TU...


... Saí de Magal num sábado quente de Verão. Muitas pessoas ousam afirmar incessantemente que o Ver�o é a estação em que a natureza se apresenta mais feia e destituída das suas belezas naturais. N�o sei se elas têm ou não razão mas, para mim, esta tarde parece-me magnífica de sol e de alegria. O c�u, tremendamente azul, parece sorrir � terra, deliciosa e quante, com penetrantes perfumes de um Outono que se aproxima. Não saberei explicar a razão que me levou a decidir por esta louca ideia de trabalhar numa mina. Eu, que sempre vivera entre tinta e papel, habituado a usar o cérebro em vez da força, tinha resolvido aceitar o emprego de mineiro... Nem a pessoa mais íntima sabê-lo-ia explicar, se o pretendesse. Nem eu próprio...
Talvez que deste modo, eu tenha um encontro mais r�pido com a morte... Porque não? Falar em morte é uma ideia absurda para um homem novo e rico de juventude. No entanto, parece-me uma coisa tão próxima e tão íntima, que não ouso falar sobre ela. A mina, situada próximo de Magal,e que há-de dar prosperidade àquela vila adormecida, é como todas as outras.
Dias depois da minha chegada, eu era um dos muitos mineiros que povoavam a regi�o. Ansiava trabalhar, despender for�as, sentir correr-me pela testa o suor do meu esforço. Uma ferida, um trambolhão, uma queda mais grave, não era coisa que eu temesse ou me fizesse parar. Para qualquer iniciativa, eu era dos primeiros voluntários. Não me importava o perigo, nem a dôr, nem mesmo a morte. Um esforço a mais, a quebra de um osso, longe de me inquietar, ainda me alegrava e satisfazia. Porquê? Não me detia em pensamentos ou hesita��es. E nem por uma vez procurei dar qualquer satisfação ou explicação para os meus procedimentos, a quem quer que fosse... Nem a camaradas nem a patrões... Nem eles me interpelavam. Desde o primeiro dia que se habituaram a ver em mim um estranho incompreendido, um espírito atormentado, uma alma atingida pela desilusão. Por vezes, dirigiam-me encómios, mas nem isso logrou despertar uma só vez a alegria adormecida que me tomara. N�o tinha amigos, nem ningu�m que se preocupasse com a minha vida �ntima. Cumpria o meu dever; vivia à minha maneira... O ruído das vagonetas, o trepidar das perfuradoras, as exclamações dos outros mineiros, constituíam a única melodia que me rodeava. Todos os dias acontecia o mesmo. Descia o poço no ascensor juntamente com os outros, e dirigia-me para uma vagoneta que me transportava ao fundo da galeria onde trabalhava. Muitos n�o chegavam a despir a camisa, mas sempre que eu pegava na perfuradora, fazia-o em tronco nu. Sentia-me mais à vontade, apesar da lâmpada que trazia na testa me confundir muitas vezes. Lá em baixo, o pó impedia-nos de respirar convenientemente e tisnava-nos a cara quase por completo. Um pedaço da parede de carvão que saltava em pedaços sob o efeito da perfuradora, e logo dois homens avan�avam, empunhando pesadas vigas de madeira, que iriam suportar o tecto e as paredes.
Os dias passavam assim, monótonos e frios.


"...Estendo-me ao comprido e debruço-me sobre a água. Uma imagem muito clara vem fazer-me companhia por mais uma horas. Quero sorrir para ela, ela me sorri também... Juntos contemplamos, embevecidos, a longa fita de água branca, brilhando alegremente para além da sombra da noite. É a única alegria que está comigo. E porquê?... As plantas altas que durante o dia brilharam de felicidade, movem-se agora estranhamente com um ruído pálido e doentio. E até aqueles patos que em silêncio rebalçam nas águas pouco profundas, ali onde o rio se estreita muito mais, parecem emissários prófugos da tristeza de todas as noites. Também a relva, tão verde e brilhante quando aquecida pelo Sol amigo, envolve-se agora num silêncio cúmplice da escuridão profunda. O alto monte confunde-se com o céu sombrio e tristonho... Só tu, meu rio amigo, tentas alegrar um pouco o meu coração. As tuas águas parecem cantar, de felicidade, as mais lindas canções do mundo!...
Oh, tu, natureza triste que me cercais! Ouvi a voz do rio que vos chama e alegrai-vos com as suas canções melodiosas! Eu também estou triste, também me sinto só e, no entanto, fico-me a ouvir a sua voz e deleito-me com as suas canções. Fazei como eu! E fiquemos alegres e conformados com a nossa solidão! Ela é toda nossa, é a nossa amiga..."

Extractos de "Tu..."- A.N.(Fevereiro 1966)

Voltar