RESERVA DE VALOR:
Por que o Dinheiro Megabyte se Comporta
Diferentemente do Dinheiro Lastreado em Ouro e
por que os Economistas não Reconhecem este Fato
 

   Pergunte a quem conhece o dinheiro megabyte quais são suas melhores características e você provavelmente ouvirá um longo rosário de vantagens: é um excelente veículo para transações, apesar de - ou talvez devido a - sua falta de valor intrínseco. É uma unidade contábil soberba, apesar de sua separação em relação à economia real.  Pode ser movimentado rapidamente e com facilidade. Pode ser impresso magneticamente numa fita de computador e pode ser convertido de uma moeda para outra numa fração de segundo.  Pode ser negociado rapidamente nos mercados de todo o mundo e transformado quase instantaneamente de bônus em ações ou em opções e contratos de futuros.  Ele praticamente não ocupa espaço, pode ser contado automaticamente e nunca estraga, corrói ou perde a cor.

   Pergunte, entretanto, qual é seu ponto fraco, e você provavelmente ouvirá o seguinte: o dinheiro eletrônico é um mau mecanismo de reserva de seu poder de compra.  Para preservar cada unidade de poder de compra é preciso mais dinheiro a cada ano.

   As antigas moedas lastreadas em ouro, com seus elos com a economia real, eram excelentes reservas de valor.  Essa era a função do ouro.  Em épocas de expansão ou de retração, as pessoas sempre podiam ter certeza de que uma onça de ouro compraria um bom terno masculino, ou pelo menos é o que diz a lenda.  Isto não acontece com os novos dólares eletrônicos.  Com o passar do tempo, o dinheiro megabyte sempre perde poder aquisitivo.
 

O QUE É INFLAÇÃO, ENTÃO?

   A maioria dos economistas admite que os preços perderam a estabilidade desde que a nova moeda passou a existir.  Culpam, porém, a inflação: muito dinheiro procurando muito poucos bens faz os preços subirem, dizem eles.  Uma velha definição de um velho fantasma.

   A inflação certamente é parte do problema, mas não é tudo.  De fato, os economistas mais antiquados não conseguem ver a ligação entre alta de preços - da ordem de 500% desde 1971 - e as novas moedas eletrônicas.  As políticas sugeridas por eles e adotadas em todos os níveis do governo, além de produzir uma recessão, foram incapazes de acabar com os aumentos de preços.

   Uma exceção: Richard D. Bartel, antigo assessor econômico da Comissão Econômica do Congresso, ficou isolado quando, na primavera de 1988, disse que, dentro da nova ordem mundial, os economistas já não entendiam as causas da inflação.
Bartel, que é editor da Challenge, a mais influente revista para economistas, foi mais longe a ponto de dizer a um grupo reunido no prestigioso Levy Economics Institute, no Bard College, que está na hora de começar a estudar as causas da inflação de uma forma diferente.

   Bartel é cuidadoso, preciso, um pensador original, doutor por Princeton, teve uma passagem pelo serviço de inteligência do exército americano, e uma carreira em Capitol Hill.  Ele disse àquele grupo, que incluía economistas de Wall Street e economistas acadêmicos, como o ganhador do Prêmio Nobel, James Tobin, de Yale, que não existe atualmente uma teoria da inflação adequada para descrever suas causas e nenhum conjunto de medidas capazes de corrigi-la. Os velhos remédios já não funcionam nesta nova economia global, disse ele.

   Alguns economistas nas universidades e em Wall Street estão começando a concordar com Bartel.  Edward Yardeni, o influente economista chefe da C.J. Lawrence em New York, está tentando montar um modelo conceitual do que chama de “Nova Economia”.

   Yardeni, que estudou em Universidade de Cornell e obteve o grau de Ph.D. pela Universidade de Yale sob orientação do Prêmio Nobel, Tobin, está tentando reformular a Economia para levar em consideração a natureza global dos mercados, das moedas e do comércio.  Sua formulação tem como premissa básica a unidade dos mercados mundiais - isto é, que um mundo em que o capital pode fluir livremente através das fronteiras entre países e entre empresas é de certa forma diferente do mundo que existia antes.  Num mundo em que os aplicadores podem investir em mais de dez mil empresas cotadas nas bolsas de valores dos 20 maiores países, com a mesma facilidade, e podem comprar milhares de diferentes moedas internacionais, futuros, bônus e opções através de qualquer grande banco de investimento, as regras têm que ser diferentes.  Do ponto de vista de Yardeni, a inflação, o crescimento, o dinheiro e a recessão têm que ser repensados.
 

UMA EXPLOSÃO ESPECULATIVA GLOBAL

   Até certo ponto, a economia megabyte é tão diferente porque muito dinheiro muda de mãos diariamente nos grandes mercados especulativos do mundo.  Por exemplo, Kenichi Ohmae, o economista-chefe da consultora McKinsey & Company, de Tóquio, estima que de $ 20 a $ 25 bilhões em moedas estrangeiras são trocados diariamente nos mercados de câmbio para cobrir o comércio global de bens e serviços.

   Esta cifra enorme é mais do que suficiente para cobrir todos os Toyotas embarcados do Japão para os Estados Unidos e Europa, todos os disk drives despachados de San Diego para Tóquio e todas as passagens de vôos internacionais vendidas em 1991. É suficiente para cobrir todos os carregamentos internacionais de grãos e todo petróleo, carvão e minério vendidos diariamente nos mercados, globais durante um ano.

   Mesmo essa cifra tão alta, entretanto, ainda é uma pequena fração dos $ 800 bilhões que mudam de mãos diariamente nos mercados de moedas.  Ohmae e outros acham que a maior parte desses $ 800 bilhões em moedas negociados diariamente referem-se a investimentos especulativos de curtíssimo prazo - de algumas horas ou de poucos dias a no máximo algumas semanas.

   Referem-se à compra e venda de opções, especulação com ações e transações com taxas de juros.  Referem-se também a transações com câmbio a curto prazo, onde um investidor compra um produto, como, por exemplo, bônus ou moedas estrangeiras, a uma taxa de câmbio na esperança de vender com lucro a outra taxa de câmbio, às vezes simultaneamente, graças à eletrônica.

   Contra este imenso pano de fundo de $ 800 bilhões, as transações reais são, na verdade, pequenas.  A economia financeira, que costumava ser a cauda, agora é o cachorro.  E ela flutua muito.

   Em comparação com essas transações puramente financeiras, a venda diária de um ou dois Boeing 747, de alguns milhões de barris de petróleo, ou de um ou dois Supercomputadores Cray é uma ninharia.  Os investidores que controlam os fundos de capital especificativo do mundo mal tomam conhecimento da venda desses artigos.  E embora as exportações reais dos Estados Unidos se tenham recuperado recentemente, ainda totalizam menos num ano do que o volume de negócios realizados até a hora do almoço nos mercados especulativos de todo o mundo.
 

DECIDINDO O QUE É IMPORTANTE

   Os gerentes de carteiras de investimento que trocam dólares por marcos e ienes diariamente estão buscando retomo sobre o investimento.  Querem proteger o poder de compra geral de seus portifólios.  Por isso, os dados que examinam em primeiro lugar são os puramente financeiros: taxas de juros, nível dos mercados de ações, bônus e futuros e também o nível geral de endividamento governamental e privado.

   Do ponto de vista deles a economia pode realmente ser resumida através desses números.  Desemprego, balança de comércio, vendas a varejo, vendas de maquinário e de bens duráveis - os indicadores usados pelos antigos economistas - só têm importância à medida que afetam os mercados.

   Para os principiantes, isto significa que os principais atores da economia eletrônica global reagem a dados completamente diferentes daqueles a que o resto de nós reage.  E como são, de longe, os maiores agentes econômicos do país (e do mundo) - para cada dólar da economia real são movimentados de $ 20 a $ 50 (ninguém sabe ao certo) na economia financeira, o que eles dizem é respeitado.  Consequentemente, a especulação tem mais influência sobre a atividade econômica de cada país do que geralmente se imagina.

   Especulação significa mudança abrupta.  O dinheiro flui rapidamente para um mercado em ascensão e foge com a mesma rapidez quando o mercado começa a cair.  A tecnologia aumenta a velocidade desses movimentos.  O mesmo fazem as complicadas equações financeiras que a maioria dos grandes gerentes financeiros usa atualmente.  A volatilidade e a instabilidade de todos os mercados mundiais de dinheiro, ações, bônus e futuros estão aumentando.

    Essas flutuações trazem mais incerteza ao mundo, o que, afinal de contas, é a condição em que especuladores atuam.  Sem mercados voláteis não haveria especulação, pois, para haver ganhadores nos mercados de especulação é preciso haver perdedores.  Para haver grandes ganhos é preciso haver grandes altas e grandes baixas.  Nenhum investidor se contenta mais com os simples juros pagos por um título.  Ele quer ganhar mais comercializando o título.  E nenhum investidor se contenta em ganhar apenas os dividendos de uma ação e uma leve valorização de seu ativo.  Ele quer (e precisa) ganhar mais porque, com o dinheiro da venda de uma ação, compra menos que uma.  Ele procura aumentar seu ganho comprando e vendendo um produto com mais freqüência.  E procura ganhar mais usando estratégias de comercialização mais novas, mais inovadoras.  Quase todos os mercados agora são movidos não por oportunidades de investimento - como no passado -, mas por oportunidades de fazer transações.

    A instabilidade e a incerteza desses mercados, contudo, agora prevalecem na economia real também.  O motivo é que a economia real e a especulativa se interceptam em diversos pontos importantes.  Encontram-se, por exemplo, nas taxas de juros.  Taxas de juros do mercado futuro, títulos garantidos por hipotecas, e bônus e notas do Tesouro são produtos especulativos importantes que são negociados eletronicamente.  O desempenho desses papéis nos mercados especulativos, porém, também afeta a capacidade da economia real de tomar empréstimos, expandir-se e adaptar-se à mudança.  Altas taxas de juros impedem o crescimento da economia real.  Taxas voláteis levam os investidores da economia real, como potenciais compradores de carro ou de casa, a pensar em termos de prazos mais curtos ou mesmo desistir de vez da compra.  Para o especulador, contudo, taxa de juros volátil significa oportunidade para ganhar dinheiro.

    As duas economia também se encontram nas taxas de câmbio.  Os produtos mais tangíveis já não são feitos em um único lugar do mundo.  Ao contrário, são montagens de peças feitas em todo o mundo.  Os carros, computadores, aviões - independentemente de qual é a empresa que os produz - são feitos com parte substancial de peças importadas devido ao êxodo das fábricas e dos capitais americanos há duas décadas.  As altas e baixas no valor de moedas, causadas pelo mercado de $ 800 bilhões diários, afetam o custo dessas peças.  Seus valores flutuam diariamente e isso afeta as margens de lucro na economia real.

    Naturalmente, as duas economias também se interceptam nos preços das ações, dos bônus, dos contratos de futuros de produtos financeiros e de commodities, e, às vezes, em opções, garantias e outros produtos derivativos.  Como as duas economia têm tantos pontos de articulação, a incerteza que acompanha a especulação tem passado para a economia real, causando transtornos.  Sua presença trouxe um aumento de custos e um sentimento geral de desconforto.

OS ESPECULADORES NAS FOLHAS DE PAGAMENTO

   Todas as grandes empresas internacionais têm especuladores em seus quadros de pessoal, embora não os chamem de especuladores.  A General Electric, a IBM, a General Motors e outras grandes empresas americanas e internacionais empregam economistas para prever taxas de juros.  A maioria delas também tem corretores de moedas estrangeiras ou contratos com firmas e bancos de investimentos que atuam como seus corretores de moeda estrangeira.  E algumas dessas empresas têm corretores que são também estrategistas, que desenvolvem programas para cobrir os riscos envolvidos nas transações feitas com taxas de câmbio que flutuam constantemente.

   Para se protegerem, essas empresas da economia real - especialmente fabricantes - são forçadas a entrar no arriscado mundo dos produtos futuros.  São forçadas a comprar e a vender contratos de moedas estrangeiras, por exemplo.  E compram taxas de juros sob forma de contratos de futuros sobre bônus e notas do governo e sobre hipotecas.  Para evitar fortes baixas nos preços de suas ações, algumas até especulam em opções e warrants1. Consequentemente, para ser um fabricante, você também precisa ser um engenheiro financeiro.  E precisa usar todo o leque de novos produtos.

   As empresas já não podem deixar seu dinheiro numa conta bancária, rendendo juros.  Toda tarde, os computadores “varrem” essas contas e aplicam o dinheiro onde o rendimento for maior.

   Nem podem mais simplesmente conservar ações para ganhar dividendos e valorização.  Cada vez mais, as empresas da economia real estão empregando os computadores para comprar e vender portifólios em muitos mercados.  Consequentemente, são forçadas a entrar de cabeça na economia financeira usando técnicas, como:

Black box: sistema de transações que usa fórmulas matemáticas para tomar decisões;

Matrix trading: compara continuamente a rentabilidade de bônus com a rentabilidade de ações;

Pairs trading: usa computadores para comprar uma ação e vender outra do mesmo setor;

Cross trading: programas que analisam diferentes relações entre diferentes conjuntos de papéis mobiliários;

Straddles: técnica em que ações são simultaneamente compradas numa bolsa de valores e vendidas em outra;

Swaps: técnica que consiste em constante troca entre títulos de curto e de longo prazo.  E ainda existem outras técnicas.

As empresas já não mais conservam simplesmente - seus empréstimos não pagos.  Agora trocam-nos por suas taxas de juros.

   As empresas deixaram de simplesmente comprar moedas estrangeiras.  Elas negociam moedas no mercado mundial de capitais e cobrem o risco com contratos de moedas comprados no mercado de futuros.
 

1 . Documento legal, emitido por uma empresa para um acionista, declarando que o portador do documento tem direito a certo número de ações da companhia.  O nome do acionista não é mencionado.  O documento é negociável. (N.T.)
 

   E as empresas já não podem simplesmente hipotecar propriedades e terra ou tomar dinheiro emprestado de grandes bancos comerciais.  Agora, elas mesmas vão cada vez mais aos mercados de crédito, através da emissão de notar, promissórias comerciais - uma forma de título não garantido - que são compradas por investidores que negociam esses papéis entre si.

   Todas estas técnicas, e mais algumas outras, transformaram os negócios, fazendo com que empresas da economia real atuem mais como empresas da economia financeira. À medida que as distinções se tomam menos nítidas, as empresas até esquecem o que são, como aconteceu com a American Can Corporation, a maior fabricante de embalagens dos Estados Unidos, que, sob a direção de Jerry Tsai, transformou-se na Primeira, uma companhia de seguros e de produtos financeiros.  Ou quando os lucros da Ford Motor Company são garantidos não pela excelência de seus processos de fabricação, mas pela saúde de sua Ford Credit Corporation, que é muito ativa no mercado financeiro especulativo.  Ou quando a General Electric Corporation, uma das maiores indústrias dos Estados Unidos, se desfaz de sua subsidiária de eletro-eletrônicos para se concentrar mais fortemente na transformação da General Electric Credit Corporation num grande agente financeiro.  Estas maquinações devem deixar os administradores com saudades dos anos 50 e 60, quando o dinheiro, os preços e as taxas de juros eram estáveis.

   Para uma grande corporação, concentrar-se em finanças não é necessariamente uma desvantagem.  Pode-se ganhar muito dinheiro com finanças, o que, por sua vez, pode gerar recursos para o resto da empresa.  Entretanto, para que os salários, que estão estagnados há anos, possam crescer e para que os Estados Unidos possam continuar a ser um país próspero e capaz de competir com todo o mundo, é preciso que as empresas da economia real também tenham um bom desempenho.  Essas empresas têm que se sair bem porque é aí que os salários são mais altos, e salários mais altos significam padrão de vida mais alto. É daí também que sai o grosso das exportações dos Estados Unidos.
 

O CUSTO DA VOLATILIDADE

   Ninguém sabe ao certo o quanto toda essa incerteza especulativa custa para a economia real, mas a incerteza sempre tem um preço.  Os indivíduos e as empresas tendem a proteger-se contra os caprichos do futuro, aumentando os preços para cobrir prejuízos esperados ou potenciais.  Elas não baixam os preços quando enfrentam a incerteza.
A volatilidade da economia eletrônica provavelmente aumenta em alguns, ou talvez vários pontos percentuais anuais o custo dos negócios.  Ninguém sabe ao certo.  Estes aumentos de custo circulam por toda a economia.

   Os custos não são estáticos.  Aumentam à medida que a volatilidade aumenta, e ela tem aumentado.  Consequentemente, proteger-se contra a incerteza financeira global pode não ser tão caro quanto fazer seguro contra enchente, incêndio, roubo e terceiros.  Assim como os custos de seguro físico continuam a subir, os custos do seguro financeiro na era da informação também estão subindo.

   Esse cabo-de-guerra entre a economia real e a economia especulativa, ao mesmo tempo que aumenta os custos para a economia real, gera lucros para a economia especulativa.  As duas estão, de certa forma, em conflito uma com a outra; não sempre, mas geralmente.  E elas interagem de maneira que ainda não entendemos totalmente.

   Seriam os custos da incerteza e os custos da volatilidade do mercado internacional suficientes para explicar a persistente inflação de 4% ao ano?  Uma taxa que não cede, sejam quais forem as políticas adotadas pelo Congresso, a Administração e o Federal Reserve?  Talvez sejam.  Mas ainda não temos certeza.
 

A INSTABILIDADE DE PREÇOS TORNA-SE NORMAL

   A inflação esteve embutida no novo sistema desde o início.  Logo que o Dr. Nixon aplicou sua terapia de choque, os preços começaram a subir e a incerteza começou a aumentar.  Duas décadas depois, sob certos aspectos, o mundo ainda está recuperando-se daquele golpe.

    Por exemplo, depois de 1971, a era do crescimento estável simplesmente acabou para os Estados Unidos.  Dezoito meses depois de fechado o guichê do ouro, os salários, corrigidos pela inflação, atingiram seu valor máximo.  Os Estados Unidos passaram do segundo lugar em pagamento de salário, naquela época, para o oitavo, hoje.  Os aumentos de produtividade começaram a deteriorar.  E desde então, o trabalhador médio americano vem perdendo terreno.  A renda familiar cresceu, um dado que os políticos gostam de alardear, mas agora são necessárias duas pessoas trabalhando em cada família para compor essa renda, enquanto que em 1971 era preciso apenas uma.  A percentagem de famílias com casa própria, um indicador crucial da riqueza “real” de uma nação, tem diminuído nos Estados Unidos.  O percentual de famílias que têm condições de comprar casa própria também despencou.

    Os preços em todo o mundo foram afetados imediatamente pela decisão de cortar o elo entre o ouro e o dinheiro.  Com os $ 300 bilhões depositados em bancos estrangeiros repentinamente perdendo boa parte de seu poder aquisitivo, os preços começaram a subir para compensar.  Para os governos, assim como para os indivíduos, a maneira mais segura de proteger os dólares que possuíam foi investi-los em títulos do Tesouro dos Estados Unidos.  Isto tomou fácil para o governo a tarefa de administrar grandes déficits orçamentários.  Unia vez que esses instrumentos da dívida já eram denominados em dólar, podiam ser comprados sem que fosse necessário trocar dólar por outra moeda no mercado cambial mundial.  Milhares de investidores saindo repentinamente do dólar, quando o elo com o ouro foi cortado, teria feito o dólar cair ainda mais.

   Tantos dólares, de repente, queriam comprar papéis do Tesouro, que foi criado um novo mercado especulativo para eles em Londres, New York e Chicago.  Em três anos, futuros em moedas e contratos de futuros de bônus do Tesouro eram comercializados em todo o mundo num esforço para absorver aqueles dólares.  Da noite para o dia, dezenas de milhares de investidores de longo prazo - o tipo que investe em bônus, letras e notas denominados em dólar e os conserva durante anos como medida de segurança - transformaram-se em especuladores.  Hoje, $ 150 bilhões em bônus do Tesouro são comercializados diariamente.

   Muitos desses investidores estavam embaraçados.  Afinal de contas, em muitos países, os dólares eram guardados em segredo e até ilegalmente; eram usados para, emergências financeiras e poupados para fugir de uma eventual repressão política.  Para esses investidores, o dólar era “tão bom quanto o ouro”.

   Contudo, enquanto, os investidores financeiros de todo o mundo conseguiram preservar boa parte de seu poder aquisitivo, pelo menos no começo, tirando proveito dos novos mercados especulativos em crescimento em Londres e depois em Chicago, New York e outros locais, os investidores da economia real viram o valor de seus investimentos despencar.  Os produtores mundiais de petróleo foram provavelmente os mais atingidos pela queda do dólar.

   No começo da década de 70, o petróleo era comercializado como uma Mercadoria para ser usada, não para especulação.  As companhias de petróleo, de aviação, de transporte marítimo, as indústrias químicas e o transporte rodoviário entraram em acordos com os produtores de petróleo para fornecimento a longo prazo.  O preço do barril era de cerca de $ 4 em 1952 e continuava em cerca de $ 4 em 1971.  Era possível conseguir um preço melhor no mercado a vista em Roterdã se uma empresa comprasse bastante petróleo, mas, em geral, os preços a vista não eram muito diferentes dos estabelecidos nos acordos de fornecimento a longo prazo.

   Durante décadas o preço do petróleo foi cotado em dólar.  E quando a Opep viu o valor do dólar cair 17% num único dia, como aconteceu em 1971, ela percebeu seu futuro se desvanecer.  Para a Opep, o fechamento do guichê do ouro foi mais que um desastre; representou a sombria possibilidade de que seus países-membros retomariam à pobreza.  Os países da Opep , que desde a fundação da organização, em 1952, se tinham comportado como rivais, pela primeira vez, começaram a agir como um cartel.

   Em 1973, a Opep votou pela continuidade da cotação do preço de seu produto em dólar, porque o dólar era de longe a moeda mais abundante e porque todos ainda confiavam nos Estados Unidos.  Quadruplicou, porém, o preço para $ 16 o barril, um aumento significativo devido à perda de poder aquisitivo do cartel.

   Com sua recente unidade e força, o cartel continuou aumentando seus preços durante toda a década de 70.  Em 1982, o preço do petróleo alcançou $ 39 o barril.  E o sucesso e unidade da Opep inspirou os produtores de outras commodities a fazer o mesmo.  O preço da bauxita, do estanho, da borracha, do café, dos cereais, do cobre, da madeira, da juta, do manganês, do ouro, da platina, do paládio, do tungstênio, do urânio e de todas as outras commodities seguiram o exemplo do petróleo.

   Com a alta dos preços de todos esses bens, o preço dos produtos manufaturados e até o preço dos serviços também aumentaram.  O preço dos imóveis comerciais, residenciais, industriais, fazendas e até minas e florestas - também subiu.  Até o final da década de 70, houve uma elevação geral de preços de aproximadamente 400 %.

   Esses tremendos aumentos de preço alteraram os mercados por toda a parte.  De repente, a Opep estava inundada de dólares.  De repente, também, o petróleo passa a ser comercializado como mercadoria especulativa.  Outras commodities também começam a ser comercializadas mais especulativamente.  Produtores de estanho, café, chá, borracha e bauxita estabeleceram cartéis com sede em Londres.  Esses cartéis, que determinavam os preços, estragaram a produção.  Produtores necessitados de caixa vendiam suas commodities fora dos mercados e a especulação corria solta paralelamente aos cartéis.  Os mercados de futuros em todo o mundo expandiam-se vigorosamente.  O mercado de moedas estrangeiras também cresceu e a economia financeira começou a decolar.

   Todas essas commodities eram (e ainda são) cotadas em dólar.  Seus produtores acumularam dólares.  Depositaram bilhões deles no sistema bancário mundial e emprestaram outros bilhões para o Tesouro dos Estados Unidos, para financiar a dívida do país.  Outros bilhões foram investidos em ações, títulos e imóveis.  Estes investimentos contribuíram para o rápido crescimento e para a instabilidade da economia financeira.

   Em meados dos anos 70, os $ 300 bilhões depositados pelos Estados Unidos no exterior tinham talvez dobrado de valor.  Os bancos, em toda a parte, inundados de petrodólares, tinham que lutar para encontrar um número suficiente de clientes a quem pudessem fazer grandes empréstimos.  Brasil, Argentina, México, Nigéria e outros países eram ótimos clientes que tomaram emprestados centenas de bilhões desses “petrodólares reciclados”, como eram chamados.

   E os bancos se davam por felizes de pôr esse dinheiro porta afora.  Se não conseguissem passar esse dinheiro para alguém, teriam que pagar juros sobre esess depósitos todos, sem ganhar nada em troca.

   De acordo com H.  Robert Heller - economista internacional do Bank of América em San Francisco durante os anos 70, que se tornou diretor do Federal Reserve e depois presidente do Visa International -, a simples colocação daquele dinheiro porta afora era um grande feito, porque as somas eram imensas.  Os banqueiros tinham que lutar para conseguir clientes.  Não importa que pelo menos $ 500 bilhões de dólares desses empréstimos não deram certo.  Não importa que durante uma década os maiores tomadores de empréstimo não fizeram um único pagamento do principal.  E, ao que tudo indica, nunca vão fazer.
 

O PAPEL GLOBAL DO DÓLAR

   O empréstimo de dólar no início dos anos 70 tomou-se um grande negócio e o mercado cresceu regularmente mas não apenas para países como México, Argentina e Brasil.  Logo as empresas alemãs e britânicas começaram a tomar dólares emprestados e a acertar as contas entre elas em dólar.  Produtos feitos no exterior eram cotados em dólar.  Os bens intermediários - chips, disk drives e motores, mas não computadores ou carros - eram cotados em dólar.

   O mercado de dólares logo se tomou um imenso mercado global.  Havia, porém, tanto dólar em circulação que seu poder de compra começou a cair. À medida que o preço de compra do dólar caía, os preços em geral continuavam a subir e as taxas de juros também.  Taxas em ascensão combinadas com dívidas crescentes em dólar começaram a frear o crescimento da economia real.

   O Terceiro Mundo entrou em recessão primeiro e ainda não se recuperou.  Os países adiantados entraram e saíram da recessão durante os anos do petrodólar.  As recessões de 1974 e de 1979 e, depois, novamente, em 1981 e 1982, prejudicaram a economia real, mas a economia financeira, inundada com os fundos eletrônicos, continuou a crescer.  Os salários nos Estados Unidos tiveram seu auge em 1971, mas os preços das ações continuaram a subir.  Só por volta de 1990 é que a economia financeira sofreu um revés e, então, só nos Estados Unidos, associações de poupança e empréstimo, bancos, negócios, empresas e indivíduos foram à falência, causando redução nos empréstimos.

   Poucos líderes, no final da década de 70 e início da década 80, compreenderam o quanto o tratamento de choque do Dr. Nixon afetou a maneira de fazer negócios.  Eles estavam particularmente despreparados para a subida dos preços de commodities, como o petróleo, e para a inflação e a instabilidade que se seguiram.  “O que eu não previ, naquela época, foi a primeira explosão no preço do petróleo”, disse o ex-chanceler da Alemanha, Helmut Schmidt.  “O petróleo nunca teria alcançado tamanha importância econômica se o dólar não tivesse sido desvalorizado.”
 
   O mundo realmente mudou depois das medidas de Nixon.  E, como a economia financeira se tomou muito maior do que a economia real, a volatilidade se instalou.  Taxas de juros, nível geral de preços, preços de ações e de títulos, preços de commodities, todos flutuavam terrivelmente com as taxas de câmbio.  Isto constituía uma oportunidade maravilhosa para os especuladores.

   Tomemos como exemplo a prime rate, a taxa de juros que os bancos cobram dos melhores clientes-empresas.  Ela foi de 4% desde o fim da guerra em 1945 até o fim dos anos 60.  Era estável e contribuiu para a estabilidade e o compromisso com o crescimento de longo prazo.  Depois do fechamento do guichê do ouro, porém, começou a mudar como nunca antes:

   Em 1971, a prime tinha subido para cerca de 5 %; em 1976, era de 6 %, no começo de 1978, subiu para 8%.

   Depois, no final de 1978, chegou a 11,75%.  Um ano mais tarde, em dezembro de 1979, chegou a 15,25%.  Em dezembro de 1980, a prime chegou a 21%, quando começou a cair até chegar em 15,75%, em dezembro de 1981.

   Em maio de 1984, a prime caiu para 12,5%; em agosto de 1986, estava em 7,5%; em fevereiro de 1989, estava em 11%; e em julho de 1991, em 9%.

   Para aqueles que especulavam com futuros de taxas de juros e com bônus, essas mudanças representaram uma oportunidade de ganhar dinheiro.  Para os investidores da economia real, porém, isso foi um desastre.  Durante a década de 80, o mercado de construção civil e comercial entrou em colapso duas vezes; e ainda está lutando para se recuperar.

   O que representam essas rápidas mudanças de taxas?  Simplesmente que o novo dólar eletrônico não consegue manter seu valor.  As instituições que apoiam e cuidam do novo dólar estão tendo dificuldades terríveis para mantê-lo estável.  A inflação e a instabilidade são endêmicas à nova economia eletrônica. A tremenda disparidade entre o tamanho e os interesses das economias financeira e real sugere que a incerteza, a agitação e a volatilidade não vão desaparecer tão cedo.
 

UM SISTEMA INSTÃVEIL

   Hyman Minsky, do Levy Economics Institute, vem observando os desdobramentos da economia eletrônica, há anos.  Foi um dos primeiros a escrever sobre a nova instabilidade.

   Minsky, um brilhante pensador, com vigoroso senso de humor, diz que a economia eletrônica tem um grau mais elevado de instabilidade intrínseca do que tudo o que a precedeu.  Essa instabilidade resulta em grande parte do crescimento das finanças.  E as finanças estão mudando diariamente, diz ele.
“Quando eu dava aulas de finanças na Universidade de Washington, disse ele numa entrevista em New York,  tinha que rever o curso todas as vezes por causa das inovações e produtos novos”.

    Contudo, embora a economia se tenha tomado instável, ainda temos que inventar instrumentos políticos para conduzi-la corretamente.  E embora o governo desempenhe papel maior do que nunca na economia - como participante dos mercados de crédito, por exemplo -, ele tem muito poucos recursos para controlar os altos e baixos da economia.

    Num relatório para o Twentieth Century Fund, uma organização de pesquisa sem fins lucrativos de New York, Minsky escreveu que “a dinâmica de uma economia capitalista que tem estruturas financeiras complexas, sofisticadas e evolutivas leva ao desenvolvimento de condições que conduzem à incoerência - hiperinflação ou profundas depressões.”
Minsky acredita que os governos vão conseguir moderar a instabilidade, mas até agora, ele acha, ainda não sabem como.