AVENTURAS NO ESPAÇO
CIBERNETICO:
Por que a Crise de 19 de Outubro de 1987 foi
Diferente de Tudo o que a Precedeu?
 

   Vamos analisar mais profundamente a crise do mercado acionário de 1987.  Muitas pessoas tentaram explicá-la chamando-a simplesmente de outro exemplo dos excessos de Wall Street - uma reedição da crise de 1919, disseram os pensadores da linha antiga; algo que algumas regras novas, impostas pelo Congresso, podem consertar.  Na opinião de algumas pessoas, não houve nada de particularmente significativo nessa crise, apenas o choque da ambição com uma economia fraca.  Felizmente, os anos 80 acabaram.  “Foi uma simples correção,” disse o presidente Reagan sobre a queda de 508 pontos, enquanto caminhava na direção de seu helicóptero, naquele dia.

   Os eventos de outubro de 1987, entretanto, apontam para algo muito diferente: uma mudança no modo pelo qual o mundo é organizado.  A maioria dos analistas, ao discutir a importância da Segunda-feira Negra, como foi chamada depois, não percebeu isso.  A Segunda-feira Negra não aconteceu na economia corriqueira, do dia-a-dia, com que todos estamos familiarizados.  Ocorreu no espaço eletrônico.  Foi um tremor na esfera da informação.
O dia 19 de outubro é significativo por várias razões.

   Em primeiro lugar, embora tenha sido uma crise mais profunda do que a de 1929, não foi seguida por uma Grande Depressão.  Pelo menos por enquanto.

   Em segundo lugar, embora tenha sido uma tremenda perda de riqueza, a maior que já ocorreu, é difícil achar alguém que realmente tenha sido prejudicado.

   É verdade que investidores individuais pararam de investir em ações por conta própria e passaram para fundos mútuos e outros instrumentos mais seguros. É verdade também que, em conseqüência dessas mudanças no comportamento do investidor, vários milhares de pessoas - cerca de cinqüenta mil foram demitidos de seus empregos em Wall Street e em firmas pelo país afora.

   Com a perda de $ 1 bilhão, porém, era de se esperar que as demissões em todo o país atingissem milhões.  Cinqüenta mil empregos é um número considerável, especialmente se um deles é o seu, mas não significam muito numa economia que emprega mais de 118 milhões de pessoas.  E como a maioria dos especialistas em finanças que perderam seus empregos encontraram um novo em outras áreas da economia - bancos, seguros, finanças empresariais, computadores -, isso não parece ter sido um grande problema.

   Em terceiro lugar, o acontecimento de 19 de outubro de 1987 foi de natureza financeira, mas, por estranho que pareça, não teve grandes repercussões financeiras.  Não elevou as taxas de juros, não causou pânico, não prejudicou o comércio ou os gastos em consumo nem diminuiu muito o ritmo do crescimento. Na realidade, o ano seguinte à queda, 1988, foi um ano muito bom para o crescimento, apesar das previsões de catástrofes feitas por muitos economistas.  E a recessão que finalmente aconteceu, no final de 1990 e durou até meados de 1991, foi mais curta e mais superficial do que a maioria das recessões anteriores à criação do padrão megabyte.
 

POR QUE O MUNDO É DIFERENTE?

   O mundo eletrônico de hoje é muito diferente do mundo do passado.  O sucesso econômico deste mundo - especialmente no setor financeiro, mas a cada vez mais em outros setores também - depende da assimilação muito rápida de grandes quantidades de informações.  Não só isso, mas a cada ano a quantidade de informações que precisam ser digeridas aumenta, enquanto o horizonte de tempo diminui.  Os tomadores de decisões têm que fazer suas avaliações rapidamente.  No entanto por estranho que possa parecer, com tantos fatos e tantas análises aparecendo na tela do computador, simplesmente não dá tempo de avaliar suas conseqüências antes de tomar decisões.  Os julgamentos, então, são feitos por reflexo e intuição.  Não há tempo para raciocinar.

   Para os corretores, trabalhando num ambiente de tanta informação, a vida é. mais do que excitante.  As tensões são tremendas.  Os corretores, como os controladores de vôo nos maiores aeroportos, têm que recompor constantemente a visão do mundo a partir de pequenos fragmentos de dados que são continuamente atualizados.  Algumas casas de investimento, como a Morgan Stanley e a Jefferies, tentaram automatizar a tomada de decisões.  Mesmo assim, esses sistemas ficam facilmente sobrecarregados quando o pânico se alastra.

   As salas de operações nas grandes casas de investimento são símbolos gráficos da era da informação.  São nós densamente carregados da rede nervosa mundial.  São os ambientes onde as informações saltam de uma tela para outra numa sinapse quase infinita.  No sistema nervoso humano, ions carregados e moléculas orgânicas complexas transportam pacotes de informações através dos espaços biológicos entre as células nervosas.  Acredita-se que é assim que os pensamentos viajam através do cérebro.

   Da mesma forma, na rede neural do dinheiro, as informações chegam numa tela de computador - ou numa janela na tela - e pulam para outra com a ajuda da mente humana.  O operador, gerente ou analista no painel de controle coloca no sistema “carga” suficiente, tirada de uma fonte eletrônica, para apertar um botão e saltar o espaço vazio.  O julgamento humano é para a rede eletrônica o que os ions carregados e as longas cadeias de moléculas são para o cérebro.
 
    O julgamento real, contudo, requer tempo.  Requer que se pense, processe e analise os fatos.  Requer que se relacionem esses fatos com um mundo interligado de dados.  Requer que a avaliação do presente se baseie em algum conhecimento e experiência do passado.  Requer anos de treinamento amadurecimento, melhor dizendo.

   Entretanto, em vez de julgamento, o espaço eletrônico só tem sentimentos intuitivos e palpites.  As pessoas no espaço eletrônico estão cada vez mais relegadas ao trabalho de dizer apenas “não” (ou “sim”) às informações na tela do computador.  Elas processam as informações da maneira como fazem os computadores, de maneira simplificada, binária - zeros e uns. As telas só pedem julgamentos do tipo “sim” ou “não”.  Isso reduz a mente humana ao nível de uma calculadora.

   Assim é que as coisas funcionam nas salas de operações, como as da Salomon Brothers, no topo de um prédio no World Financial Center, em Manhattan.  Num bom ano, a, Salomon Brothers Inc. negocia $ 2 trilhões em ações, títulos e commodities.  Algumas vezes, compra títulos no valor de $ 4 bilhões de uma só vez. Às vezes exagera, como mostrou o escândalo de agosto de 1991, quando o há muito tempo presidente da Salomon, John H. Gutfreund, foi forçado a demitir-se.

   A Solly, como é chamada, também negocia contratos de instrumentos esotéricos, como “taxas de juros no mercado futuro”, e compra e vende hipotecas imobiliárias e comerciais.  Todos os escritórios da Salomon - em Londres, Tóquio, Budapeste, Sydney, Dallas, New York e outros lugares - estão interconectados.

   Como os escritórios estão conectados (e as casas de muitos corretores e altos funcionários também), a Salomon Brothers está sempre aberta, em todo lugar.  Seus circuitos (em linguagem de computação) foram inicializados; estão ligados.  Na realidade, a tecnologia da Salomon torna impossível que a firma feche.  A atividade na rede da Salomon é como a atividade do cérebro.  Alguns períodos são mais ativos do que outros, mas a rede nunca dorme.
 

A SALA DE OPERAÇOES DA SOLLY

    A enorme sala de operações de 500 m2 é extremamente iluminada.  Suas paredes são brancas, os pisos são cobertos com carpete claro.  O teto é alto e a sala é banhada em luz - luz do sol jorrando pelas janelas, luz fluorescente irradiando do teto e o brilho pálido das telas de computadores em vários tons de verde, azul e branco e preto.

   A vista da sala é impressionante.  Pode-se ver Jamaica Bay, a Estátua da Liberdade, Staten Island, Long Island, os aviões decolando e pousando no Aeroporto John F. Kennedy e a curvatura da terra.  Dessas janelas você parece poder ver o futuro distante.

   Os corretores, porém, nunca olham pela janela.  Estão muito ocupados movendo seus cursores de linha em linha e de janela em janela em suas telas.  Seu trabalho no mundo do dinheiro é saltar o espaço vazio: enviam informações através de sinapses eletrônicas.
   Quem fizer isso mais depressa, mais inteligentemente e com mais freqüência durante um dia de trabalho ganha mais dinheiro. As empresas que processam essas informações - tiram inferências e transformam-nas em dólares - lucram mais.

   A sala de operações da Salomon Brothers, e de outras casas, é organizada como a sala de notícias de um jornal ou estação de televisão.  E é como deveria ser.  Negociar ações, títulos, moedas e contratos de futuros, notas do Tesouro, Hipotecas imobiliárias, contratos de petróleo e qualquer coisa do gênero é apenas outra maneira de manipular informações.

   Não existem escritórios na sala de operações.  E uma única sala aberta, sem nenhuma parede interna.  As pessoas são agrupadas em centenas de mesas de trabalho interconectadas, organizadas em ângulos estranhos.  Passagens serpenteiam entre as mesas de trabalho.  Os corretores de títulos sentam-se num conglomerado, os corretores de moedas em outro, os corretores de petróleo num terceiro, como num jornal ou rede de televisão onde os repórteres que cobrem a economia e seus editores sentam-se próximos, os repórteres que cobrem a cidade e seus editores sentam-se juntos e assim por diante.  Debaixo das mesas de trabalho, milhares de cabos de cobre e de fibra ótica desaparecem no chão e seguem seu caminho para os computadores da companhia.

   Juntar as pessoas facilita a troca de informações.  Troca, naturalmente, é um eufemismo, porque na prática ela é geralmente muito barulhenta e brusca.  O pessoal das salas de operações grita perguntas, troca informações rabiscadas às pressas, lêem por cima dos ombros uns dos outros, escutam conversas, aparteiam opiniões e gritam novos desdobramentos.  Pode ser difícil concentrar-se no meio do barulho, especialmente quando os corretores, com o que chamam “down time”1, contam piadas ou velhas histórias ou fazem guerra com os elásticos de prender maços de notas perto de corretores que estão trabalhando.  O tom de voz e a intensidade podem subir e baixar como uma onda durante o dia, espelhando perfeitamente os eventos correntes.

   A maioria dos supercomputadores, como o Cray YMP e o Connection Machine - os realmente rápidos, que podem processar um bilhão de informações ou mais por segundo -, também são arranjados com seus microprocessadores em conglomerados menores, densamente ocupados.  São organizados de modo que a distância entre processadores seja minimizada, para acelerar o fluxo de informações.  Os painéis das salas de controle dos aeroportos são organizados exatamente da mesma maneira.  Na arquitetura da troca de informações, quanto mais rapidamente as informações forem distribuídas entre os processadores e depois devolvidas, mais rapidamente podem ser analisadas. É por isso que os ambientes de informação intensiva funcionam melhor quando todos os elementos humanos (e de silício) estão densamente agrupados.

   Na Salomon e em outras grandes casas as mesas de trabalho dos corretores podem ter até doze linhas de telefone.  Cada mesa também tem quatro ou cinco telas de computador e cada uma delas tem múltiplas janelas para mostrar diversos tipos de informações ao mesmo tempo.

   Um corretor, com seus sistemas funcionando, pode estar olhando para até vinte diferentes telas ou partes de telas mostrando informações sob formas diferentes - gráficos, quadros, listas numéricas, cotações, recomendações sobre compra e venda e assim por diante.

   No teto da sala de operações ficam sinais luminosos com informações em tempo real sobre preço de commodities, ações, moedas, títulos e assim por diante. As telas de computador na mesa de trabalho dos corretores são programadas para transportar essas informações bem como os relatórios de agências como a Reuters, I.D.E.A., Bloomberg Business News, e a Dow Jones & Company. Essas telas também dão previsões de tempo em todo o mundo - que são especialmente importantes se você negocia com commodities como trigo, milho, soja, arroz, carne - e relatórios de analistas e economistas.
 

1. Tempo em que o corretor não pode fazer nada ou não dispõe de informações suficientes ou está à espera de instruções ou tem que aguarda-las pelo computador. (N.T.)
 

   Os terminais de computador também são alimentados com dados econômicos de curto e de longo prazo.  Um toque no teclado pode mostrar taxas de juros em todo o mundo, as estimativas de crescimento e contração do estoque de dinheiro em países específicos, a taxa de inflação, estoques de gás de calefação disponíveis e assim por diante.

   As telas lhe dão as previsões consensuais dos principais economistas do país.  Estas previsões incluem produto nacional bruto, taxas de juros futuras, alvarás de construção civil, vendas no varejo, gastos das fábricas e assim por diante.

   Sempre que algo novo e importante aparece nos noticiários na sala de operações - um incêndio numa grande refinaria de petróleo, a explosão de um grande silo de grãos, a morte de um líder mundial -, a primeira pessoa que fica sabendo dá o grito de alerta.  O uso desse tipo de informações pode gerar lucro.  Se a refinaria de petróleo pega fogo, o preço da gasolina e de outros produtos refinados sobe.  Entretanto, cuidado se o fogo for controlado em um ou dois minutos.

   Os computadores dos corretores também estão programados para dar sinais de compra e venda.  Alguns são automáticos.  Se o preço do petróleo sobe até certo nível em certo mercado, o computador avisa o corretor.  Este pode então apertar o botão ou fazer uma chamada - dependendo da commodity, ação ou título - para fechar um negócio.

   Alguns são semi-automáticos.  As mudanças de valor do dólar em relação às principais moedas do mundo, minuto a minuto, podem ser colocadas num gráfico.
 
 

OPERANDO NO ESPAÇO CIBERNÉTICO
 
   Os operadores estão próximos fisicamente, mas também estão próximos no que as pessoas estão começando a chamar de espaço cibernética,. um termo tirado da ficção científica.  O espaço cibernético não ocupa espaço algum.  Ele é, na realidade, a terra do nunca dos computadores (originalmente chamados cybers).  O pessoal do espaço cibernético não ocupa lugar nenhum.  No jargão do setor, são simples pontos que podem ser acessados numa rede.

   Operar no espaço cibernético significa que seu mundo não está limitado às pessoas dentro de seu grupo na sala de operações.  Significa que as pessoas com quem você conversa, trabalha, ou interage, e sobre as quais você pensa, são as pessoas da rede.  As pessoas com que você tem mais contato podem ser pessoas que você nunca viu ou a quem você nunca foi apresentado.  São as pessoas com que você compartilha seu poder de computação.

   Como operam juntos no espaço cibernético, esses operadores aprendem o que os outros operadores em todo o mundo procuram numa transação.  E, naturalmente, aprendem como estruturar uma negociação para atrair o interesse de seus colegas que estão em outros pontos do mundo.

   Esta tecnologia transporta informações como uma mangueira transporta água.  Não importa para a mangueira se a água é salgada ou doce.  Não importa para a rede de fibra ótica se as informações que ela transporta são relevantes ou irrelevantes, verdadeiras ou falsas.  Ela simplesmente manda seus pacotes eletrônicos através das linhas.

   Piadas que surgem numa firma de New York podem ser repetidas dentro de uma fração de segundo em Bahrein.  Rumores que percorrem os corredores de uma firma em Londres podem ser cochichados alguns segundos depois nos corredores de firmas de Tóquio, Frankfurt ou Los Angeles.

   Alguns operadores nunca se afastam de seus “nós” nessas complexas redes neurais.  Eles podem sair do escritório em Manhattan, mas enquanto estão fora, são vistos discando o número de seus colegas em seus telefones celulares.  Podem mandar um fax de seus carros a caminho de casa.  E durante uma festa podem furtivamente dar uma olhada em seus aparelhos Quotrek de bolso.  Os Quotreks, que recebem ondas de rádio especiais de FM, dão os preços de ações, títulos, moedas e commodities vinte e quatro horas por dia.  Podem ser programados para apitar ou vibrar quando os preços atingem determinados níveis. junte-se a isso vinte e quatro horas de CNN e os serviços de telégrafo, e a insônia pode tomar-se uma estratégia para ganhar dinheiro.

   Para certos tipos de pessoas, a cibernética pode ser confortante.  A qualquer momento da noite ou do dia, têm com quem conversar, barganhar e com quem (ou contra quem) conspirar.  Existem outras pessoas à escuta, a quem podem passar rumores.  Se um adulto passa a viver no espaço cibernético (o equivalente a uma criança que se torna viciada em videogame), ele - e, cada vez mais, ela - nunca mais estarão sozinhos.

    Entretanto, o espaço cibernético, como a própria terra, está ficando poluído. Muita informação está sendo jogada nele.  E nossos cérebros são pequenos demais para organizar tudo isso.  O excesso de informações ameaça trazer mais catástrofes ao espaço cibernética, por mais que as salas de operações sejam bem organizadas.
 

A SEGUNDA-FEIRA NEGRA: UM EVENTO CIBERNÉTICO

   A queda da bolsa de 19 de outubro aconteceu no espaço cibernética.  Foi um dos primeiros desastres reais do espaço cibernético.  Não foi, porém, precipitado por informações de natureza estritamente financeira.  De fato, embora os investidores estivessem entrando em pânico no verão de 1987, a situação econômica mundial tinha mudado muito pouco: os déficits do orçamento e da balança comercial dos Estados Unidos eram tão grandes como sempre, o valor do dólar era estável, os pedidos e a produção das fábricas continuavam os mesmos, os trabalhadores não estavam fazendo nenhuma nova reivindicação, o Japão e a Europa não tinham nem mais nem menos desemprego, a produção de aço continuava nos mesmos índices de antes, e assim por diante.

   O clima psicológico e das informações, entretanto, tinha se acelerado.  Com o índice Dow atingindo novos recordes de altas quase toda semana durante o ano, os operadores começaram a se perguntar: “Por quanto tempo isso vai continuar?”

   Um operador, gerente de um fundo mútuo de $ 220 milhões do Chase Manhattan Bank, disse numa entrevista que durante a primavera de 1987 ele tivera uma semana particularmente boa.  Disse que o mercado estava subindo tão rapidamente que num dia o valor de seu próprio fundo de pensão tinha aumentado em $ 50.000
 
   Em seguida, porém, ele disse: “Vocês não acham que um dia isso vai cair? É bom demais para durar.” O comentário desse gerente de fundo refletia uma preocupação crescente - um novo nervosismo - em relação o mercado, que nada tinha a ver com os fundamentos econômicos ou financeiros.  Ele estava ficando apreensivo simplesmente porque os bons tempos estavam durando demais.  E essa apreensão entrou no circuito eletrônico.

   Outros operadores e gerentes de fundos também estavam ficando nervosos exatamente pela mesma razão.  E alguns também estavam se sentindo culpados.  Estavam ganhando somas astronômicas e, no entanto tinham que passar por uma multidão de pessoas desabrigadas no caminho para seus arranha-céus em Wall Street.

   O nervosismo de New York foi transmitido para todo o mundo através de chamadas telefônicas, correio eletrônico e conversas face a face.  Também se espalhou pelas salas de operação do país. À medida que passava de um centro financeiro para outro, ia se amplificando, como a eletricidade percorrendo as bobinas de um transformador.

   De repente, a venda de um livro que estava parado havia meses na obscuridade começou a subir vertiginosamente.

   Era The great depression of 1990, escrito por um desconhecido professor de economia da Índia, Ravi Batra, que estava dando aulas numa pequena faculdade do Texas.  O livro era uma mistura de misticismo, filosofia indiana e economia.  Era o tipo de livro que qualquer operador, normalmente, teria ignorado.  Mostrava o quanto um cérebro acadêmico privilegiado podia decair quando abandonado ao sol do Texas.  Contudo alguns exemplares do livro, publicado pelo próprio autor, começaram a circular em Wall Street, até que uma grande editora o notou e publicou uma nova edição.

   O livro de Ravi Batra permaneceu no topo da lista dos mais vendidos durante meses.  Era freqüentemente convidado para programas de entrevista. Logo a mensagem do livro tinha penetrado a psique das pessoas que trabalham nos corredores do espaço cibernético das finanças internacionais: “Os bons tempos logo vão acabar.”
 

ANSIEDADES DO MUNDO REAL

   O verão de 1987 também teve sua cota de ansiedades do mundo real, mas não foram de natureza econômica.  A guerra entre Irã e Iraque estava se intensificando.  Quando a luta aumentou, os Estados Unidos fizeram um acordo com o Kuwait para proteger seus navios, permitindo que viajassem sob a bandeira americana.

   A grande armada de navios de guerra dos Estados Unidos foi despachado para o Golfo Pérsico para patrulhar suas águas.  Alguns navios colidiram com minas, outros colidiram entre si.  Esses navios estavam super-armados e expostos ao fogo da força naval e aérea iraniana e iraquiana.

   Embora o mundo estivesse inundado de petróleo - e os preços baixos confirmavam esse fato dia a dia - a ameaça de uma guerra mais ampla no golfo possivelmente envolvendo os Estados Unidos, deixava as pessoas nervosa. Então, imediatamente antes da queda do mercado acionário, um navio kuwaitiano, carregando uma bandeira dos Estados Unidos para se proteger, foi incendiado por um barco patrulheiro iraniano.  O barco foi afundado, e isso foi tudo.  Realisticamente, a situação foi controlada e a guerra não se ampliou. Nem o Irã nem o Iraque, que na época recebia ajuda dos Estados Unidos, queriam lutar contra os Estados Unidos.  Dentro do espaço cibernético, porém, a pernas estavam tremendo.  Dentro dos confins das salas de operações, os boatos se espalhavam.

   Dentro desse clima psicológico, chegaram os primeiros eventos realmente econômicos.  Tiveram conseqüências, mas nenhuma pessoa razoável tinha razão para se assustar.  As condições econômicas subjacentes eram tão sólidas e 1987 como em 1986 ou 1988.

   Em agosto de 1987, surgiu uma disputa entre os Estados Unidos e a Alemanha quanto a taxas de juros.  Os Estados Unidos, um grande tomador de empréstimos para financiar seus déficits, tinha que manter as taxas de juros substancialmente mais altas do que seus aliados, para atrair novos recursos.  A Alemanha, contudo, temendo um leve aumento da inflação, quis aumentar suas taxas de juros para desacelerar sua economia superaquecida e manter a inflação sob controle.
Como a Alemanha é um grande fornecedor de capital para os Estados Unidos, sua decisão de elevar as taxas preocupou o Departamento do Tesouro por duas razões.
 
   Em primeiro lugar, como o Tesouro precisava tomar empréstimos no exterior para financiar sua dívida, taxas de juros mais elevadas no exterior significavam que as taxas oferecidas pelo governo dos Estados Unidos também precisavam subir.  Taxas mais altas freariam a economia e poderiam causar uma recessão.  Com uma eleição presidencial a menos de um ano, os Republicanos temiam que a recessão desse uma vantagem aos Democratas.

   Em segundo lugar, havia o temor de que, se as taxas subissem no exterior, aqueles que investiam nos Estados Unidos venderiam suas posições e comprariam títulos estrangeiros.  Era um medo exagerado na ocasião (e a situação nunca evoluiu), mas estava sendo cochichado através dos corredores do espaço cibernética.

   O anúncio da elevação das taxas de juros pela Alemanha só aumentou o pavor dos nervosos investidores de Wall Street.  James Baker, que, na ocasião, era secretário do Tesouro, disse publicamente à Alemanha que ela não podia aumentar suas taxas.  Foi repreendido por Karl Otto Pöhl, presidente do Bundesbank, o banco central alemão.  As taxas de juros na Alemanha começaram a subir, mas o dólar permaneceu firme.

   Em seguida vieram algumas estatísticas ruins - a balança comercial dos Estados Unidos com o resto do mundo continuava a se deteriorar em agosto.  O fato em si não era novo, mas dentro do clima instável da época assumiu grande significado.

   O The New York Times e o The Wall Street Journal traziam artigos escritos por proeminentes economistas sobre a possibilidade de colapso do dólar, deixando os investidores ainda mais nervosos.  No The New York Times, Kenichi Ohmae, o economista que dirige a operação da McKinsey & Company em Tóquio, previu o colapso do mercado imobiliário japonês e com ele uma repentina implosão de fundos que poderia afetar o supervalorizado mercado acionário japonês e o mercado acionário americano também.  Nada disso aconteceu, mas Ohmae levantou o espectro do colapso no Japão.  As salas de operações e as salas de notícias tremiam de medo.

   Em agosto de 1987, a Barrons, uma publicação financeira semanal, publicou um debate entre quatro notáveis investidores que estavam profundamente pessimistas.  Um deles, James Rogers, que ganhou uma fortuna no início dos anos 70 como sócio da Odyssey Fund, chegou a recomendar a venda de todas as ações.  Ele estava esperando uma depressão, disse.  O único investimento que estava comprando eram títulos do governo, garantidos não pelo Departamento do Tesouro (ele achava que o governo federal não honraria suas obrigações), mas por hipotecas de propriedade do governo.  Cópias desses artigos e dos debates circularam pelas salas de operações e foram mandadas por fax para o mundo inteiro.

   Então, durante o verão, os japoneses, que estavam comprando até um terço dos bônus emitidos pelo Departamento do Tesouro - e assim emprestando ao governo americano o dinheiro de que ele precisava para realizar suas atividades - saíram do mercado.

   Em vez de comprar títulos do Tesouro americano, começaram a comprar títulos altamente rentáveis do governo alemão.  Sem compradores para seus papéis, o Tesouro foi forçado a elevar as taxas de juros de seus títulos.  O espaço cibernética estava tumultuado.

    O próximo acontecimento foi ainda mais devastador.  Durante a semana de 12 de outubro, os investidores japoneses perceberam o nervosismo de New York.  De acordo com Taggert Murphy, que na época era o chefe das colocações privadas do Chase Manhattan em Tóquio, “os japoneses perceberam o que estava acontecendo entre os Estados Unidos e a Alemanha em relação às taxas de juros.  Em conseqüência, começaram a vender suas ações e a comprar grande quantidade de títulos.” (Isto foi dito numa conversa telefônica particular em março de 1988, em Tóquio.)

   No Japão, de acordo com Murphy, os mercados financeiros estavam altamente concentrados.  Existem apenas uns vinte bancos importantes, em comparação com mais de dez mil nos Estados Unidos.  Essa tremenda concentração de riqueza dentro da comunidade financeira do Japão significava que as decisões de apenas umas dezenas de gerentes podiam movimentar dezenas de bilhões de dólares em investimentos em questão de segundos.

   Desse modo, disse Murphy, durante a semana de 12 de outubro, quase todos os gerentes de fundos do Japão começaram a pensar da mesma maneira.  Começaram a instruir seus escritórios em New York para tirar o dinheiro do mercado de ações e colocá-lo em bônus.  Como a concentração de recursos era tão grande, esses movimentos começaram a empurrar o preço das ações americanas para baixo, violentamente.  Na sexta-feira, dia 16 de outubro, o índice Dow caiu 108.35 pontos, e os investidores perderam $ 145 bilhões com a venda de 344 milhões de ações: era o começo do colapso.  Foi a décima maior queda percentual desde o fim da Segunda Grande Guerra.

    Enquanto a imprensa especulava sobre o que aconteceria na segunda-feira, após o colapso de sexta-feira, operadores, investidores individuais e gerentes de carteiras de todo o mundo se comunicaram uns com os outros durante o fim de semana, através das novas tecnologias do espaço cibernética.  Ajustaram suas previsões, estabeleceram suas estratégias e tomaram suas decisões de investimento.  Estavam muito pessimistas.

    Na segunda-feira seguinte, Segunda-feira Negra, começou com mais venda pelos japoneses e continuou com outros investidores também vendendo suas ações.  Por volta do meio-dia, os programas de computador que monitoram os mercados, jogaram milhões de ações no mercado, causando a pior catástrofe econômica que a comunidade dos investimentos já conheceu.  Os mercados despencaram por toda parte.
 

POR QUE A SEGUNDA-FEIRA NEGRA FOI “NEGRA”

   Em tempos normais, os eventos que precederam a Segunda-feira Negra não teriam dado em nada.  Se os japoneses tivessem que sair as ações, teriam feito isso lentamente e talvez tivessem feito o mercado cair alguns pontos.  Entretanto, todo mundo estava esperando por um colapso.  A rede nervosa do dinheiro transportava tanto emoções - principalmente medo e culpa - quanto pensamentos.

   Toda vez que o mercado acionário caía um ou dois pontos nos seis meses anteriores à queda, os entendidos especulavam se a “grande queda” estaria a caminho.  Para uma pessoa de fora, podia parecer que estavam falando de terremotos na Falha de San Andreas, na Califórnia.  A rede do dinheiro é, porém, um animal curioso.  Não há nada que acalme seu nervosismo; nem seu otimismo.  Na realidade, não existem calmantes para a rede.

   Dois dias depois da queda, o historiador e comentarista social britânico Paul Johnson disse numa entrevista: “O que aconteceu mostra dois horizontes de tempo diferentes sob os quais operamos hoje.  Por um lado, houve a queda.  Ela foi mundial e acabou em questão de minutos.  Foi eletrônica.”

   “Por outro lado, os governos de todo o mundo agora vão ter que analisar os eventos,” disse ele.  “Vão ser feitos estudos, investigações.  Vai levar meses, talvez anos, para que os relatórios fiquem prontos e sejam tomadas providências em termos de legislação.  E quando os governos finalmente tomarem alguma medida, a situação já poderá ter mudado drasticamente.  Ou, pior ainda, quando os relatórios forem publicados, ninguém mais estará interessado no que disserem.”

   Johnson estava certo, naturalmente.  Poucos dias depois da queda, o Congresso, as bolsas de valores, as bolsas de futuros, a Securities and Exchange Commission, o General Accounting Office, o Departamento do Tesouro, as firmas de corretagem e os professores universitários tinham todos começado a pesquisar a crise.  Estudos semelhantes estavam sendo feitos no exterior.  Os relatórios foram publicados no decorrer dos três anos seguintes.

   Entretanto, quando esses relatórios saíram - inclusive o Relatório da Comissão Brady, o mais importante de todos -, o interesse havia quase desaparecido.  As recomendações da Comissão Brady, algumas muito boas, nunca foram completamente implementadas.  Consequentemente, o mercado global e o espaço cibernético permanecem praticamente não regulamentados.

   O mundo revelado no dia 19 de outubro é um mundo que nunca existira antes. É um mundo que reage a fantasia, preocupação e pensamento abstrato. É um mundo onde a única distinção possível entre informações relevantes e irrelevantes é se as pessoas prestam atenção a elas ou não. É um mundo em que as informações se alimentam de si mesmas.

   Neste mundo, o próprio movimento de informações, em geral, é capaz de determinar acontecimentos.  Crescimento de mercado, de investimentos e o valor do dólar não são determinados por fatores econômicos, mas pelo que as pessoas pensam.  De que outra maneira poderíamos trabalhar?  Num mundo onde o fluxo de informações já é enorme e cresce diariamente, de que outra maneira poderíamos distinguir o que é relevante do que é irrelevante, a não ser por intuição?  O volume de informações é simplesmente vasto demais para fazermos avaliações ponderadas de cada dado que chega a nossa tela de computador.  Consequentemente, a rede que foi construída para prover julgamentos equilibrados, rapidamente, em todo o mundo (avaliações que precisam ser traduzidas num simples sim ou não), de vez em quando só vai transmitir histeria.  Felizmente, os danos causados até agora ficaram circunscritos dentro das paredes da economia eletrônica.