A nova rede neural do dinheiro estreou meio repentinamente num domingo, 15 de agosto de 1971, mas as pessoas levaram pelo menos uma década para identificá-la. Foi fruto do imediatismo e não de planejamento cuidadoso, quando Richard M. Nixon, então presidente dos Estados Unidos, foi surpreendido com uma previsão de que haveria uma recessão justamente nos meses anteriores às eleições de novembro de 1972. Nixon também enfrentava uma balança comercial repentinamente deficitária em $ 4 bilhões, uma inflação de quase 5% a.a., uma taxa de desemprego de quase 5% e bilhões de dólares em gastos para sustentar a guerra no Vietnã - circunstâncias alarmantes para a época. Os críticos de Nixon - e eles eram muitos, tanto entre os Republicanos como entre os Democratas - acusavam-no de dirigir mal a economia e exigiam uma atitude.
E foi o que obtiveram. Para recuperar a economia “doente” (pelos padrões de hoje, a doença era um simples resfriado), Dr. Nixon, como foi chamado numa manchete do The New York Times, na ocasião, tentou uma terapia de choque. Num pronunciamento pela televisão - com o lábio superior suado, a voz ressonante -, anunciou que tinha assinado um decreto presidencial congelando os salários e os preços por 90 dias. Disse que ia tentar persuadir o Congresso a tornar as greves ilegais durante aquele período, que tinha imposto uma sobre taxa de 10% sobre automóveis e outros produtos importados e que ia propor ao Congresso um corte no imposto de renda. Disse também que, segundo a linguagem da época, tinha fechado o “guichê do ouro”.
Este último item, o fechamento do guichê do
ouro, embora fizesse parte de uma longa lista de mudanças políticas
absolutamente inúteis, representou o maior desafio para a economia
mundial desde a Grande Depressão: o valor do dólar não
estava mais vinculado à quantidade de ouro em reserva em Fort Knox.
Foi uma mudança de proporções monumentais que não
apenas redefiniu o dinheiro, como também criou uma oportunidade
para se aumentar violentamente a velocidade com que se processavam as transações
entre empresas e países. Criou enonomes possibilidades de
arbitragem e montou o palco para a invenção de milhares de
novos produtos financeiros. Também deu início ao processo
de desassociação entre a economia do “dinheiro” e a economia
real Em conseqüência, disso, mais de duas décadas depois,
não existe equilíbrio entre a economia do dinheiro, em que
as transações visam obter ganhos puramente financeiros ou
especulativos, e a economia real, em que as matérias-primas, os
bens e serviços são produzidos e comercializados. Esse
foi o legado econômico de Nixon.
As mudanças produzidas pelo fechamento do guichê do ouro foram tão drásticas que uma década e meia depois grande parte do sistema financeiro pré-l971 - bancos, instituições de poupança e empréstimo e até o mercado acionário - tinha falido, diminuído as atividades ou simplesmente se tornado obsoleto. Os prejuízos sofridos - $ 500 bilhões pelas instituições de poupança e empréstimos e mais ou menos $ 100 bilhões pelos bancos - foram em parte causados pelo fato de que essas instituições obsoletas estavam competindo num mundo que tinha mudado sensivelmente. Socorro do governo, mudanças drásticas na legislação e a imposição de restrições à nova competição não foram suficientes para salvá-las.
Ao fechar o guichê do ouro, Nixon destruiu o sistema econômico cuidadosamente construído após a Segunda Guerra Mundial e substitui-o pelo que o ex-chanceler alemão Helmut Schmidt, economista e arquiteto do milagre econômico de seu país, chamou de “não-sistema flutuante.” As medidas de Nixon também precipitaram uma crise monetária em todo o mundo e levou os mercados mundiais de crédito ao caos. Em uma semana, o valor do dólar caiu mais de 17% em relação às principais moedas do mundo. Ao mesmo tempo, a espiral de preços nos mercados de ações e títulos subia e descia à medida que os gerentes de carteiras tentavam avaliar as conseqüências do novo não-sistema flutuante.
A nova incerteza e volatilidade do sistema financeiro foram excessivas para os ministros de finanças em todos os países do mundo. Um dia depois do anúncio das medidas tomadas por Nixon, os maiores mercados de comércio exterior do mundo foram temporariamente fechados. Ao mesmo tempo, os governos de todo o mundo que possuíam dólares ou bônus e notas do Tesouro dos Estados Unidos foram obrigados a liquidar esses investimentos sob pena de vê-los perder o valor. Os críticos argumentavam que ao abandonar unilateralmente o padrão ouro, os Estados Unidos estavam cometendo uma forma de extorsão econômica. Normalmente, o governo que emite uma moeda tem a responsabilidade de garantir seu valor internacionalmente. No novo não-sistema, pela primeira vez na história, os credores dos Estados Unidos é que tinham que tratar de manter o dólar forte. Uma vez que possuíam tantos investimentos lastreados em dólar, qualquer queda no valor do dólar significava que seus ativos diminuiriam e, em última instância, o valor de suas moedas também cairia.
De acordo com Michael Hudson, economista especializado
em balança de pagamentos, que trabalhava no Chase Manhattan Bank,
quando o padrão ouro foi abandonado, a transferência do encargo
de manter o valor do dólar para os credores dos Estados Unidos não
foi acidental. “Foi uma decisão política consciente”,
disse ele numa entrevista. Desde aquela época, Hudson abandonou
as finanças privadas para estudar a história da economia.
Antes de Nixon operar sua mágica, a economia do mundo era governada pelos Acordos de Bretton Woods, assim chamados por causa da cidade de Bretton Woods, em New Hampsare, onde foram negociados e assinados em 22 de junho de 1944. O principal aspecto do sistema de Bretton Woods era o fato de que todas as moedas do mundo estavam rigidamente atreladas ao dólar, num sistema de taxas de câmbio fixas. O dólar, no centro do sistema, tinha seu valor firmemente ancorado no ouro. O Tesouro dos Estados Unidos era obrigado por lei a trocar os dólares em poder de qualquer país estrangeiro por ouro, à taxa oficial de $ 35 a onça. O guichê do ouro era o lugar onde os dólares eram resgatados.
Como o dólar era conversível em ouro e todas as outras moedas eram conversíveis em dólar a taxas fixas, o mundo estava definitivamente no padrão ouro, embora ninguém tivesse dito isso oficialmente. Um país só podia expandir suas reservas cambiais se pudesse manter o valor de sua moeda em relação ao dólar lastreado em ouro. Em termos práticos, isso significava que o suprimento de dinheiro do mundo expandia mais ou menos à mesma taxa que o crescimento real. Dólares, francos, libras, liras eram produzidos corforme fossem necessários para o crescimento ordenado da produção e do comércio. A economia real e a economia financeira cresciam e contraíam juntas. Estavam equilibradas sobre uma base de ouro.
Um suprimento de dinheiro que cresce ao mesmo ritmo que o suprimento de mão-de-obra, bens e serviços mantém os preços estáveis. Isto porque uma regra simples, mas fundamental, da economia diz que, quando existe muito dinheiro, os preços sobem para absorvê-lo; quando existe muito pouco dinheiro disponível, os preços caem. Esta regra diz que o dinheiro, como tudo no mundo, vale mais quando é escasso do que quando é abundante. E também diz o que a maioria das pessoas sabe intuitivamente: a inflação é, em grande parte, uma simples conseqüência da emissão exagerada de dinheiro. A deflação é o oposto. Quando essas idéias foram combinadas com certos dados históricos, alguns sistemas de equações e um nome sofisticado deram a Milton Friedman, um economista monetalista de Chicago, o Prêmio Nobel em Ciências Econômicas, em 1976.
Esta idéia também estava no cerme dos Acordos de Bretton Woods. A lembrança da hiperinflação alemã, no periodo anterior à Segunda Grande Guerra, ainda estava fresca na memória dos economistas que negociaram o acordo. Esperava-se que a âncora do ouro e as taxas de câmbio fixas seriam capazes de impedir o surgimento de outra inflação. Esperava-se que a limitação da quantidade de dólar que podia ser emitido funcionaria como um freio econômico e manteria o sistema íntegro. Esperava-se que o dinheiro só seria criado à medida que a economia real se expandisse ou mais ouro fosse descoberto. Não se esperava que o dinheiro fosse criado arbitrariamente ou quando a economia precisasse de um empurrão. A criação do dinheiro seria intencionalmente limitada a fim de manter os preços estáveis.
O sistema de Bretton Woods tinha certa flexibilidade, que era parte de sua elegância: nem todo dólar precisava ter o lastro de 1/35 de onça de ouro antes de ser impresso ou produzido de qualquer outra forma. Se a economia real produzisse os bens e serviços e as oportunidades de investimentos que as pessoas realmente desejavam e se elas tivessem confiança no sistema, não iriam querer trocar dólar por ouro. O ouro era uma âncora, não um meio de investimento ou de troca. Consequentemente, a economia mundial talvez só precisasse que um em cada oito ou dez dólares fosse lastreado em ouro. Ninguém jamais definiu uma proporção exata.
Durante mais ou menos 30 anos, os Acordos de Bretton Woods,
garantiram um ambiente estável. A economia mundial cresceu
cerca de 7,47% ao ano durante os anos dourados de 1950. Os preços
do petróleo e de outras commodities permaneceram estáveis
por mais de 20 anos. As taxas de juros ficariam entre 3% e 4,5% a.a.,
a inflação foi praticamente nula, as hipotecas e outras formas
de financiamentos tinham taxas baixas e fixas e o valor do dólar
era determinado por lei. Era o ambiente perfeito para investir em
tecnologia para aumento da produtividade a longo prazo e para aumentar
a capacidade instalada. E com a produtividade crescendo enquanto
outros custos permaneciam mais ou menos fixos, os salários puderam
ser aumentados sem prejudicar o resultado financeiro das empresas.
Durante essas décadas de estabilidade sob o sistema de Bretton Woods,
bilhões de pessoas em todo o mundo saíram da pobreza abjeta
e subiram para a classe média.
Durante a era Bretton Woods, as empresas americanas eram consideradas as mestras do planejamento a longo prazo. Não que seus líderes fossem mais inteligentes do que os líderes de hoje ou que tivessem uma mentalidade sensivelmente diferente. A estabilidade do sistema de Bretton Woods, ao contrário da volatilidade do “não-sistema flutuante” de hoje, recompensava generosamente os líderes empresariais por pensarem no futuro. Recompensava-os por investirem no futuro. Era um sistema estritamente gerenciado e manteve constantes os preços do petróleo, as taxas de juros, as taxas de câmbio e os preços das commodities desde os primeiros dias de 1950 até meados de 1971. Sabendo que os preços se manteriam estáveis, os líderes empresariais sabiam exatamente quanto lucrariam ao investir no futuro. Sem dúvida os anos 50 e 60 foram décadas de otimismo e esperança. Sem dúvida, foram décadas de rápido crescimento econômico.
Havia, porém, um problema com o sistema de Bretton Woods que acabou levando-o ao fracasso e levando Nixon a abandonar suas regras. O problema era o seguinte: o sistema de Bretton Woods exigia demais de seu líder, os Estados Unidos. Exigia não apenas que os Estados Unidos assunússem o papel de gerente financeiro do mundo, mas também que policiassem o mundo. O papel de policial global era simplesmente insustentável para um país, mesmo um país rico, produtivo e poderoso como os Estados Unidos do pós-guerra. Era também incrivelmente caro.
Os contribuintes americanos podiam mandar seus filhos para a guerra, mas sentiam ter que mandar seu dinheiro para Washington para financiar as guerras. Consequentemente, os políticos americanos sustentavam a ordem mundial não através de impostos, mas de empréstimos ou simples emissão de dinheiro. Os presidentes Kennedy e Nixon (assim como Ronald Reagan duas décadas depois) diminuíram os impostos e ao mesmo tempo aumentaram os gastos com defesa.
Durante a maior parte da era Bretton Woods, os Estados Unidos tiveram tropas estacionadas nos cinco continentes. Em seu auge, só no Vietnã, 589.000 soldados americanos estavam empenhados numa guerra invencível, sofrendo pesadas baixas e grandes prejuízos materiais. Outros 600.000 a 800.000 soldados, conforme o ano, estavam estacionados em outras partes da Ásia e na Europa, e outros milhares navegando pelos oceanos mundo afora nos seiscentos navios da Marinha norte-americana. Centenas de aviões da Força Aérea e dezenas de milhares de pessoas de apoio também estavam estacionados no exterior. outros milhares estavam estacionados em postos de escuta eletrônicos no Irã, Etiópia, Turquia e Austrália. Mais meio milhão de tropas nos Estados Unidos faziam rodízio regular no exterior. E havia ainda os integrantes da reserva.
Essas tropas tinham que receber provisões, apoio, cuidados e tudo isto tinha que ser pago. Era preciso mandar suprimentos para o exterior, construir bases e pagar as empreiteiras - em dólar.
Para dar apoio às tropas e aos compromissos dos Estados Unidos no exterior, portos tiveram que ser ampliados e pistas de pouso e decolagem tiveram que receber manutenção. Estradas tiveram que ser pavimentadas, poços tiveram que ser perfurados, redes de esgoto tiveram que ser construídas e eletricidade teve que ser produzida. Alimentos e combustível tiveram que ser comprados, suprimentos tiveram que ser transportados e estocados com segurança em armazéns localizados em todo o mundo. A defesa do sistema mundial do pós-guerra foi uma empreitada extraordinária.
Os soldados norte-americanos também tinham que ter dólares para gastar quando estavam de licença na Ásia e na Europa. Precisavam de dólares para comprar cartões postais, alimentos, máquinas fotográficas, rádios, televisões, aparelhos de som e para pagar suas diversões, bebidas, presentes, festas e suas extravagâncias. Onde quer que esses dólares fossem gastos, eram acumulados como um fundo de capital que ia crescendo lentamente. Cada fundo alimentava os investimentos dos concorrentes em fábricas, escolas e serviços. Coréia, Singapura, Taiwan, Hong Kong e mesmo o Japão usaram esse capital para alimentar seu desenvolvimento. Não é por acaso que os Estados Unidos hoje têm imensos déficits anuais na balança de comércio com cada um desses países.
A maior parte do dinheiro usado para pagar aqueles gastos foi tomada emprestada ou simplesmente emitida. A emissão foi feita a um ritmo muito mais acelerado do que o do crescimento da economia real. Com tantos dólares sendo impressos, começaram a surgir as pressões inflacionárias e a economia monetária cresceu.
Em 1971, o custo da Guerra do Vietnã, somado ao
constante custo de defender e manter o sistema econômico do pós-guerra,
tinha exaurido a economia americana e também transferido bilhões
de dólares lastreados em ouro para o exterior. Tanto dólar
tinha sido impresso que, em 1965, havia $ 100 bilhões em mãos
estrangeiras. Os líderes europeus, especialmente Charles de
Galle, começaram a manifestar suas preocupações.
Em 1965, de Gaulle começou a sustentar que os Estados Unidos já
não podiam garantir o valor do dólar em ouro. Ele e
alguns outros líderes percebiam claramente que os Estados Unidos
já não eram o prudente e disciplinado tutor que o sistema
de Bretton Woods exigia. Estava claro que o colapso do dólar-ouro
era uma questão de tempo.
Enquanto os Estados Unidos cumpriam suas responsabilidades militares durante os anos 60, a economia estava mudando de uma forma que também minava o sistema. As empresas estavam mudando cada vez mais sua produção para o exterior, investindo na Europa, América Latina e Ásia para aproveitar a mão-de-obra barata. Embora as empresas americanas continuassem a produzir 25% dos produtos industrializados do mundo, a parcela produzida internamente diminuía. Isto significava que, quando um estrangeiro comprava um produto americano, menos dólares voltavam para os Estados Unidos. Muitos dólares ficavam no exterior para pagar os trabalhadores estrangeiros dos Estados Unidos. E quando um americano comprava uma televisão, feita por uma empresa americana em Taiwan, parte do dinheiro ficava nos Estados Unidos, mas mais dólares lastreados em ouro iam para fora.
De acordo com Seymour Melman, um emérito professor de engenharia industrial da Universidade de Columbia e especialista em economia civil e militar dos Estados Unidos, “indústrias inteiras foram exportadas” durante os anos 60.
Melman, um homem de fala macia, também consegue ser um inflamado debatedor. Munido de um conhecimento enciclopédico do que torna um país industrialmente competitivo, ele também é especialista em máquinas industriais. Embora essas prosaicas máquinas de cortar e modelar metais não sejam o elemento mais charmoso da economia de uma nação, elas são seguramente um dos mais importantes. Sem elas nenhuma atividade industrial pode acontecer. De certa forma, a saúde da indústria de maquinário de um país é um parâmetro de sua saúde geral.
Nos anos 60, Melman estudou a indústria de máquinas industriais da União Soviética. Voltou de lá pensando que talvez o antigo primeiro-ministro Nikita Khrushchev tivesse razão: a Rússia enterraria os Estados Unidos. Sua indústria de máquinas industriais talvez fosse a mais adiantada do mundo. Um relatório escrito por Melman sobre o poder industrial da Rússia foi para a primeira página do The New York Times pouco antes da visita de Khrushchev aos Estados Unidos em 1962.
Quando Melman voltou à União Soviética, nos tempos de Mikhail Gorbachev, encontrou sua indústria de maquinário em ruínas. Ao impedir o uso de computadores, no intuito de controlar o país e manter a informação nas mãos de uns poucos, os burocratas russos deixaram de dar um grande salto em tecnologia industrial. Ficaram para trás em termos de automação e robotização e arruinaram sua economia. De líderes mundiais em máquinas industriais nos anos 60, passaram para a retaguarda do resto do mundo nos anos 80. Para Melman o colapso da economia soviética não foi nenhuma surpresa. Ele podia ser facilmente vislumbrado na erosão de sua economia real.
Na opinião de Melman, contudo, o prejuízo não se limitou à União Soviética. O outro líder do mundo do pós-guerra, os Estados Unidos, também cometeu erros. Em seu livro Profits without production, Melman mostrou como a indústria de máquinas industriais dos Estados Unidos também perdera competitividade, não por falta de computadores, mas, porque os pedidos do exército tornaram muito mais lucrativo para os fabricantes produzir máquinas especializadas para a defesa do que produzir em massa máquinas para aplicações industriais mais amplas. Em conseqüência, poucas empresas americanas fazem robôs ou ferramentas de primeira linha para cortar e moldar metais. A General Motors, a Ford e a Chrysler, que estão entre os maiores compradores de maquinário, estão usando cada vez mais produtos importados. Os importados, mais baratos e mais versáteis, tiraram as oportunidades das empresas americanas. E agora que não contam mais com um enorme orçamento de defesa, não se sabe quantos fabricantes americanos de máquinas vão sobreviver.
A indústria de máquinas, juntamente com dezenas de outras, mal existem nos Estados Unidos. De acordo com Melman, “a indústria de eletro-eletrônicos, de máquinas industriais, a fabricação de equipamentos para metrô e transporte ferroviário, a indústria de construção naval, a indústria têxtil e a siderurgia acabaram”. A maioria delas deixou de existir em meados de 1970 quando os importados se tomaram comuns.
Além disso, muitas das indústrias que restaram nos Estados Unidos mudaram sua produção de bens civis - que poderiam ser exportados para trazer de volta os dólares que estão enfraquecendo no exterior - para materiais de guerra, que são mais lucrativos. Deixando de lado a questão ética, a maior parte das armas foi doada, ou vendida a preços preferenciais ou limitadas à Nato ou às tropas americanas. Consequentemente, embora os gastos com defesa tenham sido imensos e as exportações consideráveis, esses produtos raramente trouxeram de volta os dólares mantidos no exterior. Os Estados Unidos continuam, entretanto, construindo enormes reservas de capital no exterior - dinheiro que poderia ser tomado emprestado, muitas vezes a juros incrivelmente baixos.
Quais foram os custos de ser policial do mundo? Quase $ 7 trilhões durante o período de Bretton Woods, de acordo com Melman. Grande parte desses $ 7 trilhões foi paga simplesmente emitindo dinheiro ($ 2 trilhões ainda não foram pagos).
O que significa esse imenso gasto em termos humanos?
Desde o fim da Segunda Grande Guerra até a renúncia de Nixon,
em 1973, “o exército consumiu recursos suficientes para reconstruir
tudo que foi feito pelo homem nos Estados Unidos”, disse Melman.
“Isto significa que toda a infra-estrutura industrial dos Estados Unidos
poderia ter sido reconstada dos alicerces. Todas as fábricas,
estradas, aeroportos, portos, pontes, tudo que existe hoje poderia ter
sido feito de novo. Imagine o efeito que isto teria tido sobre a
competitividade.”
As reservas estrangeiras de dólar cresceram muito rapidamente. Em 1968, os estrangeiros tinham cerca de $ 150 bilhões, embora o número exato seja muito difícil de se calcular. E embora boa parte desses dólares tenha sido simplesmente emitida ou tomada emprestada, a obrigação de trocá-los por ouro permanecia. Naquela época, $ 150 bilhões eqüivalia a cerca de 10% da renda total anual dos Estados Unidos.
Esses dólares não eram os dólares megabyte, peso leve de hoje. Trinta e cinco dólares de Bretton Woods compravam uma onça de ouro; 1.000 dólares compravam um Toyota; 8.000 dólares compravam o melhor carro Mercedes-Benz; e 6.000 dólares, o melhor Cadillac, que era o padrão de luxo do mundo na época. Em quase todo o país ainda se podia comprar uma boa casa de classe média por cerca de $ 20.000, financiada a juros de 4 ou 5% a.a. O americano médio ganhava entre $ 7.000 e $ 9.000 por ano e cada família de quatro pessoas precisava de apenas um assalariado para viver confortavelmente.
Embora os estrangeiros tivessem uma grande reserva de dinheiro, a economia americana era ainda mais vasta e podia oferecer os tipos de produtos e de investimentos que mantinham esses estrangeiros comprando seus produtos e não seu ouro.
Por volta de 1971, as reservas estrangeiras de dólar superaram a casa de $ 300 bilhões. Esse dinheiro seria suficiente para pagar os salários, de metade da força de trabalho americana por um ano e era mais do que se ganhava em toda a Alemanha e França juntas num ano. O problema era que, enquanto os estrangeiros tinham US$ 300 bilhões, o governo dos Estados Unidos só tinha o equivalente a $ 14 bilhões em ouro em seus cofres em Fort Knox. Para cada dólar em ouro que os Estados Unidos tinham, os estrangeiros tinham $ 22 dólares para resgatar. E com a Guerra do Vietnã se arrastando e a confiança nos Estados Unidos se deteriorando, os estrangeiros quiseram converter dólares demais em ouro.
Com tantos dólares impressos para pagar os compromissos dos Estados Unidos como policiais do mundo e com tantas indústrias transferidas para o exterior, o sistema de Bretton Woods tinha que acabar.
O Dr. Nixon concebeu seu remédio para tratar a economia
enferma - e convulsionar o mundo - em completo segredo. Só
depois que as mudanças foram anunciadas é que se dignou mandar
um de seus altos assessores econômicos, Paul A. Volcker, na época
um simples subsecretário do Tesouro, para a Europa para explicar
o que ele tinha feito.
Décadas de estabilidade foram substituídas pela volatilidade
do nanossegmdo. Taxas de câmbio fixas foram substituídas por
taxas altamente flexíveis. Taxas de juros subiram e caíram
como numa gangorra. Os preços da maior parte das commodities
dispararam, puxando outros preços. E uma geração
depois, quando não existia mais nem resquícios de disciplina,
Ronald Reagan deixou o que restava do sistema financeiro americano ruir
e desintegrar-se sob uma montanha de dívidas.
Muitas pessoas se perguntam se Bretton Woods poderia ter
sido mantido se o governo dos Estados Unidos tivesse aumentado os impostos
em vez de tomar empréstimos ou simplesmente emitir dinheiro para
financiar a guerra no Vietnã e alguns outros programas. A
resposta é provavelmente sim. O velho e estável sistema
de Bretton Woods foi feito para durar muitas gerações.
Tudo o que ele precisava era de gerenciamento prudente para manter os preços
estáveis e as taxas de crescimento real altas. Tudo o que
precisava era que os presidentes Kennedy, Johnson e Nixon fossem mais responsáveis
e mais dispostos a pedir ao povo que pagasse pelos serviços que
os Estados Unidos estavam prestando ao mundo. Ao contrário,
porém, enquanto os gastos aumentaram, os impostos baixaram e o valor
do dólar ficou minado. O sistema de Bretton Woods não
fracassou devido a suas próprias deficiências.
1. Um nanossegundo é igual a um bilionésimo de segundo.(N.T.)
O que o fez fracassar? “Os Estados Unidos arruinaram
a posição do dólar como base do sistema de Bretton
Woods”, disse o ex-Chanceler Helmut Schmidt em The way it was: an
oral history of finance, 1967-1987. Fizeram isso “financiando a Guerra
do Vietnã”.
No dia 15 de agosto de 1971, o dinheiro - no sentido antigo, tradicional foi abolido. O Dr. Nixon transformou-o em algo totalmente novo, uma moeda sem qualquer valor subjacente e sem quaisquer limitações da capacidade do governo (ou do setor privado) para criá-lo. Nixon tornou o dinheiro - tradicionalmente um símbolo da riqueza real, tangível - numa abstração deturpada.
“O dólar tornou-se um argumento circular” disse David Ranson da Universidade de Oxford e de Chicago - experiente economista chefe da Wainwright Economics em Boston. “Ele ainda é uma promessa de pagamento. Mas pagamento do quê para quem?”
Esta é uma pergunta intrigante que ainda não
foi respondida.

