AS ORIGENS DO DINHEIRO
MEGABYTE:
Como a Reuters Holdings Inventou a Nova
Economia Eletrônica um Século Atrás e Continua
a Explorá-la
 
 

   Poucas pessoas previram tão bem a economia eletrônica quanto Marshall McLuhan.  Durante as décadas de 60 e de 70, o excêntrico filósofo canadense escreveu uma série de livros densos, desorganizados, sobre o surgimento da era da informação.  Esses livros, com sua linguagem intrincada, centenas de notas de rodapé e estranhas ilustrações, tinham que ser decifrados, mais do que simplesmente lidos.  Cada um continha, porém, dezenas de idéias brilhantes.

   Talvez as mais importantes idéias de McLuhan tenham sido expressas em Guerra e paz na aldeia global, escrito em 1968. (O livro foi “produzido” mais do que publicado, dizia McLuhan, que achava que os livros fossem uma coisa do passado, um artefato de uma era ultrapassada.)

   Em Guerra e paz na aldeia global, McLuhan disse que, uma vez que os novos ambientes eletrônicos de informação “são extensões diretas de nosso próprio sistema nervoso, eles têm uma relação muito mais profunda com nossa condição humana do que o velho ambiente natural”.  Para as finanças, em especial, esse pensamento é profundo.

   A moeda do sistema nervoso é a informação.  O cérebro não tem relação direta com os eventos.  Não tem nenhuma participação nos eventos.  Apenas lida com as informações sobre os eventos fomecidas pelos órgãos dos sentidos.  O cérebro, distante, mas consciente, toma conhecimento de uma queimadura no dedo ou do perfume de uma rosa através de informações codificadas enviadas através dos nervos.  E, então, faz com que o corpo reaja.

   Da mesma forma, os comerciantes de petróleo ficam sabendo de uma explosão numa refinaria de petróleo ou os corretores de moeda ficam sabendo de uma mudança nas taxas de juros por meios indiretos.  Seus estômagos podem queimar, suas mãos podem suar, mas quase sempre estão a muitos quilômetros de distância do evento em si - às vezes até em outro continente.  Os operadores não participam dos eventos diretamente.  Apenas, de seus resultados.  Tomam conhecimento dos eventos e então agem.

   O sistema nervoso é nosso único meio de perceber o mundo.  Quando ele se altera - biologicamente no indivíduo ou eletronicamente na coletividade -, nossas noções da realidade e de seus limites também se alteram.  Contudo, embora nossas crenças sobre a realidade tenham sido afetadas pelas tecnologias de obtenção e distribuição de informações, não temos condições de dizer se o que percebemos como “real” ou “natural” realmente merece esse nome.
Em economia, finanças e até em investimentos isto significa que as velhas regras podem não ter mais validade.  Até mesmo o modo como descrevemos o mundo pode estar desatualizado.

   Além disso, como nosso sistema nervoso é que foi estendido através da tecnologia, a nova economia eletrônica é, por definição, nervosa, mutável, reativa e, de tempos em tempos, fica sobrecarregada.

   Embora essas mudanças tenham sido drásticas, profundas e abrangentes no modo como alteraram nossa realidade econômica e social, de acordo com McLuhan, elas são também invisíveis: “Ambientes artificiais são sempre imperceptíveis aos homens durante o período de inovação.  Quando são substituídos por outros ambientes, porém, tendem a tomar-se visíveis.”
 

O BAZAR DA INFORMAÇÃO

   Muitas grandes empresas contribuem para a torrente de informações que flui através da rede eletroeconômica de computadores e ,software.  A McGraw-Hill Inc., que publica a Business Week, e a Dow Jones Inc., que publica o The Wall Street Journal e o Barrons, são duas das mais importantes empresas que fornecem informações via computador, diretamente para as mesas de operação em todo o mundo.  Através do programa Dow Jones / Retrieval, você pode consultar cotações da bolsa, noticiários e até horários de vôos.  Pode ter acesso a um vasto banco de dados sobre empresas ou a qualquer artigo do The Wall Street Journal ou de outros jornais.  Você pode também aprofundar-se nas finanças de determinada firma, ler seus relatórios anuais e estudar seus processos junto a órgãos fiscalizadores, como a Securities and Exchange Comission1.  Não pode, contudo, comprar nem vender ações ou qualquer outro produto financeiro.
 

1.  O equivalente americano da CVM brasileira. (N.T.)
 

   Dezenas de pequenas empresas, como a I.D.E.A., com sede em Londres, mandam, via computador, dados financeiros e análises para assinantes em todo o mundo.  Alguns serviços são bastante sofisticados.  Por exemplo, através da BBN - sigla de Bloomberg Bussiness News (Michael Bloomberg foi operador da Salomon Brothers) -, os operadores têm acesso às opiniões de analistas do mercado de ações, bônus e commodities que comentam as últimas notícias.  Se a IBM, por exemplo, anunciar que está planejando dispensar funcionários, dentro de poucos minutos os analistas da BBN estarão colocando na rede seus comentários sobre a IBM.  Esses analistas dão aos operadores as novas previsões de rentabilidade dos papéis da empresa a curto e longo prazo.  A Bloomberg tem analistas especializadas em centenas de empresas e de mercados.  O serviço manda informações e até boatos à velocidade da luz para os participantes da comunidade financeira mundial.  Embora você não possa fazer transações através da rede BBN, pode obter as informações de que precisa para decidir quanto deve pagar por um produto.

  Da mesma forma, a I.D.E.A. recebe as previsões de dezenas de economistas dos Estados Unidos e do exterior sobre taxas de juros em todo o mundo, balanças comerciais e dados sobre produção.  Através da I.D.E.A. você pode ter uma previsão individual ou uma previsão consensual que seja a média dos vários pronunciamentos.
 

CUSTA CARO SER BEM INFORMADO

   Muitas agências de classificação de crédito, como, por exemplo, a Standard & Poors e a Moody's, também colocam suas informações na rede financeira mundial computadorizada para que sejam facilmente acessadas por qualquer pessoa com um PC e a senha correta.  Os participantes da economia megabyte, estejam eles num escritório em Wall Street, numa estação de esqui em Aspen, Colorado, ou numa choupana nas selvas de Sri Lanka, têm acesso ao talento analítico - se puderem pagar por isso.  Tudo faz parte do que Maurice Estabrooks, autor de Programed Capitalism, chama de “infra-estrutura de informações baseada no computador”.

   E existem as pequenas “butiques” de serviços, como a High Frequency Economics, em New York, com especialistas em avaliações diárias dos eventos econômicos internacionais.  A High Frequency, assim chamada porque emite um novo relatório a cada dia, especializa-se em previsões de taxas de juros; seus clientes são principalmente corretores de títulos que pagam $ 15.000 ou mais por ano por esses serviços.  Carl Weinberg, o economista-chefe da firma, viaja o mundo inteiro com um laptop repleto de fórmulas.  Onde quer que esteja, escreve seus comentários todos os dias, coloca-os no computador da firma em New York e essas informações são mandadas por fax ou por um modem para os clientes do mundo inteiro.
 

TUDO COMEÇOU COM A REUTERS

   Embora haja dezenas de grandes e pequenas firmas vendendo informações financeiras ou oferecendo “pregões” eletrônicos particulares, a empresa que começou tudo foi a Reuters Holdings Plc., com sede em Londres.

   A Reuters, que começou em 1849 como uma empresa que mandava pombos-correios de Aachen para Bruxelas, estabeleceu o primeiro verdadeiro sistema eletrônico de transação com moedas estrangeiras em 1973, dois anos depois que as taxas de câmbio foram liberadas e o padrão megabyte foi inventado.  Ao fazer isso, a Reuters teve a oportunidade de começar a transformação do pregão.  Em vez de trabalharem frente a frente, os corretores hoje - graças à Reuters - têm a possibilidade de ganhar dinheiro sentados diante da tela de um computador.
Com um simples apertar de botão, podem transacionar dólares (ienes, libras, marcos ou o que desejarem) em qualquer parte do mundo.  Reuters foi o primeiro serviço a ligar eletronicamente vendedores e compradores de produtos financeiros, especialmente de moedas, e a oferecer-lhes a oportunidade de fazer uma transação.

   A Reuters percebeu que, como as taxas de câmbio podiam flutuar livremente, os operadores precisavam de informações rápidas.  Eles precisavam saber, por exemplo, o valor do dólar no dia, no momento, em Milão, em Pequim, em Tóquio.  E precisavam saber quanto pagar hoje por um franco suíço que só queriam receber dentro de um ano.

   O chefe da Reuters, Glen Renfrew, um australiano de 65 anos, que começou como repórter na empresa, percebeu a necessidade de fornecer informações aos operadores instantaneamente e de dar-lhes um mecanismo pelo qual pudessem fazer transações.

   A Reuters estava em condições de realizar essa tarefa.  Tinha um currículo único como fornecedora de informações financeiras.  Sua condição de organização coletora de informações, com mais de um século de experiência em cobrir os mercados financeiros do mundo, deu-lhe uma poderosa infra-estrutura global.  E o fato de que possuía uma pequena empresa chamada Stockmaster também ajudou.

   A Stockmaster, embora primitiva pelos padrões de hoje, era um sistema computadorizado pioneiro que dava cotações de ações para investidores e operadores europeus.  Embora pequena, a Stockmaster serviu de plataforma para que a Reuters lançasse a era da informação.

  A Reuters foi fundada em meados de 1840 por Israel Beer Josaphat, um judeu alemão que vivia em Paris e que mudou seu nome para Paul Julius Reuter e converteu-se ao cristianismo.  Originalmente instalada em Paris, a Reuters tinha repórteres que cobriam todo o continente.  Eles mandavam suas histórias através da nova invenção, o telégrafo, e a Reuters vendia essas histórias para os jornais de toda a Europa e, mais tarde, de todo o mundo.  Reuter foi uma das primeiras pessoas a perceber o potencial da eletrônica (de 150 anos atrás) como agente de mudança da maneira de fazer negócios.

   Reuter também percebeu a necessidade de cobrir notícias financeiras.  Nos meados de 1850, sua agência tinha um escritório em Londres que vendia notícias e relatórios financeiros - basicamente sobre as atividades realizadas no continente - para os operadores ingleses e a imprensa de Londres.  Também vendia relatórios sobre as bolsas de valores do continente para os grandes investidores de Londres.

   Cento e vinte anos mais tarde a Reuters estava em toda parte.  A empresa que deu à Europa a notícia do assassinato de Abraham Lincoln tinha terminais e teleimpressores nos jornais de todo o mundo e máquinas Stockmaster em todas as corretores da Europa.

   No início da década de 1970, Glen Renfrew decidiu que a empresa deveria usar sua rede eletrônica global para entrar no ramo de operações de câmbio.  E de corretores em todo o mundo.
Os terminais Monitor não só davam as cotações das moedas, como também traziam as notícias diretamente para a sala de operações.  Despachos dos correspondentes da Reuter em todo o mundo podiam ser acessados através do Monitor.
 
   Pela primeira vez, os corretores não apenas tinham acesso às mesmas informações financeiras, na mesma hora, como também tinham acesso às mesmas notícias.  A rede eletrônica financeira agora ligava não só as mentes, mas também os bolsos.  Os acontecimentos políticos e econômicos podiam ser incluídos em tempo real à complexa base de tomada de decisão dos corretores.

   O serviço Monitor foi um sucesso.  Ele cresceu constantemente durante a década de 1970, mas tinha uma limitação.  Embora transmitisse informações em todo o mundo, era um serviço de mão única.  Você podia comprar informações, mas não podia trocar dinheiro através do Monitor.  As transações ainda tinham que ser feitas através do telefone ou do telex, porque a ligação direta entre duas pessoas na rede exigia um software muito sofisticado.  Havia necessidade também do poder do computador.

   O sofisticado software que transformou o serviço Monitor numa rede de mão dupla só surgiu no fim da década de 1970 e só em 1981 a Reuters lançou um novo sistema chamado Dealing.  Com um terminal Dealing ou um PC, um assinante poderia comunicar-se com outro e realmente efetuar transações.  Uma versão atualizada do Dealing, chamada Dealing 2000, que surgiu em 1990, permite que um operador se comunique e até barganhe com até quatro outros ao mesmo tempo.

   Para suprir o sistema com notícias, além das cotações das moedas, a Reuters tem cerca de 1.400 correspondentes em todo o mundo.  Se você comparar esse número com os cerca de 300 repórteres econômicos, editores e revisores do The Wall Street Jornaul ou os 25 editores e repórteres financeiros e econômicos do The New York Times, fica imediatamente claro que a Reuters, embora não sendo um serviço de profundidade, é, com certeza, uma força.

   Existem hoje mais de 200 mil terminais financeiros da Reuters em uso em mais de 30 mil locais em 120 países.  A empresa também tem mais de 10 mil novos terminais de bolso em uso.  Esses pequenos terminais recebem dados através de freqüências especiais de FM e mostram essas informações em uma tela minúscula.  Os terminais Reuters, equipados com diversos tipos de programas, desde os mais simples, que só dão as cotações das moedas e notícias, até os mais complicados, que permitem que os operadores façam transações com moedas, ações e mesmo contratos de futuros, permitem que a empresa ganhe muito dinheiro.

   O terminal Dealing 2000, por exemplo, pode ser alugado por $ 5.400 por mês.  O terminal Monitor mais simples pode ser alugado por $ 1.800 por mês.  De acordo com o exemplar de 30 de outubro de 1989 da revista Forbes, 40% das transações com moedas do mundo, hoje, são feitas através de máquinas Reuters.
Como cerca de $ 800 milhões são negociados diariamente e a Reuters ganha uma comissão de alguns centavos por transação, boa parte de seu faturamento vem daí.  Em 1991, a empresa faturou cerca de $ 2,3 bilhões.

   Em breve, um novo terminal e produto chamado Money 2000 substituirá o velho sistema Monitor.  O Money 2000 será equipado com um sofisticado programa de análise e será capaz de produzir gráficos e tabelas - e dar conselhos.

   Os sistemas Dealing e Monitor da Reuters funcionam em dois computadores da Vax Digital Equipment Corporation.  Esses computadores de grande porte funcionam em seqüência um faz as transações e o outro é um backup que segue cada passo.  Em Hauppauge, New York, onde estão os computadores, uma floresta de antenas transmite pelo mundo afora as correntes de zeros e uns que todos os computadores usam.  As máquinas processam cerca de um bilhão de transações entre terminais por dia e a transação média leva menos de 25 segundos do começo ao fim.
 

UM MERCADO MENOS QUE PERFEITO

   A Reuters foi a pioneira, mas outras empresas a imitaram.  Embora esses serviços tenham crescido, não substituíram os ruidosos pregões da bolsa.  Ao contrário, aumentaram-nos.  As transações vão para onde possam ser realizadas mais rapidamente e a custos menores.  Vão também para onde as regras e regulamentações são mais favoráveis.  Os operadores que dobram ou violam a lei vão para onde existe menor fiscalização.  Os operadores escrupulosos ficam onde seus negócios estão sob as vistas da fiscalização mais rigorosa.

   Por um lado, o padrão megabyte oferece opções praticamente ilimitadas de movimentar o dinheiro de um mercado para outro.  Por outro, entretanto, bombardeia os participantes com informações que eles muitas vezes têm dificuldade em assimilar.

   Num mundo ideal, dizem os economistas, todos deveriam ter igual acesso às informações.  Com o funcionamento harmonioso dos mercados, isso tomaria as decisões racionais.  O dinheiro fluiria para onde fosse necessário e os preços refletiriam com exatidão o valor de uma empresa, de uma mercadoria, ação ou moeda.

   Não vivemos, porém, num mundo perfeito.  Consequentemente, alguns operadores são mais favorecidos do que outros.  Sanford Grossman, professor de Finanças da Wharton School, escreveu, em Innovation and the markets, que “obter e avaliar informações não é fácil nem barato.  Se uma parte quer vender, existe um custo para que essa informação seja passada para todos os compradores e processada por eles”.  Isso significa que os operadores que podem pagar mais para obter e processar informações têm uma vantagem no mercado, uma vez que o conhecimento - pelo menos o tipo que conta financeiramente - tem um preço.  Se, por exemplo, você quiser investir em títulos e puder pagar $ 15.000 por ano para Carl Weinberg, da High Frequency Economics, você provavelmente terá alguma vantagem em relação a alguém que só pode pagar $ 15 por mês por um jornal diário.
 

   Se você pode gastar $ 5.400 por mês alugando um terminal Dealing, provavelmente terá uma vantagem sobre alguém que só pode ter um PC.  Uma conseqüência dessa lógica é que as firmas mais ricas têm vantagem na hora de fazer um negócio.  E a capacidade de pagar por informações especializadas toma-as mais ricas ainda.

   Essa é uma contradição da era da informação.  Embora a tecnologia relativamente barata tenha tomado a informação acessível, o custo de obtenção da informação é geralmente muito alto.  Consequentemente, embora a informação seja produzida com abundância, seu efeito, até agora, foi concentrar ainda mais a riqueza e o poder.

   Por essas razões, as pessoas individuais deixaram de ser participantes diretos do mercado.  A única maneira que têm para competir com as poderosas firmas - que investem centenas de milhões de dólares por ano em tecnologia, software e informações - é participando de fundos de investimentos como os fundos mútuos.  Em conseqüência disto, a maioria dos mercados hoje é dominada por profissionais.

   Esses mercados dominados por profissionais têm caráter muito diferente dos mercados onde o indivíduo era um participante importante.  Os prazos são mais curtos, o processo de decisões é concentrado e os processos de investimento são mais automatizados do que nunca.  O alto custo da informação reforçou a tendência que favorece as transações rápidas em detrimento do investimento de longo prazo.

   Essas transformações não podem ser revertidas a menos que a informação se tome mais barata, permitindo que os investidores individuais retornem aos mercados como participantes diretos.