Apesar de gabar-se de ser a instituição financeira mais importante do mundo, e apesar das aparições mensais de seu presidente perante o Congresso, o Federal Reserve perdeu muito poder. Embora não seja insignificante, o Fed é um anacronismo, uma instituição mais apropriada para a Era Vitoriana ou de Teddy Roosevelt do que para o mundo dos supercomputadores Cray XMP e dos mercados globais. O Fed, cuja função é controlar o suprimento de dinheiro e, por inferência, os preços e a economia, foi concebido durante a era industrial, muito antes do advento da economia eletrônica. Hoje, o Fed é altamente pressionado a desempenhar seu papel num mundo sem fronteiras reais, em que o volume de operações de câmbio é monumental e o dinheiro megabyte substituiu o tipo antigo de moeda.
O dinheiro megabyte, que é volátil, tão leve quanto um radiante elétron e quase tão veloz quanto a luz, é uma invenção curiosa. Não pode existir sem um tremendo aparato de instituições globais para apoiá-lo. Precisa da tecnologia, do governo, do setor bancário privado e do comércio. Também precisa de mercados onde possa ser trocado de um tipo de moeda para outro e de um tipo de produto - ações, títulos, contratos de futuros e assim por diante - para outro. É preciso um palavreado matemático inteiramente novo para manipulá-lo e medir seus riscos. São necessárias equações complicadas para comparar constantemente o poder de compra de hoje com os custos projetados de amanhã.
Esse dinheiro tem uma única denominação: vasto. Oitocentos bilhões de dólares em dinheiro megabyte são negociados por dia nos mercados monetários mundiais. Cinqüenta bilhões de dólares em dinheiro megabyte são negociados diariamente uma única sala de futuros, na Bolsa Mercantil de Chicago; $ 150 bilhões são negociados no mercado de ações em New York. Trilhões por ano passam pelas corretores de todo o país.
Em New York, o CS First Boston, um dos principais corretores de títulos do mundo, movimenta mais dinheiro por ano do que todo o produto nacional bruto dos Estados Unidos. A Salomom Brothers, a CRT Government Securities, a Goldman Sachs e o Citicorp não estão muito atrás do CS First Boston, com trilhões de dólares passando por suas salas de operações à medida que o dinheiro megabyte é movimentado sem parar.
Combinando modelos econômicos globais com sistemas
de comunicação de alta tecnologia, firmas de investimento
japonesas e européias, às vezes, compram até 40% da
dívida a longo prazo dos Estados Unidos vendida mensalmente nos
leilões do Tesouro. Usando a mesma tecnologia e os mesmos
modelos, firmas de investimento americanas compram aproximadamente um terço
da dívida das corporações européias.
Títulos da divida privada e governamental, que antigamente eram
investimentos valiosos, que se guardava até o vencimento - em geral
entre dez e trinta anos -, agora são comprados e revendidos pelos
aplicadores dentro de 20 dias em média.
E, no entanto, apesar de sua atividade febril, o dinheiro continua sendo um símbolo nu, sem valor intrínseco e sem ligação direta com algo específico. Como dizem os economistas franceses, ele é uma simples “ficha”, uma peça de jogo que muda de um arquivo para outro no vasto banco de dados computadorizado do mundo. Como um símbolo, diz R. David Ranson, o economista inglês que dirige o Wainwright Economics em Boston, o dinheiro tem que manter seu valor com base no que as pessoas pensam dele e no nível de confiança que têm nele. A moeda de uma nação é, por assim dizer, um reflexo do que as pessoas pensam do país e de como ele é administrado.
Por sua própria natureza, o novo dinheiro é
global. Foi criado a partir do vasto oceano de dólares deixado
no exterior pelos Estados Unidos quando seus maiores produtos de exportação
eram sua própria moeda, suas tropas e suas fábricas.
Teve origem naqueles $ 300 bilhões em reservas estrangeiras que
de repente foram libertados do controle de Washington em 1971.
O dinheiro é criado através de vários mecanismos diferentes. Na forma mais elementar, pode simplesmente ser impresso. Nos Estados Unidos, as máquinas de impressão são acionadas sob ordens do Federal Reserve Board.
Embora possa parecer que o Federal Reserve tenha sempre estado em cena, ele é, na realidade, relativamente novo no governo. Foi criado por Woodrow Wilson em 1913, na esteira do pânico de 1907, quando vários grandes bancos de New York estiveram à beira da falência. Com a disseminação de boatos sobre a situação precária desses bancos os depositantes correram para sacar seus fundos. Logo houve uma corrida a todos os bancos do país afiliados às grandes casas bancárias de New York. O pânico tomou conta do país.
Naquela época, muito antes do Glass-Steagall Banking Act de 1933, quando surgiu o seguro federal de depósito, os pânicos financeiros eram acontecimentos regulares nos Estados Unidos, acontecendo de 20 em 20 anos, mais ou menos. Depois de cada pânico, novas regras eram criadas para regulamentar os bancos e o dinheiro, mas a política sempre atrapalhava a legislação efetiva.
Durante o pânico de 1907, houve realmente uma escassez de dinheiro. Para conseguir dólares, as menores instituições do país, no Centro-Oeste, no Sul e no Oeste tinham que pagar ágio. Pagavam esse ágio com ouro e prata. Na realidade, isto significava que os Estados Unidos, que então estavam sob o padrão ouro, tinham várias moedas regionais diferentes, cada uma com uma diferente taxa de câmbio em relação ao ouro.
Os legisladores não gostavam muito desta situação. A falência dos bancos era uma coisa; podiam enfrentá-la. Sempre podiam costurar algum acordo. Entretanto, por que deveriam algumas regiões do país ter mais vantagens do que outras no que dizia respeito à própria moeda do país? Por que os produtores de fumo do Kentucky deveriam ter resultados piores do que os bancos de investimento de New York por causa de taxas de câmbio desiguais? O Congresso decidiu que era preciso criar um sistema melhor. E fez o que os legisladores dos Estados Unidos sempre parecem fazer quando deparam com uma questão espinhenta: montaram uma comissão.
A comissão, adequadamente chamada Comissão Monetária Nacional, recomendou, em 1908, a criação de um banco central, e delineou os modos como esse banco deveria funcionar. Para os Estados Unidos de 1908, esse foi um passo realmente revolucionário. Os Estados Unidos eram o único país adiantado que não tinham um banco central. E mesmo quando a confissão encerrou seus trabalhos a maioria das pessoas ainda era contra a idéia, com medo de que um banco central prejudicaria a capacidade de ação do Congresso. Foram necessários cinco anos de barganhas políticas, mas no dia 23 de dezembro de 1913, nasceu o Federal Reserve System.
O Federal Reserve é um órgão de conciliação que tem sido modificado pelo Congresso através dos anos. É uma instituição quase privada, quase pública, com um conselho central de diretores e 12 bancos centrais regionais, cada um com um presidente e um organograma independente e cada um emitindo dinheiro, mas de maneira coordenada. Cada um desses 12 bancos regionais tem que cuidar para que seus dólares valham o mesmo que os de seus congêneres. Sete diretores, um dos quais é o presidente, supervisionam todo o Federal Reserve System, inclusive os bancos regionais e suas impressoras de dinheiro.
Em teoria, o Federal Reserve é “propriedade” dos
bancos do país. Na realidade, o Fed é o órgão
regulador do sistema bancário, e responsável por tudo, desde
as operações de compensação de cheques até
a quantidade de dinheiro que um banco deve manter em seus cofres.
O presidente da República indica o presidente do Fed e os outros
diretores, mas o Congresso tem que aprovar as indicações.
Um diretor só pode ter um mandato de 14 anos, e o presidente tem
mandato renovável de quatro anos.
Esta é a parte quase pública.
A parte quase privada é que, uma vez indicado, o presidente do conselho age praticamente por conta própria. Com os diretores, o quadro de pesquisa em Washington e os pesquisadores dos 12 bancos regionais, o Fed determina quanto dinheiro deve ser impresso e qual deve ser a taxa de juros. O Fed pode emitir dinheiro demais ou de menos e pode aumentar demais a taxa de juros ou baixá-la demais, mas o presidente e o Congresso não podem fazer nada para impedi-lo. O Congresso não pode sequer fazer auditoria no Fed.
E isso é exatamente o que a Comissão Monetária
Nacional queria: manter a política fora do processo decisório.
O Fed, no entender da Comissão, deve ter Independência suficiente
para enfrentar o Congresso e a Administração. Quanto
mais forte e independente for o Fed, menores os riscos de futuros pânicos
e corridas aos bancos.
Quando perguntaram a Andrew Brimmer, ex-diretor do Federal Reserve, se a taxa de juros deveria baixar para impedir uma recessão no início dos anos 90, ele respondeu que a função do Fed era manter os preços estáveis. Quando lhe perguntaram se o Fed não deveria procurar interromper a queda no ritmo das atividades econômicas, baixando as taxas de juros, ele respondeu, de novo, que a função do Federal Reserve era manter os preços estáveis. Esse ponto de Vista é compartilhado pela maioria dos diretores atuais, que, realmente, se consideram independentes do governo. O presidente, no entanto, com um mandato bem mais curto do que o dos diretores, é mais suscetível de ser influenciado pressões da Casa Branca. Isto dá margem para negociações na reunião mensal dos diretores. Quase sempre o presidente sai ganhando, mas, às vezes, os diretores se impõem.
Embora o Federal Reserve talvez fosse capaz de acabar com uma recessão em fase inicial se agisse rapidamente, ele não tem obrigação de fazer isso. E ultimamente o Fed tem se ocupado com outras questões, como, por exemplo, tentar - em geral sem sucesso - manter os preços estáveis e controlar o valor do dólar em relação a outras moedas.
Antes da criação do Federal Reserve, o Tesouro e o Congresso tinham alguns dos poderes que o Fed tem hoje. O sistema de então não era diferente do existente na Grã-Bretanha, onde o Banco da Inglaterra é fraco e sujeito à supervisão do Parlamento. Se o Parlamento pressionar o Banco da Inglaterra a baixar as taxas de juros ou a aumentar o suprimento de dinheiro para estimular o crescimento, o banco será forçado a ceder.
A independência do Federal Reserve tem irritado muita gente no governo e nos negócios. Nas décadas de 40 e de 50, Wright Patman, o poderoso senador pelo Texas, que foi presidente do House Banking Committe, ficava tão furioso com a independência do Fed e sua falta de interesse em tomar medidas para estimular o crescimento, que tentou eliminá-lo. Como não conseguiu, tentou cobrar do Fed o aluguel do prédio do governo onde ele está instalado em Washington. Patman fracassou nisto também.
Mais recentemente, o Congresso e a Administração Bush pressionaram publicamente o presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, para que baixasse as taxas de juros em 1990 e em 1991 para que houvesse uma retomada do crescimento econômico. Foram divulgados pronunciamentos do Secretário do Tesouro, Nicholas F. Brady, e de Michael Boskin, chefe da assessoria econômica de Bush.
Greenspan gaguejou, pigarreou, mas acabou cedendo e deixando
a taxa de juros flutuar levemente depois que a recessão do verão
de 1990 já tinha começado, e depois baixando as taxas em
0,25% de cada vez durante o ano seguinte. A Casa Branca, entretanto,
retribuiu a demora de Greenspan em reagir a suas pressões, esperando
até o último mês de seu mandato para renovar sua nomeação
como presidente do Fed. A atitude morosa do Fed não foi suficiente
para reativar a economia em declínio.
Para o Fed, criar dinheiro é muito fácil. Basicamente, tudo o que ele tem que fazer é comprar títulos do Tesouro através do Federal Reserve Bank de New York, um de seus 12 bancos regionais. Ao comprar esses títulos não vencidos, o Fed coloca dinheiro em circulação. Ele pode fazer isso usando o dinheiro que tem em caixa ou emitindo créditos chamados Notas do Federal Reserve ou “dinheiro”. Essas notas, que são emitidas com a denominação de dólar são, tecnicamente, uma forma de dívida, ou seja, obrigações a pagar. Constituem, porém, uma forma estranha de dívida. Não têm prazo de resgate.
Se o Federal Reserve quiser contrair o suprimento de dinheiro, ele simplesmente usa o mecanismo inverso: vende no mercado aberto os títulos que possui. Quando os aplicadores compram esses títulos, pagam por eles com dinheiro que, então, é tirado de circulação. Em conseqüência, disso, o suprimento de dinheiro diminui.
Em todas suas atividades, os únicos papéis com que o Federal Reserve pode negociar são os emitidos pelo Tesouro. Quando o Fed compra ou vende títulos, está fazendo as chamadas Operações de Mercado Aberto. Essas operações são supervisionadas pela Comissão Federal de Mercado Aberto, que é composta pelo presidente e o conselho dos diretores.
O Fed pode alterar o suprimento de dinheiro de outras maneiras também. Pode fazer isso mudando algumas de suas regras. Quase sempre, o Fed exige que seus bancos membros tenham uma média de pouco menos que 12% de seus depósitos em reserva para que tenham caixa no caso de os depositantes precisarem. O dinheiro que os bancos mantêm em reserva é um dinheiro mantido fora da circulação. Esse dinheiro tem que ser depositado em reserva numa conta no Federal Reserve Board, que não paga juros. Parte do dinheiro dos bancos, no entanto, pode ser guardada sob a forma de certos títulos negociáveis de primeira linha, como os bônus do Tesouro, que pagam juros. De qualquer forma, as reservas compulsórias tiram dinheiro de circulação.
O Federal Reserve, contudo, também pode decidir mudar as reservas compulsórias, se o Congresso concordar, o que aumentará ou diminuirá o suprimento de dinheiro em circulação.
Finalmente, o Federal Reserve controla o suprimento de dinheiro, através das diversas taxas de juros. Controla a taxa de redesconto, que é a taxa de juros cobrada dos bancos-membros quando tomam dinheiro emprestado no Federal Reserve. Também controla indiretamente a taxa interbancária, que é a taxa pela qual os bancos e os próprios bancos distritais do Fed tomam dinheiro emprestado uns dos outros. Quando a taxa de redesconto cai, os bancos tendem a tomar mais dinheiro emprestado do Federal Reserve. Isto indiretamente põe mais dinheiro em circulação, pois esse dinheiro em geral será emprestado para clientes.
O Fed tem, na realidade, apenas duas alavancas para criar
dinheiro: a grande alavanca e a pequena alavanca. A grande alavanca
é constituída pelas atividades de compra e venda de títulos:
as Operações de Mercado Aberto. A pequena alavanca
é tudo mais que o Fed faz, como, por exemplo, alterar as taxas de
juros.
O Federal Reserve, contudo, não é mais o dono da bola.
Os bancos privados também criam dinheiro e o que se chama de “quase-dinheiro”.
O quase dinheiro é fácil de se criar: quando um cartão
de crédito com um limite de crédito de, digamos, $ 2.000
é emitido, $ 2.000 são criados. De acordo com Duncan
McDonald, chefe das operações de cartão de crédito
do Citibank, o cartão de crédito médio emitido pelo
Citibank tem limite de crédito de $ 2.000. Com 25 milhões
de cartões de crédito na praça, só o Citibank
já criou $ 50 bilhões do chamado quase dinheiro.
E há também os mais ou menos 75 milhões de portadores de cartões de crédito que trabalham com bancos menores e sociedades de crédito. O portador médio desse tipo de cartão também tem cerca de $ 2.000 de crédito. Isso eqüivale a mais $ 150 bilhões de quase dinheiro. Acrescente-se a isso o quase-dinheiro de curtíssimo prazo emitido pelo American Express - 18 milhões de portadores de cartões que podem gastar, sem limite, para pagar em até 30 dias, mas têm que pagar tudo de uma vez. Isso dá à nação mais alguns bilhões de poder de compra. Existem muitos tipos de quase-dinheiro, todos privados e praticamente não regulamentados, a não ser pelas forças de mercado.
A maneira mais tradicional que os bancos têm de criar dinheiro é emprestar seus depósitos. Por exemplo, se o Banco A recebe um depósito de $ 100, ele os coloca numa conta. O Fed diz que cerca de 12% desse dinheiro tem que ser mantido numa conta de reserva, embora a exigência real de reserva varie conforme o tipo de conta e o tamanho do banco.
Entretanto, se o banco tem que guardar 12 % de seus depósitos em reserva, ele pode emprestar $ 88 de cada $ 100 que recebe como depósitos. Quando ele faz isto, os $ 100 originais permanecem nos livros do Banco A, embora $ 88 vá para um cliente que os deposita no Banco B.
O Banco B agora tem mais dinheiro para emprestar. Devido à obrigatoriedade da reserva de 12%, o Banco B só pode emprestar $ 77, o que ele geralmente faz. Estes $ 77 agora vão para o Banco C.
Depois de apenas três transações, os $ 100 originais cresceram para $ 265. O Banco A lança $ 100 em seu balanço; o Banco B lança $ 88. e o Banco C lança $ 77. Se outras três transações como estas forem realizadas, os $ 100 originais poderão crescer para um total de $ 443, e seu crescimento não para.
O sistema bancário, que multiplica o número de dólares em circulação à ,medida que empresta, faz o mesmo com os cheques dos salários, os cheques das folhas de pagamento, e com todas as outras formas de dinheiro. Isto é possível porque o sistema bancário funciona como um todo e porque as pessoas só precisam de uma parcela de seus fundos por dia. Para os bancos, ter dinheiro no cofre é um passivo - eles têm que pagar juros sobre esse dinheiro.
Para os bancos, ter um empréstimo a receber é
um ativo porque recebem juros sobre ele. Em conseqüência,
é do interesse do banco emprestar dinheiro seu dinheiro - para alguém
o mais depressa possível. E isto faz o suprimento de dinheiro
crescer.

