Ikaro
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 _Ikaro (Nuno Margalha)

 Líquidos fluviais...
 Gases Zombies 
Noite de Natal 
Entrar nas copas assim...
Uno
Com o negro das nuvens
Azul liquido
Amarelo líquido
No Escuro
Imaginar é ...
Piela
Leonor, Medrar
Tantos outros
Delírio
Castanho


 

 
 
   
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Líquidos fluviais...
 
A teus olhos que me parem
Lanço lambedelas meladas
Pela tua língua que tanto me atira
Para o teu céu de rua boca,
Atinges somente estes dentes,
E pouco a pouco estes ouvidos meus teus
Ouvem vozes roucas, emofadas numa gaveta que se abre
É a minha língua, saltitante, em tua boca,
Afogados em mar de mel teus olhos vêem-me,
Só, rodeado de ninguém, todo lambuzado de mel
Disfarçado de biólogo que pinta o romance
Na simetria de um espelho desfeito
Que escorre para um oceano reflectido
Num céu que nada no nada de um azul
Que me sacia e confunde.
 
 Nuno Margalha 15-10-97




 

Gases Zombies
 
A trote,
Sobre o forte preto peito,
Sobre os golpes, grito, relincho,
Sobre os golpes que ainda sinto
 
A trote
Sobre a morte ressuscito,
Sobre a dura tumba raspo cascos
 
A trote
Sobre a dura tumba volatizo...
 
Mas, eu já não sou trote...
Apenas fumo...fumo...fumo
 
E em fumo
Ainda sou trote
Quando o vento é forte,
Mas já não é macio
Mas já não é trote

Nuno Margalha 1-4-98





 

Cimento
 
Ah... as telhas, laranjadamente vivas,
A luz, excessivamente sol,
E a cal, rasa de turgência solar
 
E o piar cego, aqui ali e ali e aqui.
E o oceano azul, dos verdes aplausos das líquidas folhas,
 
Não basta?

Nuno Margalha 18-6-98



 

Noite de Natal
 
Não sejas, morre um pouco
Na alva penugem do berço natal...
Bem aconchegadinho deixa-te abraçar
P'lo fofo amor morno. P'lo mundo do teu ninho.
 
Morre um pouco,
Sonha um pouco,
Dorme um pouco,
Vôa um pouco,
E sente-os, meu passarinho...
Os olhos brilhantes, parados, nos teus.
Os casacos de malha bondosos...
Demorados
 
E regá-la esse teu ímpio pio,
Esse teu cheirinho bebé
Essa semente em simbiose,
Assim, pequenino, sentadinho,
Assim, à lareira com a avózinha,
Sozinho...
Dorme...

Nuno Margalha 24-12-97




 

 

Ah.. qd eu entrar nas copas assim...
Como se celestiais entradas fossem
Cheíssimas de pozinhos de fadas
 
Ah.. As copas das figueiras....
Envolventes regaços de minha mãe,
Ah... as copas das oliveiras...
Encaracoladas permanentes de minha avó,
Ah... as copas das amendoeiras...
Radiantes sorrisos de minha irmã
Ena, era tanto, tanto, tanto, ... o sol,
E as cearas,
Ena tanto, o oiro,
E o calor,
Ena o fogo,
E ainda mais, todo aquele amor
Ena, ena, ena...
 
Não cabia lá o ódio!
Lá... nas histórias, por mim vividas, de encantar!
Não! Tudo era tão tudo, tão, tão!
Que não consigo deixar de o sonhar, todas as noites...
 
Ainda me resta muito amor na algibeira.
Muito mais do que antes, tanto, que me cai do bolso
por vezes... quando corro...
Mas logo me dão mais de mão beijada.
Como quem espeta facas aguçadas e as gira, fácil...dentro...
 
Amor. Foi sempre tanto... tanto, tanto, tanto
Tanto, tanto, tanto,
Tanto, tanto, tanto.
Quem me dera  a mim ter tanto ódio como amor...
Ao menos, qd cai deste bolso
Não me leva bocados de carne viva, vermelha, com ele.
Ao menos, qd alguém me dá outro tanto para preencher o lugar do que caio
 E já não sinto vontade de vomitar,
Ao menos, mesmo não sendo perfeitíssimo
Deixa-me viver esta vida, que de mais ou de menos, nunca foi:
Minha.
Ah... qd eu entrar nas copas assim...

Nuno Margalha  30-4-98




 
 

Uno
  
O céu está chorar,
Sozinho... lá em cima
De meus olhos parados,
A trouxe-mouxe sentados
Nesta expressão escorridamente desalentada...
Como quatro vulgares pedras
Precisas e contíguas.
Que saboreiam o duro nada
De seu ouco peito,
Frente à nostalgia
De mais um dia de aulas,
Frente ao rubor deste dia que já desfeito
Ainda agita um raio branco
Forço um pesado pestanejar,
Decho o degrau, de olhos enraizados...
Na terra como um tremulo cacheiro
E sem vontade de ser seja o que for que sou
Vou sozinho... Com ranger de meus sapatos
P'lo meu uno trilho de meu uno fado

Nuno Margalha 13-11-97



 

Com o negro das nuvens na palma das garras
Invoquei a mais pequena porção
Da mais grande liberdade condensada
Em todo o universo
 
Cerrei as garras cravei-as nas palmas
Levei-as à boca já adocicada
Com o rubro lacrimejar escorrido do braço
Rasguei a face e toda a epiderme
De todo este corpo já avermelhado
Minha carne
espicaçada,
avermelhada...
E rebolei livre, fugindo do peso de meu corpo, sempre,
Pela alvura do algodão, das suas nuvens.

Nuno Margalha 2-2-98



 

Azul liquido
 
Tão bom, é tão bom, chorar...
Vêm gota a gota,
Levam um pouco do cristal dos olhos consigo
Gatinhando nas ondas do deserto
A primeira caminha timida em pontinhas
Exita... o caminho está livre,
E lá vai a criança rebolando nas dunas
Então exita de novo...olha para si, e decide...
Corre, salta, e mergulha no abismo,
Morre
Mas já outra é criança e já outra, caminha...
tímida...

Nuno Margalha 12-8-97





 
 

 

Amarelo líquido
 
Como é bom rir...
Bem no hipocentro a mãe grávida
Cerra os olhos, enruga o rosto
E nascem, nascem, ondas, ondas.
Que crescem, que crescem, que crescem
Já está uma no epicentro
Em fluxo constante empurram o pau da cara
E outra e outra e outra e outra
E é luz mais luz mais luz luz luz luz
Sol solsolsolsol...

Nuno Margalha 12-8-97






 
 

NO ESCURO
 
Nem todas
as almas cantadas
são dignas de olhos fechados
 
Mas todas
as almas cantadas
de olhos fechados dignas são.

Nuno Margalha




IMAGINAR É ...
 
Imaginar é beijar o sol
Com lábios de cera
É ser na penumbra
Imperador da cegueira.
Imaginar é não sim no sim de não ser
Imaginar é ser trivial...
É escrever o sem sentido
De um poema que não rima
É ter no silêncio
O grito do hidrogénio
É ter asas p’ra riscar na água
O deserto da alma luna
É ser uma cantiga que ensandece
Por mais menos gritar calado
É inspirar pelo nariz
E ter um peito corcunda
É ... ... ... ... .... ... ... ... ...
É clamar descalço em brasas pretas
Éter na mente, e sorrir... e não ser nada...

Nuno Margalha





 
 
 

PIELA
 
Suca-se o suco que se suca
P’lo pescoço das uvas rubras.
Lágrimas que o azul derrama,
Lágrimas que a esfera lança.
 
Suca-se o suco que se suca
Após leve e subtil estalido,
Da uva da terreal essência rubra
Excita-se o sangue... na gengiva
 
Suca-se o suco que se suca...
Brilho no sorriso, no vampiro...
Vinho, no grito p’la vitima sofrido...
 
E no Homem alucino
Ao encarnar p’lo sangue,
Da esfera seu vampiro

Nuno Margalha





 

 

LEONOR, MEDRAR
 
A tinta humana
Embebe seu pano
No pincel azul, negro
 
Os cabelos certos do pincel
São no uno de uma nova alma
Grades no olhar da arte
 
Rebeldes estrelas
Fieis ao pincel, a seu alvoroço,
E extasiam no medrar, no novo mundo
Lágrima...
 
 
O sangue de teus lábios
Poisou em meu peito
Ferveu ferveu ferveu
Sufocou sufocou sufocou
E fundiram-se primeiro.
Segundo sim num segundo
O nosso rubor o nosso gelo
Foi vapor foi belo
É hoje leonor
É amor imundo
Sim! Imundo! O mundo!
Que sonha ser tudo
Lindo lindo lindo
Que cretino
Lindo
...
Nuno Margalha





 
 

 

TANTOS OUTROS
 
Quão lúcido é os sonho
Segundo a segundo sonhado
P’lo pobre apaixonado :
Todas as cores coloridas
Toda a natureza natural
Todo o todo total
«Condensado num só grito»
 
 
Rápido rápido ele foge
Continuamente p’la fresta
Dos peitos adormecidos
No doce coração enternecido
 
Unidos todos todos crescem
São livres de crescer
Unidos envelhecem
São livres de envelhecer
 
Nunca serão no entanto
Livres livres de viver
O adormecer de seu peito
No mal e bem do não me quer

Nuno Margalha





 
DELÍRIO
 
Abram as cortinas da noite!
 Que já passou...
Alentem bem as estrelas,
Que já passou
A primeira ventania
Que varreu. O que levou ?
 
- Levou o que levaria
A mais fútil ventania:
toda a calmaria,
Que foi melancolia
Diabo que ria
Trovoada em folia
Gato negro que sorria
E quem sabe que mais seria ?
 
Pintem as nuvens cor de dia
Que o azul do céu recite poesia,
Pois o poeta vai em festa
E a festa vai em poesia!

Nuno Margalha





 

CASTANHO
 
Fala-nos velho tempo.
Sopra-nos rouco,
Fala-nos da cidade do vento.
E rouco cantou e forte bradou:
 
Na cidade do vento...
Estalam estalidos de musica
Das mais mudas gargantas
Que ventam pelo ar que ventam despidas
Que ventam...
Na cidade do vento...
Tudo venta melodia
cavalgando, ando, ando, ando, arranha costas
Que as gela frias frias...
Que sobe...
Na cidade do vento...
A cidade de rugas é doce melodia
O vento conta Histórias conta zombarias...
Na cidade do vento...
Em ti... o teu cavalo ritma...
E rouca forte de dentro...
Dentro...

Na cidade do vento....


Nuno Margalha