Ah, UNI-Ro... Como metade da Undernet já sabe, o nome é esse porque o ' i ' do letreiro da faculdade caiu. Infelizmente o prédio do Instituto Biomédico da UNI-Rio não é na Urca, mas na Frei Caneca, cercado de cemitérios de azulejos por todos os lados. Mas tudo bem, o que vale é a intenção, e afinal de contas, se eu não estudasse numa faculdade com um elevador chamado sugestivamente de Morte Lenta, o que eu teria pra contar pros meus futuros netos? Hein?
 

Esse é o hospital onde eu estudo agora: Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG pros íntimos), da Escola de Medicina e Cirurgia da Universidade do Rio de Janeiro. Nome pomposo, condizente com a condição de centro de referência em AIDS, título que a UFRJ roubou, fazer o quê, né, coi$a$ da vida, mesmo estando os especialistas todos ainda no Gaffrée *limpando o veneno* O prédio é lindo, antigo, está sendo reformado e ficando mais bonito ainda - pelo menos por fora. Por dentro é aquele negócio: paredes descascando, fios à mostra, transformação em Reino dos Baldes quando chove, o Império dos M.A.R.S.A. e felizmente pacientes satisfeitos com o tratamento que recebem no hospital.
 

Os alunos de quinto, sexto e sétimo períodos cumprem, respectivamente, a carga horária de Clínica Médica I, II e III, em uma das 3 enfermarias preparadas pra aulas: a Sétima Enfermaria (Clínica Médica B, Serviço do Professor Omar da Rosa Santos) recebe pacientes de Nefrologia, nonono e nononono. A Oitava (Clínica Médica A, Serviço do Professor Mário Barreto Corrêa Lima), a minha, que modéstia à parte esse ano tá dando um show de competência, pega Gastroenterologia, Medicina Familiar, Reumatologia e Endocrinologia, e a Décima (Clínica Médica C, Serviço do Professor Carlos Alberto Moraes e Sá) fica com a maioria dos pacientes HIV+ (Imunologia), além de Oncologia e Cardiologia. Obviamente essa é uma divisão bastante teórica, e tudo fica meio misturado, mesmo porque não faz sentido passar um ano e meio placidamente contemplando ascites sem nunca ter visto uma insuficiência cardíaca. Não há rodízio de enfermarias, mas como a rotatividade dos leitos é muito grande, no final das contas dá tudo no mesmo. Na enfermaria convivemos com alunos de quinto período e com internos, principalmente, fora os bonitores espalhados pelos outros períodos e obviamente com o staff de médicos e enfermeiros. Convivência pacífica, tudo muito zen. Ah, antes que alguém pergunte... NÃO TEMOS EMERGÊNCIA, TÁ?
 

Mas as coisas não foram sempre tão lindas. Dois anos de tortura social no ciclo básico da UNI-Rio, e finalmente o hospital. Aaaah maravilha das maravilhas. Oitava enfermarília, risos, alegria, felicidade, m-u-i-t-a ralação, fofocada, jeitinho brasileiro, o de sempre. Quem não vive o dia-a-dia de um hospital (especialmente hospital-escola) não faz idéia do que rola nos bastidores. A impressão que se tem é a de que se está num grande manicômio; ninguém tem aparência normal, nem os pacientes e muito menos os que estão fora dos leitos. Misteriosas figuras de branco circulam pelos corredores com estetoscópios no pescoço, empunhando aparelhos de pressão com pinta de enceradeira; seres de roupas azuis e toucas mal colocadas, papatos de plástico azul-geladeira-de-pobre em forma de tamanco nos pés, as calças caindo pelas pernas, povoam as salas de cirurgia. Eu se fosse você não operava nem verruga. Impossível descrever o nó mental que se instala depois de alguns dias no hospital. Cada história cabeluda, cada caso sinistral, pesos na consciência, pesos no coração, dor nas pernas, calor dentro da roupa branca, jalecos abotoados pro Basílio não encrencar, reflexões no carro ouvindo Live, Berenice, pensamentos filosóficos trocando neurotransmissores pelos giros cerebrais, emoções fortes, receptores sensoriais ativérrimos à flor da pele. Comida ruim pra quem não tem avó morando perto, terça-feira é dia de McDonald's com direito a molho barbecue, aula da Geiza é legal, Terezinha Belmonte *risos*, e a aula de Anatomia que esqueci de preparar? Putz grila os calouros vão me entupir de perguntas bobas - aluno de Medicina é um saco, e um belo dia chega a prova de Clínica Médica I. Caramba. Brandão leva Tati e eu pro ambulatório de Gastro. Sentadinhas cada uma na sua mesa em sua sala ('sua' sala... sheesh!), vestimos nossas caras de médicas; minhas vísceras entram em convulsão, meu tubo digestivo inicia uma aula de ginástica aeróbica, glândulas com síndrome de Schumacher, a mil por hora. Resumindo: pavor total e absoluto - mas eu sou Flipper, Flipper mascara tudo, ninguém nunca sabe o que a Flipper tá sentindo, então tudo bem. Entra D. Neuza. Bom dia doutora, tudo bem? Tudo bem, Dona Neuza, fora o calor que tá brabo, tá tudo bem, e a senhora? O de sempre, doutora, hérnia de hiato. Aaaaaah tá. Então vamos examinar a Dona Neuza. Olha, falando sério, não consigo imaginar sensação mais gratificante que o sorriso de um paciente, mesmo que ele não tenha como medir sua competência. Sério mesmo. Brandão me deu 7, fiquei nervosa de novo na hora de passar o exame a limpo e fiz um texto sem pé nem cabeça - se é que evolução de paciente pode ser chamada de texto, mas eu sempre acabo puxando pro lado literário, não tem jeito. Ô vida besta, sô!

Se você acha que o Basílio tinha razão quando disse 'Não gostei da sua prova, não gosto do seu jeito de escrever', clique aqui.
Se você, ao contrário do Basílio, acha o Robbins um bom livro de Patologia, clique aqui.
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glossário:
M.A.R.S.A = Methicillin- (no Brasil, oxicilina) and Aminoglycosides-Resistant Staphylococcus aureus. Bicho brabo de matar, viu...
Rua Frei Caneca = fim do mundo, centro do Rio de Janeiro, rua de lojas de material de construção. Agora me diz... O QUE É QUE FAZ UMA FACULDADE NUM LUGAR COMO ESSE???
Bonitores = belos monitores de clínica médica
Marília, in enfermarília = ser onipotente, onisciente e ubíquo que tudo pode e tudo resolve (e que se danem os plenoasmos). O carimbo mais rápido do
oeste.
Corpúsculo de Mallory tem a ver com hepatite alcóolica (errei isso na prova)
 
 

mas o que que é lefl mermo, hein? ~ olha só onde eu vou morar um dia... ~ zitmil & tutanar ~ de onde surgiu iidlar  ~ o vÍRCio ~ bookmarks ~ futuro ganha-pão