Jorge s� o compreendeu quando n�o podia voltar atr�s. Era o �nico caminho que lhe restava seguir. O �dio que sentia dentro de si contra tudo e contra todos, aquele desprezo pela vida em que pouco se importava com o que pudesse acontecer-lhe, eram raz�es firmes para se deixar levar pela vida mais f�cil. Culpava a sociedade da sua derrota. N�o poderia perdoar-lhe o t�-lo rejeitado e cuspido na cara. O mundo rira-se dele, tro�ara, voltara-lhe as costas... Jorge compreendeu que era dif�cil comprar a honestidade. Tentara, lutara e perdera. Por isso n�o hesitou em seguir aquela vida. Renata era uma mulher bela. Jorge sabia-o e apreciava a sua presen�a. N�o podia compreender como s� agora o tinha notado. Renata sabia disfar�ar-se inteligentemente. Lembra-se de v�-la muitas vezes na escada em companhia da m�e, inocente e algo t�mida. E como ela se transformava sempre que entrava no seu quarto, orgulhosa e provocante. Quase todos os dias ela o fazia, deslizando depois silenciosamente pela escada, para ningu�m se aperceber de onde vinha. Jorge continuou trabalhando. Eram-lhe preciosas aquelas centenas de escudos que ganhava, para al�m de se distrair at� a noite tombar. Nessa altura, sim, a sua vida come�ava... Naquele dia, tinha resolvido escrever a Elisa. Buscou uma carta, um pouco amarrotada, no fundo da sua carteira suja, e p�s-se a escrever, estirado sobre a cama. N�o sabia a que dizer. V�rios meses tinham passado desde que deixara a sua terra. Lembrou-se do filho que estava para nascer. Pouco tempo faltaria para Elisa ser m�e... Talvez tr�s, quatro meses, sem ele sabia j�... Escrevera uma linhas, quando sentiu uma leve mordedura na orelha. - Escrevendo � fam�lia? - perguntou, enquanto lhe acariciava a orelha com o dedo indicador. Jorge amachucou rapidamente o papel. - N�o te ouvi entrar... Renata estava bela como sempre. O cabelo ca�a-lhe livremente pelos ombros e uma franja tapava-lhe parte da testa. Umas cal�as substitu�am o vestido habitual, enquanto que uma camisa muito simples, sem mangas, era a �nica coisa que lhe escondia o peito. - Esta noite vou apresentar-te a um amigo. - sussurrou-lhe ela ao ouvido. Jorge n�o a ouviu. Puxou-a para si, mas ela esgueirou-se para o outro lado da cama, com uma gargalhada provocante. Quando a prendeu contra si, receou que o peito dela lhe fosse perfurar o seu. Ela aninhou-se suavemente, at� o solo a fazer parar. Enroscados, presos num abra�o ofegante, deixaram que os l�bios se beijassem, sem pressa para parar. - Esta noite vais conhecer um "ambiente" novo, de que vais gostar. - insistiu ela, quando se soltou. - Vir�s comigo. Depois digo aonde... Antes que ele respondesse, a boca de Renata tapou-lhe a sua e os seus bra�os prenderam-lhe o corpo como duas corrente. Ali�s, como conseguia ele coordenar os pensamentos, se o seu c�rebro era um inferno de sangue e desejo e os seus olhos despediam chamas de desperezo, de amor, de descren�a, de desejos incontidos? Para qu� negar e desperdi�ar aqueles momentos de prazer que o corpo provocante de Renata lhe proporcionava, assim t�o facilmente, sem o mais pequeno esfor�o... Aquela taberna era como qualquer outra daquele bairro. Era uma cave vulgar, e havia tanto fumo e tanto cheiro a vinho como numa outra do mesmo tipo. Jorge encostou-se ao balc�o. � esquerda, havia uma entrada interior que uma cortina verde ocultava. O jovem lembrou-se das palavras de Renata: "Afastas a cortina verde e segues por um corredor. Bates � primeira porta da direita por tr�s vezes..." Voltou-se para o taberneiro e pediu uma aguardente. Por instantes, fixou-lhe o aspecto. N�o era gordo, como aqueles que geralmente atendem atr�s do balc�o, nos filmes do Oeste. Tinha um rosto comprido, encimado por dois olhos morti�os que mais pareciam duas lan�as envenenadas prontas para ferir. Uma boca grande, de l�bios secos, e uma cicatriz entre a orelha e o queixo, completavam o conjunto. Jorge bebeu de um gole o conte�do do copo e num momento em que ele o fixava, tirou do bolso do casaco uma pequena chapa met�lica e colocou-lha perto dos olhos, quase a tocar-lhe a feia cicatriz. Deixou que um sorriso andasse ali perto, pensando na estupidez do gesto e na resposta pronta do taberneiro: - Podes ir! "Desta vez, n�o encontrou a velha sabichona na escada. J� se habituara � sua presen�a. Todas as vezes que entrava, depois do trabalho, ela ali estava, encostada ao corrim�o da valha escada, dizendo mal desta ou daquela, ou tentando informes de uma terceira. Ela sabia tudo. Se algu�m lhe perguntasse quanto ganhava o pintor do r�s-do-ch�o ou qual a medida dos sapatos da loira do 3�., ela imediatamente respondia, com a prontid�o de quem sabe tudo. Quando o ruivo do 2�. andar fez um desfalque de dez contos na empresa onde trabalhava, a not�cia correu c�lere por toda a vizinhan�a. Claro que a velha foi das primeiras a saber e quando, de boca em boca, aquele sussuro chegou aos ouvidos do Jorge, j� o roubo tinha atingido os cinquenta contos. Como, n�o se sabe... "A tia Joaquina � que me contou. Mas que foram cinquenta contos, sei-o muito bem! Ent�o voc� n�o soube das mulheres que ele trazia para o quarto? Aquilo era uma pouca vergonha..." E a tia Maria contava � tia Eug�nia e esta � porteira do 45, e assim por diante. Tudo se sabia naquela rua at� mesmo que a ruiva, que andava atr�s do merceeiro da esquina, tinha um sinal nas costas que a fazia corar sempre que se lhe falava nele."
Extracto de "O horror do destino"- A.N.(1965) |
Voltar