Nos últimos 20 anos, mais ou menos, o mundo e sua economia estão passando por um processo de mudança violenta. Essa transformação tem sido tão grande que alterou praticamente todos os aspectos de nossas vidas. Mudou nossa noção do que é público ou privado, mudou o modo de avaliarmos o que produzimos e redefiniu completamente o conceito de propriedade e de riqueza. Em apenas 20 anos, essa mudança monumental, embora quase imperceptível, levantou novos países e derrubou antigas potências.
O que mudou? O dinheiro. Não as notas ou as moedas. Hoje esse tipo de dinheiro - dinheiro tangível, antiquado - representa apenas a mínima parte de todo o dinheiro em circulação no mundo. Merece pouca consideração. É um fantasma do passado, um anacronismo. Em seu lugar, existe uma espécie inteiramente nova de dinheiro, que se baseia não no papel ou no metal, mas na tecnologia, na matemática e na ciência e que percorre o mundo incessantemente numa velocidade semelhante à da luz. E como a hipótese de Einstein de que um fóton de luz cria o universo onde quer que vá, este novo dinheiro "megabyte" está criando um mundo diferente onde quer que ele surja.
O dinheiro está deixando de ser uma unidade padrão de valor - um ativo fixo e limitado, uma "verdade" absoluta e substancial - para se transformar em algo etéreo, volátil e eletrônico. No decorrer dos últimos 20 anos, foi transformando-se de uma equivalência determinada pelo governo - $ 35 eqüivale a uma onça de ouro, conceito desenvolvido há cinco mil anos - em uma nova forma eletrônica. Transformou-se em nada mais do que uma combinação de zeros e de uns, que são as unidades fundamentais da computação. Esses zero e uns, que representam o dinheiro, são transportados através de quilômetros e quilômetros de fios e redes de fibra óptica, retransmitidos por satélites e projetados de uma estação retransmissora para outra. Esse novo dinheiro é como uma sombra. Sua forma cinzenta pode ser vista mas é intocável. Não tem dimensão táctil, nem massa nem peso. Outras formas de dinheiro não têm mais importância.
Em conseqüência da transformação do dinheiro, nada no mundo jamais será como antes. Surgirão inúmeras oportunidades novas e novos desastres nos ameaçarão. A mudança levará décadas para ser assimilada.
O dinheiro hoje é uma imagem.
Ela pode aparecer simultaneamente em milhões de telas de computador
em milhões de mesas de trabalho em todo o mundo. Na realidade,
porém, ele não está localizado em nenhum lugar e não
precisa de cofre para ser guardado em segurança. Contudo,
embora o dinheiro não tenha uma localização real,
paradoxalmente, ele criou um ambiente que está em toda parte, mesmo
sem ocupar um lugar físico. Um ambiente povoado por milhares
de investidores, operadoras, banqueiros, gerentes de carteiras de investimento,
corretores de ações, arbitrageurs1, analistas,
órgãos fiscalizadores e autoridades governamentais - todos
observando e manipulando o dinheiro através de diferentes terminais
de computador em todo o mundo. Uma comunidade em que os vizinhos,
colegas e concorrentes só podem ser acessados por meios eletrônicos.
Neste novo ambiente, milhões
de computadores estão ligados numa vasta rede de transações
e intercâmbio de informações de uma complexidade inimaginável,
que opera 24 horas por dia. Sob certos aspectos, essa imensa rede
assemelha-se à rede de neurônios existente dentro do cérebro.
Milhões de terminais "inteligentes"2 de algum tipo estão
em interação numa dança eletrônica sincopada,
produzindo o ritmo global das altas e baixas do mercado, que não
difere muito dos ritmos do interior do cérebro. O dinheiro,
em sua nova forma eletrônica, passa de computador para computador
da mesma forma que os impulsos nervosos são transmitidos através
de sinapses. No caso do dinheiro, porém, cada vez que um elétron
dá um salto, unidades de poder de compra - grandes e pequenas -
trocam de mãos. Bens, riquezas, sonhos e poder são
transacionados.
1. Arbitrageur ou arbitrager é a pessoa que compra certas mercadorias (comoditíes), moedas e letras de câmbio em um mercado e vende em outro quase ao mesmo tempo, tirando vantagem de qualquer diferença no preço ou na taxa de câmbio entre os dois mercados. (N.T.)
2. Nos sistemas de
multiusuários, um terminal que contém um conjunto próprio
de circuitos de processamento, podendo recuperar dados do computador central,
processá-los e executar programas residentes no servidor central.
(N.T.)
Todos os dias, pelo "lobo"3 da rede neural New York, mais de $ 1,9 trilhões mudam de mãos a uma velocidade semelhante à da luz. Esses dólares - e as preocupações, esperanças e medos que representam - aparecem como uma imagem luminosa numa tela de computador.
A cada três dias uma soma de dinheiro equivalente à produção total anual de todas as empresas norte-americanas e de toda sua força de trabalho passa pela rede subterrânea de fibras óticas das ruas escavadas de New York. E a cada duas semanas o produto anual do mundo passa pela rede de New York trilhões e trilhões de uns e zeros que representam todo o trabalho, suor e artimanhas de todos os esforços honestos e de todas as loucuras da humanidade.
Somas de magnitude semelhante passam pelas ruas de Tóquio, Londres, Frankfurt, Chicago e Hong Kong. Elas viajam sob o mar e são retransmitidas pela ionosfera. O sistema financeiro, usando o dinheiro desvinculado do ouro, realiza diariamente transações milhares de vezes maiores do que as da chamada economia real - a parte do trabalho da humanidade em que os bens são produzidos e os serviços são prestados.
O computador tornou possível a existência dessas redes neurais de dinheiro. Com o computador, as distâncias não têm mais importância e o tempo e as zonas de tempo são irrelevantes. O computador levou-nos do padrão ouro para o padrão megabyte - um padrão baseado em microchips, memória eletrônica e tecnologia de ultra-alta velocidade. E, nesse processo de despir o dinheiro de sua dimensão finita, permitiu que ele se transformasse em algo completamente novo, cheio de novas possibilidades.
Embora o dinheiro seja o principal
meio de armazenar riqueza e poder de compra, os economistas falharam sistematicamente
na avaliação do significado dessa transformação.
Pensadores da velha guarda estão empenhados em debates sobre um
mundo que desapareceu há muito tempo. Sussurram a sabedoria
convencional nos ouvidos dos líderes empresariais e presidentes,
mas já não conseguem fazer previsão correta das taxas
de juros, do crescimento ou do volume de negócios. Já
não conseguem avaliar o crescimento do suprimento de dinheiro, prever
uma recessão ou determinar quanto as pessoas poupam ou gastam.
São como os eruditos que só estudaram pela Bíblia
e não percebem que mudamos para um mundo secular.
3. Lobo: Cada parte
do cérebro onde estão centralizadas determinadas atividades
nervosas. (N.T.)
Esses economistas vêem o dinheiro como o peixe vê a água - como algo vital, necessário, cheio de oxigênio, mas quase invisível. Pergunte a um peixe sobre a água em que ele nada e ele não lhe dará nenhuma grande resposta. Pergunte a um economista sobre o dinheiro - alguém do Conselho Econômico da Presidência, por exemplo - e ele provavelmente só vai dar de ombros. O dinheiro não tem muita importância, responderão esses economistas encarquilhados. As mesmas regras são válidas independentemente de o meio de troca ser o ouro, a prata ou imagens de computador, dirão eles. Mas estão errados. As finanças e sua estranha lógica substituíram a economia.
Se esses economistas da velha guarda,
porém, aceitassem a premissa de que uma nova evolução
do dinheiro gerou uma nova economia, e se tirassem suas gravatas decoradas
com retratos de Adam Smith e as substituíssem por gravatas com um
microchip4, então teriam que encarar o fato de que muitos
de seus queridos conceitos estão fora de moda. Teriam que
sair da área - ou, pior ainda, teriam que mudar seus conceitos.
Como veremos, quase todos esses pensadores se recusaram a fazer tal esforço.
Outras mudanças vieram junto com a mudança no dinheiro. Os países deixaram de ser nações-estados isoladas e protegidas dos altos e baixos de seus vizinhos para se tornarem cada vez mais irrelevantes em termos econômicos. Bancos centrais, como o Federal Reserve Board, embora ainda poderosos, foram rebaixados. É verdade que ainda comandam o jogo, mas não tão independentemente como antes. Fronteiras foram eliminadas. Sinais retransmitidos por satélites ou transportados através de cabos submarinos não esperam autorização da alfândega para entrarem. Na verdade, hoje é muito mais fácil e rápido transferir $ l bilhão de New York para Tóquio do que transportar um caminhão de alface ou de uva da Califórnia para o Arizona.
O Secretário do Tesouro norte-americano,
Nicholas F. Brady, em seu relatório ao Congresso sobre a queda da
bolsa em 19 de outubro de 1987, quando era também o chefe da Dillon
Read & Company, disse que os mercados - de ações, títulos,
futuros, mercado de capitais - agora são um só. Estão
interligados, disse ele. Depois de fazer essa afirmação,
Brady recuou. Explicou que quis dizer que todos os mercados americanos,
hoje, estão conectados. Ele estava enganado. Na realidade,
os mercados de todo o mundo, hoje, estão interligados. Estamos
todos sob o padrão megabyte.
4. Chip - um circuito eletrônico
miniaturado produzido em série sobre pequena chama ou lâmina
de silício. (N.T.)
Com um modem, um microcomputador, um telefone e, em alguns casos, uma pequena antena parabólica no telhado, operadores podem trocar dólares, títulos ou ações ou negociar os chamados "produtos derivativos" simplesmente enviando impulsos eletrônicos através de uma linha.
Produto derivativo, um conceito saído de Alice no país das maravilhas, não é exatamente um "produto", no sentido em que uma ação é um produto, uma unidade de propriedade de uma empresa. Um derivativo, ao contrário, é mais uma noção abstrata. Por exemplo, um produto derivativo é um contrato sobre taxas de juros futuras. Esses contratos se referem aos pontos percentuais que serão cobrados por um futuro empréstimo e são negociados independentemente do dinheiro propriamente dito. Taxas de juros são compradas e conservadas - se o negócio for bom - pelo prazo de duas semanas a um mês. Se for um mau negócio, elas são vendidas dentro de poucas horas. Vendidas para quem? Compradas onde? Em qualquer lugar onde o elétron chegue.
Ao mandar um impulso através
de uma linha, operadores localizados em qualquer parte do mundo podem comprar
e vender taxas de câmbio futuras de qualquer moeda do mundo.
Podem exercer opções de compra de lotes de ações,
negociar garantias de títulos possuídos por outra pessoa,
vender contratos futuros e negociar hipotecas. Nesse estranho e misterioso
mundo eletrônico, fundos de pensão japoneses podem comprar
títulos americanos, garantidos não por ouro ou por ativos
de empresas, mas por grandes lotes de empréstimos feitos por Detroit
para produzir carros.
Eles podem automatizar5 as transações
e diminuir o risco comprando a uma taxa de câmbio e simultaneamente
vendendo a outra taxa noutra cidade ou país, em outra moeda.
As possibilidades de desenvolvimento de novos produtos derivativos são
infinitas.
O mundo em que funciona a nova economia assemelha-se mais a uma “comuna” eletrônica do que a uma economia. É como qualquer comuna - uma comunidade pastoril de uma antiga vila inglesa, por exemplo -; esse novo espaço eletrônico pertence às pessoas que o utilizam, não ao governo.
Enquanto o presidente Ronald Reagan
e seus assessores estavam combatendo a presença excessiva do governo
na economia, o governo estava sendo marginalizado. Afinal, com exceção
de algumas dessas redes eletrônicas operadas por instituições
como o Federal Reserve Board, o resto está nas mãos de particulares.
Empresas como American Telephone & Telegraph (AT&T), MCI, Sprint,
Citibank, Internacional Business Machines (IBM), Swift, Cirrus, Plus, Visa,
MasterCard e outras é que são as donas da comunidade da fibra
ótica. OS governos, na melhor das hipóteses, apenas
a regulamentam.
5. Usar um canal computadorizado
pari negociar ações entre grandes investidores, sem passar
pelo sistema usual da bolsa de valores. (N.T.)
Há pelo menos 200 anos, John Locke, John Stuart Mill e Adam Smith escreveram extensamente sobre o dinheiro, o endividamento e os bancos, e até elaboraram teorias sobre o governo e a ética. Eles sabiam que a economia alterava nosso modo de viver, de fazer negócios e de resolver nossos problemas. Também compreenderam que nosso sistema econômico é um reflexo do que somos como pessoas. Sabiam que a economia e o sistema econômico não podem ser separados das outras atividades da humanidade, de seus sonhos e de seus pesadelos. Sabiam que a economia, longe de ser uma simples ciência, reflete nossos valores e percepções. Ela é um dos modos pelos quais nós, como sociedade, nos organizamos e nos definimos.
O debate atual sobre a natureza e a evolução do dinheiro e de nossa economia é igualmente abrangente. Meia dúzia de escolas de pensamento estão brigando entre si sobre a questão de qual é exatamente a identidade do dinheiro e qual será seu impacto. Meia dúzia de escolas buscam a verdade.
Quem são esses novos pensadores? São matemáticos como Fischer Black e Myron Scholes, que desenvolveram modos de negociar e avaliar opções; James Forrester, um professor de engenharia elétrica do Massachusetts Institute of Technology (MIT), que inventou a memória central dos computadores na década de 1950, ajudou a fundar a Digital Equipment Corporation (DEC) e vem tentando construir um modelo do funcionamento da economia mundial; Hyman Minsky, um economista iconoclasta que, já em 1955, previu corretamente a globalização e suas implicações, e acredita que as finanças sobrepujaram a economia em importância; Hayne Leland, um antigo professor de administração de empresas de Berkeley, que foi um dos inventores do programa de compra e venda de ações.
E há outros. São pessoas que consideram as ações e títulos não como unidades de propriedade de empresas e de dívida do governo ou das empresas, mas como acumuladores eletrônicos abstratos do poder de compra de uma nação. Os economistas desta nova escola vão ajudar-nos a entender a nova ordem mundial em que vivemos e a direção que estamos seguindo.
Este livro vai explorar a natureza, a forma e o contorno da nova economia - a comuna eletrônica. Vai examinar as idéias e as percepções dos pensadores econômicos de vanguarda. Vai mostrar os possíveis desdobramentos da economia mundial quando banqueiros, investidores, operadores, analistas políticos, autoridades governamentais, economistas, financistas e líderes empresariais estiverem todos ligados como as células nervosas do cérebro. Vai explorar o mundo novo que os avanços em telecomunicações, computação e finanças estão criando. E mostrará como os maiores investidores deste novo mundo farão seu dinheiro crescer.
Se Ronald Reagan, George Bush ou
qualquer outro presidente que os antecedeu tivessem escolhido assessores
com gravatas estampadas com microchips em vez de retratos de Adam Smith,
talvez o equivalente a uma década de turbulência e de declínio
dos Estados Unidos tivesse sido evitado. Se tivessem prestado atenção
nas mudanças de uma geração, talvez tivessem conseguido
conter a volatilidade dos mercados e manter o crescimento da riqueza do
país. Se tivessem prestado atenção numa mudança
sutil, mas fundamental, talvez pudessem ter adotado políticas capazes
de manter os Estados Unidos à frente do trem econômico.
Infelizmente, não foi o que fizeram.

