
completo de ambição
quase rasteira
como se o lápis indelével
transparente de um papiro
arcaico
cruzasse um a um
todos os mapas de um destino
duro
e até prosaico
marcado pela perda
pela dor e pelo ganho de
poder
[o entender do amor]
Como se ardesse alguma espécie
de dever interno
de um juiz sem toga
sem côrte
sem panos nas retinas
uma figura que veio de algum
céu
nem cego ou surdo ao que
se passa
em torno
nem mudo diante daquilo
que merece algum consolo
Algum provável velho
móvel
empoeirado
colocado bem à margem
à distância
do moderno porém enorme
gracioso e e-terno em suas
expressões
Talvez alguma portadora antiga
de emoções
e rotas de alguma esquadra
que guardou as senhas
adagas e canções
e sabe ter dentro de si aquela
chave
segredo das comportas
das bússolas das âncoras
dos portos
de um sinal
Ou guarda ainda como trunfo
alguma linha de um anzol
ou uma flauta muito fina
som tão breve
a executar peça divina
clara e leve
[no despertar de um sol]
Eliana Mora, sete de maio de 1999