O dinheiro foi inventado nos templos da Suméria há cerca de cinco mil anos. Desde então até sua morte, cerca de duas décadas atrás, ele praticamente não foi alterado. Era uma reserva de valor e uma unidade de conta.
Agora, porém, o dinheiro é diferente. Não é mais um objeto palpável, como um pedaço de bronze de valor equivalente ao shay sumério ou a uma medida de cevada (de onde vem o nome da primeira moeda, o shekel). Nem é completamente simbólico: o grande selo dos Estados Unidos num pedaço de papel que sem ele não teria valor algum.
O dinheiro foi completamente modificado.
Não é mais uma coisa, um objeto que você pode desenterrar
ou esconder debaixo do colchão; o dinheiro é um sistema.
O dinheiro é uma rede formada por centenas de milhares de computadores
de todos os tipos, conectados em lugares tão inacessíveis
quanto o Federal Reserve1 - que todas as noites acerta as contas
entre bancos, envolvendo trilhões de dólares - e tão
comuns como as milhares de bombas de gasolina em todo o mundo que aceitam
cartões de crédito e cartões de débito em conta
corrente. A rede do dinheiro inclui todos os mercados do mundo -
ações, bônus, futuros, moedas, taxas de juros, opções
e assim por diante. Ela está ligada aos enormes supercomputadores
de processamento numérico da Morgan Stanley & Company2
e aos PCs; dos investidores individuais que usam o programa Equalizer;
para comprar ações através da Charles Schwab &
Company. A rede é justaposta a computadores que calculam o
risco de um investimento por meio das fórmulas ganhadoras do Prêmio
Nobel desenvolvidas por Harry Markowitz e Merton Miller da Universidade
de Chicago e das fórmulas "técnicas" quase místicas
desenvolvidas por Robert Prector, do Elliot Wave Theorist.
1. Banco Central dos Estados Unidos. (N.T.)
2. Banco fundado
em 1935, em New York, por Henry Morgan, neto do legendário John
Pierpont Morgan, fundador do J. P. Morgan, o quarto maior banco comercial
dos Estados Unidos. O Morgan Stanley foi fundado para atender a uma
exigência da lei americana, que separava claramente as atividades
de banco comercial das de banco de investimento. Hoje, é um
dos maiores bancos de investimento nos Estados Unidos e no mundo.
Está para entrar no Brasil. (N.T.)
No novo mundo do dinheiro, nem mesmo os maiores bancos precisam mais de cofres. Eles guardam o dinheiro em disk drives e em fitas de computador e protegem esses fundos contratando Ph.D.s em matemática e especialistas em computação para inventar códigos secretos em vez de contratar guardas corpulentos.
A nova rede do dinheiro é muito mais volátil do que o sistema monetário de cinco mil anos que ela substituiu. Taxas de juros, preços de ações, valor de moedas, preços de títulos - tudo flutua como nunca. Só na última década, o dólar perdeu mais que a metade de seu valor em relação às outras principais moedas do mundo; as taxas de juros nos Estados Unidos caíram em 50% - os preços mundiais das ações mais do que dobraram (despencaram, depois subiram no Japão); os preços dos imóveis subiram a níveis sem precedentes, depois despencaram; o preço do petróleo caiu de quase $ 40 para $ 12 o barril antes de se acomodar nos níveis atuais. Em cada um desses casos, oferta e procura - os dois pilares da economia - pouco tiveram a ver com as variações de preços.
Para quem está nos negócios, as altas e baixas dos mercados mundiais têm um equivalente econômico na Iugoslávia. Nesse tipo de economia, onde as condições mudam a todo momento, o referencial de tempo dos investidores e os horizontes de planejamento dos executivos tiveram necessariamente que ser reduzidos.
A morte do dinheiro também dividiu o mundo em duas economias. A menor delas é a que chamo de "economia real": aquela em que os produtos são fabricados, o comércio é realizado, as pesquisas são feitas e os serviços são prestados. Na economia real, os operários das fábricas trabalham, os médicos cuidam dos doentes e os professores ensinam. Nela as estradas, as pontes, os portos, aeroportos e ferrovias são construídos. Tragicamente, nos Estados Unidos essa é também a parte empobrecida da economia, carente de investimentos, antiquada e dilapidada.
A outra economia, a "economia financeira", é de 20 a 50 vezes maior do que a economia real. Não é uma economia de transações, mas de especulação. Ela comercializa instrumentos financeiros. Basicamente, lida com títulos patrimoniais, como ações e títulos de dívida, como bônus e outros papéis. Do ponto de vista técnico, o tipo de título que a economia financeira menos comercializa é o dinheiro.
Ao contrário da economia real, a economia financeira vem experimentando um surto de investimento de mais de duas décadas. E embora sua estrutura de ultra-alta tecnologia movimente vários trilhões de dólares por dia entre os diversos "nós" da rede, trata-se de uma economia altamente não regulamentada.
Poucas pessoas percebem que o dinheiro, no sentido tradicional, acabou. Muito menos pararam para pensar nas implicações desse fato.
Este livro trata das conseqüências de um mundo em que os mercados estão ligados eletronicamente enquanto os países continuam a existir independentemente. Trata de um mundo em que os matemáticos, os físicos e os especialistas em computação se tomaram partes integrantes de Wall Street. E sugere a introdução de alguma estabilidade neste mundo altamente volátil.
Durante dois anos e meio, entrevistei mais de uma centena de pessoas procurando compreender melhor o funcionamento da economia eletrônica global. Nem todos os economistas, executivos, matemáticos e programadores de computador concordarão com minhas conclusões. Sou, contudo, grato a eles por me terem concedido seu tempo para discutirmos a situação do mundo e por terem suportado meu interrogatório incessante.
Sou particularmente grato a Hyman Minsky, que explicou que o dinheiro se tomou obsoleto a R. David Ranson e Mark Miles, que explicaram a importância das taxas de juros; a Allen Sinai, Edward Yardeni e Cary Shilling por me mostrarem como suas previsões funcionam; a Graciella Chilchiniski, por explicar a importância das commodities na nova ordem mundial a Charles Schwab, Daniel Siegel, Richard Van Slyke, Peter Schwartz e Jib Fowles, por falarem sobre o impacto da nova tecnologia sobre o mercado. Também sou grato a Mike Levitas e a Leonard Silk do The New York Times, por suas perguntas duras e pertinentes.
Gostaria de agradecer a meu editor,
Fred Hills, por ter dado estrutura ao manuscrito, ajudado a organizar minhas
idéias e por ter tido paciência. Também sou grato
a Lisa Betty, pelas horas que passou na biblioteca procurando artigos e
conferindo fatos. Sou grato a minha esposa, Susan Kurtzman, por ter
lido e relido o manuscrito e me ajudado a melhorar seu estilo e conteúdo.

