Um pouco de poesia...

OS NUS

Nos gritos do tempo
serpeiam os loucos gemidos
das gentes que sofrem...
As vagas das multid�es
passeiam, escarnecidas,
entremeando os nus
e os p�lidos de alegria.
Por entre a folhagem
ressequida de d�r,
crescem motejos.

E do remoinho da vida
evolam novos acordes
para outro amanh�.

A.Nascimento-1968

DESIGNIOS

Apanho no ar a jangada da vida
nublada por um espesso negrume escorregadio e estonteante.
As balizas da razão esgotaram-se
num conluio algo disperso, algo escorreito,
dos mais incompreendidos desígnios.
O corpo desaparecido e a razão dispersa
uniram-se naturalmente na verdade indolor do pensamento absoluto.
Nada como dantes, nem a penumbra permaneceu.
De entre o porquê das coisas, restou apenas a aragem amena
duma razão renascida. O ar e a terra, o fogo e o mar
coloriram de novo o Mundo, numa mescla de tudo o que não é,
porque não pode ser explicado.
Nem o Mundo era Mundo, nem a razão tinha o mesmo sentido.
Porque o espaço da Vida abria-se no vácuo infinito daquilo que não era,
para se redescobrir no tempo novo daquilo que
transbordava para fora de "mim".

A.Nascimento(10/10/97)


Cai a chuva
miudinha
no calor
do teu desejo.
Será dôr,
será tristeza,
será quebra de amor
o que eu vejo?

Um barquinho,
de mansinho,
navegando rio acina,
entoando
e cantando
o amor que nos anima.

Jóias, luxo...
Que riqueza,
Padre Nosso!!!
Mas debaixo
disso tudo,
haverá amor
como o nosso?

A.Nascimento1969


ESBOFETEEI-TE!

Olhei para ti
e esbofeteei-te!
Esbofeteei-te
sem que o braço
se movesse...
Sem que a mão
tocasse um só bocado
da tua pele...
Mas esbofeteei-te!
Como se o ruído
sonoro da bofetada
tivesse entrado com for�a
dentro de mim,
e tivesse gritado:
"Já está!"
E eu suspirasse,
num alívio profundo,
como se aquela bofetada
tivesse arrancado de mim
a erva má que me sugava...
E tu olhaste também,
e sentiste a dôr...

Mas não era o suficiente.
Ainda que eu olhasse
mil vezes,
e te esbofeteasse
mil vezes,
não poderia apagar
o fogo amargo do teu peito
que te arde e te consome,
e alimenta, cada dia,
esta erva má
em que tropeço, já cansado.

A.Nascimento-1966

N�O ME IMPORTO

Não me importo
que rias das minhas lágrimas,
que as lágrimas
são tesouro de quem sofre.
No meu peito
guardaste os cactos da tristeza,
e o nevoeiro do tempo
atiraste-me, com desprezo,
pelo corpo dentro.
Em torno de mim,
o olhar triste do Sol
a espalhar-se
nas asas do tempo
que me busca;
E eu sòzinho,
no vasto céu da minha solidão,
volto a contemplar
o raiar da tua aurora,
que teimas em esconder
de mim...

A.Nascimento(1966)

DESGOSTO

Ensinaste-me, Mãe, a rir alegremente,
as mesmas gargalhadas, as mesmas alegrias,
que tu rias!
E nos meus lábios de menino
desenhava-se, então, um sorriso divino
que nunca estava ausente.
Mas depois, o sorriso de outrora,
alegre sempre, e sempre jovial,
quedou-se na expressão torturada e banal
dum sorriso triste e sem sentido.
Também tinha perdido
o jeito de sorrir d'hora para hora.
Ficara apenas o sorriso louco
que tu me desenharas pouco a pouco.

Hoje, quero chorar o pranto que derramas,
para afogar as ateadas chamas
deste desgosto.

A.Nascimento

FAZER ANOS...É SER CRIANÇA

É ouvir trombetas nos céus,
È sentir as ondas do mar,
É querer prendas e troféus,
É estalar foguetes no ar.

É ser jovem, é ser flôr,
É ser pão e ser verdade,
É ser trigo p'ra ter amor,
É ser poema e liberdade.

Fazer anos é ter primavera
Nos passos que o tempo gasta;
É ter o perfume da festa

No grito que o peito encerra.
É ter o cheiro da giesta
E olhar o velho que se arrasta...

A.Nascimento

No ondular do vento
e da branca espuma;
No borbulhar ruidoso do mar,
destaquei a sombra esguia
que gritou melodias suaves,
transbordantes de cores e de amores tardios...

Carinhosamente
a noite tardou a cair...

A.Nascimento

O QUE EU ESPERAVA

As palavras que eu esperava
não eram essas.
-Traço cruento e brutal,
a rasgar o véu do Sol nascente.
As palavras que eu esperava
eram outras.
Como a esperança salvadora
da avezinha ferida,
anichada na ternura morna
de um coração que sofre.

As palavras que eu esperava
não eram essas.
Não eram cardos, rasgados
pelo sopro suave do seu querer;
Não eram janelas, destroçadas
p'la tempestade fria do teu viver.
As palavras que eu esperava
eram outras.
Traziam estrelas cintilando
sobre o riacho quente da minha alma;
Traziam o aroma estonteante
que os meus braços esperavam.

Eram poemas benditos
a escoarem na planície.
Eram papoilas coloridas
cheias do teu olhar.
As palavras que eu esperava
eram outras.
Eram crianças alegres
no jardim do meu querer,
gaivotas voando, cerejas crescendo,
rosas embelezando
a charneca vasta do meu ser.

A.Nascimento(1966)

ALMA LIVRE

Num corpo bonito,
Bonito e belo,
Belo e amargo,
Amargo e cego,
Vives tu.
E tu,
Que és alma sem rumo,
Sem rumo num corpo
Ficaste só, de repente,
Livre e feliz,
Num mundo diferente.

A.Nascimento(1966)

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