A primeira vez que aparece na história o nome próprio
de Portucale é ao terminar o Império Romano, no Cronicon
de Idácio, nos anos 456 e 459. Mas o cronista fá-lo
acompanhar dos apelativos locus e castrum, e diz que Braga, no ano
456, era a última cidade da Galiza. Daqui se vê que não
reconheceu o Porto como cidade, pois neste caso seria esta a última
de Galiza.
Idácio
era natural do país e por isso, sabia muito bem que no rio
Douro terminava a Galiza; portanto o Portucale locum, colocado por
ele nas extremas sedes desta Provincia, só podia ficar na margem
direita daquele rio, onde ela acabava.
Ora
conforme diz o primeiro elemento da sua denominação,
"portu", era o porto que servia a Calem ou Cale, do lado
da Galaecia, ao norte do rio e sem fortaleza (Idácio claramente
o distingue do outro, munido de castrum). O Portucale castrum, pelo
contrário, devia ficar na margem esquerda do Douro e em sítio
elevado, porque só nestes se constroem os castros.
Calem
ou Cale teria sido na sua origem uma citania lusitana, erigida numa
eminência, e aproveitada depois pelos romanos para estação
de via militar de Lisboa e Braga, da qual vinham os passageiros embarcar
em baixo.
A
mudança do seu primitivo nome deve-se, por certo, à
influência determinante do embarque nas funções
da estação, e por este motivo, portus veio a prefixar-se
no topónimo originário; todavia, no tempo do citado
cronista, aquela citania romanisada, em face do epíteto "castrum",
voltou a ser fortificada, certamente, à entrada dos povos germânicos.
Resumindo,
no domínio romano, no alto da vertente esquerda do Douro ficava
a última estação da via militar de Lisboa a Braga,
chamada Calem no "Itinerário" de António do
princípio do séc. IV, e Portucalem castrum no Cronicon
de Idácio, escritor do meado do séc. V na margem direita.
Formou-se
uma povoação em sítio capaz de ser atracado pelos
barcos, que completavam a via ou estrada interrompida pelo rio, e
indispensável, quer para abrigo dos passageiros do Norte nos
dias de temporal, em que a travessia exigia demora, quer para entreposto
de mercadorias da Galaecia. Era o Portucalem locum de Idácio,
o qual com a maior probabilidade, devia ficar no mesmo sítio
da Vila Baixa das Inquirições, a Oeste de Miragaia,
fora do Couto da Sé, pois o bispo exigiu o pagamento da portagem
aos moradores dela.
No
séc. VI esta povoação foi elevada à categoria
de cidade pelos Suevos, que transferiram para aqui a Sé Episcopal
de Meinedo entre 572 e 585.
No
alto da vertente direita do Douro levantou-se a Igreja, que foi a
primeira Catedral portucalense, e, a par dela, formou-se uma povoação
que abastecida provavelmente no princípio com elementos do
Portucale romano marginal.
No
princípio do séc. VIII a cidade do Porto foi destruída
pelo Árabes ou Mouros, invasores e dominadores. Contudo este
domínio dos Árabes na Galiza foi passageiro e pouco
seguro, no entanto a reacção contra a conquista Árabe
não se fez esperar. Pelagio e alguns bravos companheiros refugiaram-se
nas Asturias. Levantaram ali o estandarte duma guerra de independência
e de Religião e não só mantiveram autónoma
esta Província, mas também no decurso do tempo, dilataram
os seus limites por novas e sucessivas vitórias alcançadas
contra os Árabes, até que de todo os expulsaram da Península.
No
fim do séc. IX D. Afonso III de Leão, iniciou a restauração
da cidade do Porto, e é de crer que data dele a primeira fortificação,
pois no fragmento das atas do chamado Concílio de Lugo, atribuídas
ao séc. X, aparece-nos o Portucale locum, denominado Castrum
novum, e o Portucale castrum, com o nome de Castrum antiquum.
No
princípio do séc. XI, se não falham velhas narrativas,
aportou na Foz do Douro uma armada de Gascões ou Vascões
(Bascos), que, fixando-se na cidade deserta, a fortaleceram e povoaram
definitivamente. Todavia, quanto à restauração
dos primitivos muros do Porto, feitos por D. Afonso III (866-910),
e arrazados em 997 por Almonçor, não parece ser obra
dos Gascões, como dizem alguns escritores, mas de Fernando
Magno (1037-1065), ordenada por este monarca após as suas conquistas
definitivas da Beira. Isso resulta da Epistola sobre a expugnação
de Lisboa, onde o seu autor conta, em 1147, que, tendo sido assolada
a cidade do Porto (Portugala) por uma grande incursão de Sarracenos,
os estragos foram reparados havia uns oitenta anos. Ora, deduzindo
estes 80 anos a 1147, concluem-se que se fez a restauração
aí por 1067, isto é, quase no fim do reinado de Fernando
Magno.
Esses
primitivos muros, que circundavam e defendiam o velho Burgo portucalense,
existiam ainda no séc. XVII, pois Fr. Manuel da Esperança,
natural do Porto, regista-os na sua História Serfica, deste
modo: "Ainda hoje ostenta (o monte da Sé) sobre a sua
cabeça uma coroa de muros, cêrca da cidade velha, abertos
por quatro portas com tribunas e altares, onde se oferece a Deus no
sacrifício da Missa a imaculada Hostia".
Essas
quatro portas ou entradas eram: a principal o Arco de Vandoma, que
ficava ao nascente do velho Burgo, a entestar com o largo da Sé
e a rua Chã (Chão das Eiras); daí declinava o
muro monte abaixo, costeando as Escadas das Verdades, onde estava
o Arco da Porta das Mentiras; tornejava pelo alto do Barredo, angulando
sobranceiro ao Rio da Vila, que desaguava a descoberto no fundo da
actual rua de S. João; rasgava-se no Arco ou Postigo de Santa
Ana das Aldas, e, prosseguindo, formava o Arco ou Porta de S. Sebastião,
onde se recurvava para fechar o circuito.
No
princípio do séc. XII restaurou-se a Diocese do Porto
com a eleição do Bispo D. Hugo, Arcediago da Sé
de Compostela, e pupilo do poderoso Bispo compostelano D. Diogo Gelmires.
Com
a protecção deste Prelado obteve D. Hugo para a sua
Igreja do Porto da Rainha D. Teresa, em 1120, a doação
do Burgo portucalense, já referido, e do seu Couto, isto é,
do território adjacente convertido em Couto, cujos limites
fixou no respectivo diploma.
De
modo que o território adjacente coutado à Sé
portucalense parece ser um triângulo irregular, tendo por base
a linha do Douro, que vai de Noêda (Campanhã) ao ribeiro
de Miragaia, tocando pela ponta na Igreja de Paranhos.
Três
anos depois, o Bispo D. Hugo que tinha conseguido como favor político
esta doação do Burgo contiguo à Sé e do
Couto adjacente, para a consolidar deu Foral à Povoação
(1123, modelado pelo de Sahagun, cujos doados eram ambos franceses.
D.
Hugo, o grande Bispo francês, foi, sem dúvida, o verdadeiro
povoador da cidade.