Ninguém gosta de se lembrar do dia 19 de outubro de 1987. De fato, de acordo com Amitai Etzioni, sociólogo da Universidade American, as pessoas têm predisposição a esquecer eventos desagradáveis, especialmente quando são inexplicáveis. Para Etzioni, as pessoas não se permitem lembrar de um evento como a Segunda-feira Negra até que aconteça pelo menos mais uma vez. Não importa que bilhões tenham sido perdidos, declarou Etzioni perante o Congresso, as pessoas não podem encarar a verdade sobre a instabilidade e o risco do mercado até que os eventos sejam reforçados.
Essa conclusão é tão infeliz quanto grave. A razão pela qual é infeliz é que a nova economia eletrônica não só é excepcionalmente complexa e sensível como é predisposta à volatilidade. A economia eletrônica é, por assim dizer, temperamental. É uma economia “em formação”, não uma economia pronta; uma economia cujos mercados - de acordo com Lawrence H. Summers, economista-chefe do Banco Mundial em Washington - funcionam bem demais e custa caro demais. Entretanto, é também uma economia que, sob certos aspectos, é surpreendentemente tolerante.
O mundo como um todo teve uma idéia do que é
a nova economia no dia em que os mercados acionários internacionais
entraram em colapso numa destruição caótica e monumental
de riqueza. Naquele dia, 19 de outubro de 1987, o Índice Industrial
Dow Jones caiu 508 pontos. Isto representou 22,6%, ou duas vezes
a queda de outubro de 1929. A queda resultou do pânico de milhões
de aplicadores em todo o mundo. Com a ajuda da mais avançada
tecnologia, mais de 600 milhões de ações foram negociadas
apenas na Bolsa de New York.
O volume de 600 milhões de ações
mais de 90 milhões de ações por hora 60 vezes maior
do que quando os computadores foram introduzidos em Wall Street por exigência
da SEC1. Na ocasião, a SEC estava investigando o que no dia 28 de
maio de 1962 quando, num único dia, a Bolsa de Valor York caiu assustadoramente
35 pontos, uma perda de 6,68% no valor das mias importantes empresas do
país.
De Acordo com o The New York Times, o movimento de venda
daquele dia ao fato de o Presidente Kennedy ter chamado os líderes
da indústria de aço à Casa Branca e dito a eles que
não aumentassem seus preços. Os investidores acharam
que um controle dos preços prejudicaria os lucros.
A SEC concluiu que as ações caíram tanto, em parte, porque a Bolsa de New York não tinha tecnologia suficiente para emparceirar compradores e vendedores com rapidez suficiente. Ordens de vendas entravam, principalmente por telex e telefone, mas os especialistas, na bolsa, não conseguiam processar manualmente essas ordens com rapidez suficiente. Eles precisavam de um método para acelerar suas operações, por isso a SEC ordenou que as bolsas comprassem computadores.
É interessante que a SEC, em seu relatório, tenha reconhecido a possibilidade de que os computadores não só acelerariam a confecção da papelada, mas também algum dia poderiam fazer as transações. Os futuristas da SEC, em 1962, imaginaram redes de computadores interligados algum dia, num futuro distante.
Em 1964, os primeiros computadores chegaram à bolsa. Eram monstros grandes e pesados, construídos pela Burroughs Corporation (que agora faz parte da Unisys Inc.), e ocupavam uma sala inteira. Eram alimentados por cartões perfurados. E, embora estivessem instalados no coração da Bolsa de New York, também podiam ter sido colocados a milhas de distância. Naquele tempo, os computadores não falavam uns com os outros; os modems ainda não tinham sido inventados, nem os códigos pelos quais se comunicam. A maioria os PCs de última geração hoje tem mais potência e velocidade do que o primeiro sistema utilizado na bolsa de valores. E, naturalmente, os PCs hoje são milhares de vezes mais baratos do que os antigos monstros eletrônicos.
Além da introdução desses novos hipopótamos
de processamento numérico, nenhuma outra mudança nas bolsas
de valores foi preconizada pela SEC. Foi mais ou menos como substituir
uma estrada vicinal de duas pistas por uma auto-estrada de seis pistas.
Contudo, embora a auto-estrada tivesse sido construída, permaneceram
em vigor as antigas regras governamentais que regiam as estradas vicinais.
E esta nova auto-estrada ainda era policiada por um único guarda
numa moto - a SEC. Não existia patrulha rodoviária.
1. Securities and Exchange Commission. O equivalente
da CVM brasileira. (N.T.)
Na ocasião da queda de 19 de outubro de 1987, a
Bolsa de Valores de New York, a American Stock Exchange (Bolsa de Valores
Americana), a National Association of Securities Dealers (Associação
Nacional de Corretoras de Valores) e os mercados de futuros já eram
altamente informatizados e eficientes. Seus porões estavam
repletos com um impressionante aparato dos mais novos equipamentos, cujos
componentes podiam conversar uns com os outros (a Unisys ainda era o principal
fornecedor). As bolsas também tinham computadores em outros
locais em Manhattan, Brooklyn e Long Island. Sistemas de backup eram
mantidos por razões de segurança em outros lugares secretos.
Esses equipamentos podiam comunicar-se com todo o mundo. Tinham
um apetite voraz por números. Eram excessivamente rápidos.
No dia 19 de outubro de 1987, porém, apesar da tecnologia avançada, os investidores da Bolsa de New York perderam mais de $ 500 bilhões. Noventa bilhões por hora em riqueza e poder aquisitivo foram extintos, em parte devido à disparidade entre a capacidade da nova tecnologia e as antiquadas regras que regiam seu uso.
No dia seguinte, entretanto, enquanto os regulamentadores em Washington e New York debatiam sobre o que fazer, os mercados se recuperaram em 5,33%. Compradores, principalmente estrangeiros, se apressaram para adquirir ações de primeira linha, disse o The New York Times.
Então, no dia 21 de outubro, a Bolsa de New York recuperou-se em 9,10%. Os preços subiram porque circulou a notícia de que as taxas de juros pelo mundo afora estavam caindo. Os chefes de governo esperavam que a queda nas taxas daria à economia mundial o impulso suficiente para compensar as perdas no mercado de ações. Taxas em declínio também sinalizavam uma possível escalada da inflação.
Para os investidores que, depois da queda da bolsa, tinham temporariamente colocado seu dinheiro em contas seguras do mercado de capitais, taxas de juros baixas e a ameaça de inflação significavam que seus rendimentos diminuiriam. Em conseqüência, os investidores tiraram seu dinheiro dos esconderijos e nervosamente compraram ações; pelo segundo dia consecutivo, os preços subiram.
No fim da semana, entretanto, o caos retomou. Os preços caíram 3,92% na Quinta-feira , dia 22 de outubro, e tomaram a subir 4,49% na sexta-feira. Na Segunda-feira seguinte, dia 26 de outubro, os preços caíram 8,26%, a terceira da desde o término da Segunda Grande Guerra. Foi um período especialmente sombrio, com mudanças incríveis no valor dos ativos das empresas mais importantes do país. Estas mudanças nada tiveram a ver com o desempenho efetivo das empresas.
Em relação ao pico do mercado, em agosto
de 1987, os investidores perderam pouco mais que $ l trilhão na
Bolsa de Valores de New York em pouco mais de dois meses. Esse prejuízo
eqüivale a um oitavo do valor de tudo o que foi feito pelo homem nos
Estados Unidos, inclusive todas as casas, fábricas, prédios
de escritórios, estradas e benfeitorias em propriedades imobiliárias.
É um prejuízo de tamanha magnitude que é difícil
imaginar. Um trilhão de dólares poderia alimentar o
mundo inteiro durante dois anos, elevar o Terceiro Mundo da pobreza abjeta
para a classe média. Poderia comprar mil porta-aviões
nucleares. Eqüivale a um terço de todo o dinheiro que
os americanos depositado em bancos.
Essas grandes flutuações de preços continuaram
até o final do ano. A volatilidade dos mercados fez com que
os pequenos investidores do mercado de ações se transferissem
para investimentos mais seguros, mais confiáveis, como ,os papéis
do Tesouro e certificados de depósito. Consequentemente, agora
mais de 60% das ações comercializadas na Bolsa de New York
são de pessoas jurídicas. Essas instituições,
pressionadas para ter lucros cada vez mais rapidamente, vão aumentar
ainda mais a volatilidade da economia global.
Nunca antes o valor das ações tinha caído tanto tão rapidamente. Nem poderia. Os eventos do dia 19 de outubro requeriam que os investidores estivessem interligados eletronicamente. Os eventos daquele dia também requeriam um fluxo contínuo de informação para espalhar o pânico.
As ligações entre os parceiros de negócio eram nervosas. Americanos de 30 a 40 anos de idade, com mestrado em Administração, estavam administrando portifólios de bilhões de dólares de investimentos em fundos mútuos. Eram jovens demais para terem passado por qualquer das crises anteriores, tanto antes como depois da Segunda Grande Guerra. Não tinham um quadro de referia quando seus colegas começaram a entrar em pânico. Nem tinham nenhuma experiência com mudanças repentinas de volume. Nem haviam conhecido mercados em ascensão moderada.
Os investidores japoneses também estavam conectados com o caos. E tinham pouca experiência com volatilidade. Além disso, estavam trabalhando para bancos e companhias de seguro extremamente conservadores de Tóquio. Foram os primeiros a entrar em pânico.
Os europeus que administravam grandes fundos de pensão em Londres e Paris eram os que tinham mais experiência com o caos. Alguns deles tinham passado pelas crises do dólar dos anos 60 e 70 e alguns tinham tecnologia superior à de seus colegas japoneses e americanos, o que os habilitava a prever melhor os preços. Eram também os que tinham a melhor visão global. No entanto, vendo o volume de ordens de venda crescer, eles também entraram em pânico.
Informações de todos os tipos abarrotavam o sistema. E a nova facilidade de executar ordens de qualquer parte do mundo resultou em quebras por toda a parte quando o mercado começou a quebrar. Nenhum acionista, onde quer que estivesse localizado no mundo, ficou isento da informação de que o céu estava desabando. As informações sobre esse evento foram tão abundantes como quando o foguete espacial Challenger explodiu no ar com astronautas a bordo. Todas as pessoas, em todo o mundo, em poucos minutos, ficaram sabendo o que estava acontecendo.
Entretanto, o colapso da Bolsa de New York no dia 19 de
outubro foi apenas uma das quedas que ocorreram naquele dia. Com
exceção de Tóquio, onde o índice Nikkei caiu
menos do que em outras bolsas - apenas cerca de 9% -, a queda foi um evento
realmente global. Em Londres, o mercado acionário perdeu quase
um terço de seu valor. Em Singapura, perdeu mais da metade
de seu valor.
O mercado de Hong Kong caiu 50%. Paris perdeu um terço
de seu valor, e o mesmo aconteceu em Amsterdã. E houve ainda
outras baixas. Em todo o mundo, o prejuízo foi de trilhões
de dólares.
Esses prejuízos, por maiores que tenham sido, ocorreram no fluido mundo da economia eletrônica. É verdade que trilhões de dólares foram perdidos em poucas horas. Na realidade, porém, essa crise foi diferente da de 1929. Durante a crise de 1929, milhares de investidores foram atingidos. Algumas das maiores corretores fecharam. O que se seguiu foram suicídios, uma depressão e, finalmente, uma guerra mundial.
Na crise de 1987, entretanto, com uma queda duas vezes maior do que a de 1929, relativamente poucas pessoas foram atingidas. Algumas ficaram estupefatas, é verdade. Algumas sofreram contusões. Mas foram realmente atingidas? Não. E só houve um suicídio, e estava apenas indiretamente relacionado com a queda da bolsa.
Embora os corretores pudessem não ter experiência de lidar com esses volumes recordes, os líderes dos bancos centrais de todo o mundo eram mais velhos e mais sábios. Eles tinham assumido seus cargos armados com as fortes lembranças da Grande Depressão e do caos que ela desencadeou. Dinheiro megabyte foi perdido, então esses homens - os comandantes dos bancos centrais criaram novo dinheiro megabyte para preencher o vazio.
Um ano depois, o mercado de ações tinha recuperado
quase todo o terreno perdido, não somente nos Estados Unidos, como
também no exterior. Dentro de um ano, o volume em New York
tinha retomado, não para o nível de 600 milhões de
ações, mas para um nível tranqüilo de 150 a 200
milhões de ações ao dia. Dois anos, depois,
os mercados tinham ultrapassado suas marcas anteriores e estavam preparados
- lamento dizer - para futuras quedas. Dois anos depois, o $ l trilhão
perdido durante a crise estava de novo circulando através da rede
eletrônica global. Três anos depois - pelo fato de que
dinheiro novinho em folha estava comprando velhas ações -,
o livro sobre quem possui o quê nos Estados Unidos teve que ser reescrito.
Em outubro de 1987, a tecnologia era boa e funcionava quase
sem falhas. Mais de 90% das transações executadas eram
corretas. Os computadores garantiam que os papéis exigidos
por lei para documentar cada transação fossem emitidos também.
Os papéis corretos eram arquivados, atrasando apenas por causa do
grande volume.
Da mesma forma que em 1962, quando uma comissão
especial da SEC investigou a queda de maio, também foi montado um
grupo para investigar o que aconteceu em outubro de 1987. O grupo,
oficialmente chamado de Força Tarefa Presidencial sobre Mecanismos
de Mercados, foi chefiado por Nicholas F. Brady, hoje secretário
do Tesouro e então presidente da Dillon Read & Company, uma
firma de investimentos de Wall Street com clientes como AT&T.
O grupo ficou conhecido como Comissão Brady.
Como no relatório de 1962, a Comissão Brady recomendou mais tecnologia. Disse que os computadores precisavam ser reforçados. O problema de 1987 era ainda o mesmo de antes - combinar compradores e vendedores. Outro problema, dizia o relatório, era que todos os mercados do país agora estavam ligados de modo que havia um único mercado.
Contudo, aqui a Comissão Brady cometeu um erro fundamental.
Não apenas os mercados americanos estão ligados, mas todos
os mercados em todo o mundo. Isto é até mais verdadeiro
hoje do que em 1987. Alguém com um PC, que tenha pago as devidas
taxas e obtido a senha adequada, pode comprar e vender praticamente qualquer
coisa em qualquer lugar. Essa pessoa, com uma antena parabólica
do tamanho de uma pizza média em seu telhado, pode comandar a movimentação
de bilhões de dólares em contratos de futuros de ouro, prata,
suínos, ovos ou opções de taxas de juros. Com
uma antena parabólica, o mesmo operador pode comprar em Chicago
e vender em Zurique, Hong Kong, Londres e Tóquio.
A comissão Brady também descobriu alguns problemas no sistema de mercado que tinham inibido o desenvolvimento de uma verdadeira malha eletrônica. E tinham feito com que o sistema se voltasse para a volatilidade e o caos.
Em 1987, havia, em especial, dois perigosos anacronismos no sistema, e eles permanecem até hoje. Impediam o funcionamento estável do mercado e aumentavam o potencial de uma quebra repentina.
Um anacronismo, que era tecnológico, só foi mencionado superficialmente no relatório Brady. O outro, que era estrutural, foi encarado de frente, mas sem recomendações concretas.
O anacronismo tecnológico era o telefone. Com exceção da Charles Schwab & Company, com seu programa de compra e venda para PC chamado Equalizer, que liga cerca de 20 mil usuários à matriz da empresa em San Francisco por modem, a quase totalidade dos 51 milhões de acionistas individuais nos Estados Unidos ainda usa o telefone.
Embora o telefone seja realmente a base de quase todas
as outras tecnologias de comunicação, a comunicação
pela voz, dentro da rede global, está simplesmente fora de moda.
Ela é muito lenta. A transmissão pela voz só
pode transportar cerca de 16 bits de informação por segundo
através de linhas de fibra ótica.
Isto significa que durante o frenesi de um dia de negociações,
a comunicação pela voz só pode mandar o equivalente
a quatro palavras de tamanho médio por segundo. A menos que
essas palavras venham de uma pessoa muito importante, elas tomam espaço
demais no espectro eletromagnético e muito tempo do operador.
Consequentemente, no dia 19 de outubro, margens foram ignoradas.
Outro lado, um computador com um modem pode mandar, para qualquer lugar, de dez a cem ou mil vezes mais informações por segundo, conforme a configuração da tecnologia. No ambiente acelerado da economia, eletrônica, com informações relevantes chegando de todas as partes do mundo, é necessário ter toda essa capacidade.
Além disso, os telefones podem criar gargalos tremendos. Os operadores em suas mesas, olhando para as informações mostradas (e constantemente atualizadas) em suas telas de computador, podem monitorar dezenas de portifólios de uma vez. Podem acompanhar notícias e relatórios de informações de todo mundo. Também podem rodar programas de sistemas especialistas organizar as informações até chegarem aos fatos relevantes. Os operadores podem dar um toque no mouse, usar seus terminais ou apertar uma tecla movimentar ordens de compra ou de venda.
Um operador ao telefone, porém, está amarrado a um cliente de cada vez talvez a dois ou três se ousar apertar o botão de espera. Essa é a natureza desse meio de comunicação. Consequentemente, um cliente que usa o telefone para vender uma ação pode ocupar tanto o tempo do corretor quanto um cliente queira vender 30.099 ações diretamente através do sistema super dot da bolsa de Valores de New York. Isto pode não ser crucial num dia em que o volume de transações é pequeno, mas quando o mundo está acabando - como no dia 19 de outubro - faz uma grande diferença. E, naturalmente, os computadores não perguntam um ao outro sobre o tempo, como vão os filhos, ou se podem sair para almoçar. Simplesmente, processam números.
Esse pequeno anacronismo - uma conversa por vez - acabou fazendo com que os investidores individuais não conseguissem falar com seus corretores. Por que um corretor iria querer falar com um pequeno investidor tentando negociar ações?) Também acabou fazendo com que os corretores não conseguissem falar com seus homens no pregão das bolsas. Na Charles Schwab, era quase impossível conseguir falar com alguém para colocar um pedido no dia 19 de outubro de 1987. Consequentemente, os corretores foram processados pelos clientes por suas perdas naquele dia.
Os clientes da Schwab que usavam o programa Equalizer,
porém, conseguiam falar com a mesa de operações em
San Francisco sem problemas. Suas transações foram
executadas, embora a lei exija que cada transação feita por
computador seja conferida por um ser humano para garantir que o investidor
é quem ele diz ser. Com os computadores, contudo, o pessoal
da mesa de operações eletrônica da Schwab podiam receber
uma ordem eletronicamente em suas telas, consultar o arquivo eletrônico
do cliente, determinar se a ordem era válida em função
dos dados do arquivo, e mandar a ordem para New York tudo em questão
de segundos, o que é muito menos do que se leva para fazer isso
por telefone. Além disso, podiam trabalhar em mais de uma
ordem ao mesmo tempo.
A lentidão do telefone emperra o trabalho na bolsa. Devido
à demora, alguns pequenos investidores que telefonaram na manhã
de 19 de outubro não ficaram sabendo o que tinha acontecido com
suas ordens até o dia seguinte. Consequentemente, a maioria
dos investidores individuais perdeu a noção do valor de seus
investimentos. O saldo de suas contas de aposentadoria, poupança
e investimentos era desconhecido. Embora tentassem vender uma ação
por, digamos, dez dólares, devido à longa espera não
sabiam ao certo por quanto a ação tinha sido vendida.
Estavam, na verdade, vendendo às cegas.
Se o telefone fosse substituído pelos computadores
e modems, pelo menos em dias de grande volume, o mercado funcionaria com
muito mais tranqüilidade e com menos pessoas vendendo por motivo de
pânico. Mais ordens poderiam ser processadas, um número
maior de pequenas ordens poderia ser reunido em lotes maiores e os compradores
e vendedores poderiam ser combinados com mais eficiência.
Havia outro anacronismo: as chamadas firmas especialistas. As firmas especialistas são um remanescente da fase mais obscura da história de Wall Street. Remontam ao início da bolsa em 1972 e estão quase completamente deslocadas no mercado eletrônico de grande volume. Até o relatório da SEC de 1962 previa sua eliminação.
De fato, essas firmas muitas vezes atrapalham a implantação de um sistema completamente informatizado para compra e venda de ações. Uma das razões pelas quais os empresários estão iniciando suas próprias bolsas eletrônicas é o desejo de evitar essas firmas. É por isso também que as operações feitas depois do expediente na Bolsa de New York serão eletrônicas e diretas.
As firmas especialistas são intermediárias da Bolsa de Valores. São firmas credenciadas que, de acordo com o jargão do setor, “criam mercados”. Compram ações que estão caindo, seguram-nas por algumas horas ou, no máximo, alguns dias, e vendem quando o preço começa a subir. Não são corretores, nem estão interessadas em manter um estoque de ações como investimento. São operadoras ávidas para ganhar com a disparidade de preço entre vendedores e compradores em determinado dia. São operadoras que, todos os dias, querem vender tudo o que compraram. No sentido técnico, são reguladoras do mercado.
Imagina-se que, movimentando-se entre compradores e vendedores e conservando as ações por muito pouco tempo, as firmas especialistas mantêm os preços ordenados. O fato de existir um intermediário com dinheiro significa que é menos provável que os preços das ações caiam demais - a não ser ações de companhias que estão fechando. Para uma firma especialista, ações em baixa significam uma oportunidade de ganhar dinheiro mais tarde no mesmo dia. Essas firmas são autorizadas a trabalhar com apenas uma ou duas empresas de cada vez, e só compram ações dessas empresas. Entretanto, todo dia compram todas ou quase todas as ações colocadas à venda que ultrapassem a demanda pelos investidores comuns.
Antigamente, antes do mercado eletrônico, as firmas especialistas conseguiam impedir que os preços caíssem muito rapidamente ou que subissem demais. Assumiam, porém, muito risco nesse processo (embora pudessem ganhar muito também). Contudo, na era eletrônica, potencialmente mais volátil, quando num único dia mais ações podem mudar de mãos do que era possível no passado, elas assumem um risco maior ainda. Precisam de imensas linhas de crédito para fazer suas compras e se precaverem, caso o volume aumente.
No dia 19 de outubro, as firmas especialistas rapidamente ficaram abarrotadas. Havia muitos vendedores e nenhum comprador. Para manter o mercado estável, as firmas especialistas tiveram que comparecer com tremendas reservas de dinheiro para comprar todas as ações à venda. Não puderam fazer isso porque os bancos cortaram suas linhas de crédito. Por isso, várias vezes, no dia 19 de outubro, certas ações não tiveram compradores. Nenhum comprador. As firmas intermediárias faliram.
As firmas especialistas funcionaram bem enquanto os volumes eram pequenos, mas quando o sistema passou a lidar com um bilhão de ações, não puderam fazer nada, a não ser dar ao mercado uma falsa sensação de segurança. Mesmo assim, durante a queda de 1987, algumas simplesmente se recusaram a comprar ações. Estavam no negócio para ganhar dinheiro, não para cometer suicídio. Se era assim, por que mereciam sua posição privilegiada de intermediários autorizados? Por que estavam credenciadas a ter assentos no pregão da bolsa? Por que tinham uma posição tal que obrigava quase todos os outros operadores a passar por elas?
Se os mercados eletrônicos pudessem ser movimentados
livremente, sem a interferência de firmas especialistas, o software
existente poderia eliminar a volatilidade. A todo momento do dia
(e da noite), os investidores poderiam obter preços verdadeiros
para as ações que quisessem comprar ou vender, sem a interferência
de um intermediário. A tecnologia tomou o lugar das firmas
especialistas.

