PREJUIZOS ELETRONICOS:
Por que tão Poucos Investidores Foram
Prejudicados no Maior Colapso da História
 
 

   A segunda-feira Negra agora já faz parte da história.  Contudo, aquela estranha forma de caos informatizado está fadada a acontecer de novo; tem que acontecer.  A altíssima sensibilidade da economia eletrônica e sua capacidade de movimentar instantaneamente o dinheiro em todo o globo tornam isso inevitável. O fato de que a rede eletrônica global não tem mecanismos reguladores contribui para isso.  Na realidade, de uma forma levemente diferente, a Segunda se repetiu - no Japão.

   Entre dezembro de 1989 e março de 1990, e depois, outra vez, no primeiro semestre de 1992, a bolsa de valores de Tóquio experimentou sua própria versão do caos.  Em cada um desses períodos de três meses, o índice Nikkei, o Equivalente japonês do Dow Jones, perdeu mais de 25 pontos percentuais algo da ordem de $ 250 a $ 300 bilhões cada vez.  Desde sua máxima, no início de 1989, o Nikkei perdeu cerca de metade de seu valor.  Desde 1989, as maiores empresas do Japão - Toyota, Sony, Mitsubishi e outras - passaram a valer tudo isso a menos.  Antes do colapso, o Japão tinha o maior mercado acionário do mundo.  Depois da queda, tomou-se o segundo, logo depois de New York.

   A lenta queda japonesa, que levou três anos, não foi precipitada por notícias econômicas.  Como na crise de 1987, os fundamentos econômicos de Tóquio mudaram muito pouco, tanto antes como depois da crise.  Para os gerentes de carteiras de investimentos no distrito financeiro de Tóquio, era uma simples questão de ter nervos fortes.  As ações estavam simplesmente “supervalorizadas”, diziam os analistas, e, portanto, venderam tantas quanto puderam.

   Mas, afinal, o que significa dizer que as ações estão supervalorizadas?  E por que as ações japonesas estavam supervalorizadas em janeiro, se alguns meses antes eram consideradas subvalorizadas?  E para ser fiel aos fatos, o desempenho geral da maioria das empresas japonesas - as mesmas que os analistas diziam estar supervalorizadas -, na realidade, melhorou durante o período de lenta queda da bolsa de Tóquio.
 

O VALOR DE UMA EMPRESA DESMONTADA

   Por um critério, estar supervalorizadas significa que a ação de uma empresa está sendo vendida por mais do que a companhia vale se fosse desmontada e vendida por partes no mercado aberto.  Por esse critério, a Mitsubishi Heavy Industries estaria supervalorizada se as empresas da Canon (sua subsidiária que fabrica máquinas fotográficas), da Mitsubishi Motors (sua subsidiária que fabrica automóveis e caminhões), da Mitsubishi Electronics (sua subsidiária que fabrica computadores), da Mitsubishi Estate (sua divisão imobiliária) e assim por diante, valessem menos se vendidas separadamente do que o valor total das ações da empresa.  O valor de ações supervalorizadas, por esse critério, estaciona e acaba caindo.

   Esse raciocínio, contudo, só é válido em países onde o valor de uma empresa desmontada é um motivador para a compra de ações.  Esse raciocínio pode ser válido nos Estados Unidos ou na Inglaterra, onde um raider1 como Carl C. Icahn compra ações da USX, antiga United States Steel, e pressiona o conselho de diretores para separar a divisão de produção de petróleo da divisão de produção de aço em duas empresas distintas.  Ou quando a Trans World Airlines (TWA) é comprada, também por Carl C. Icahn, e suas rotas valiosas são vendidas para diferentes empresas aéreas, uma por uma, para pagar a dívida acumulada quando o raider tomou dinheiro emprestado para comprar o controle acionário da companhia.

   Isto, porém, não acontece no Japão.  A estrutura dos conselhos de diretores japoneses é um pouco diferente da estrutura dos conselhos americanos ou ingleses.  Os conselhos japoneses são constituídos por pessoas que fazem negócios com a empresa que dirigem, pessoas que têm interesse em manter a companhia como um todo.  O banco onde a empresa tem conta, os fornecedores e freqüentemente os clientes são membros do conselho de diretores.  Participar desse conselho não é fácil.  E, às vezes, as empresas japonesas têm dois conselhos: um conselho interno, que tem o poder, e um conselho externo, que é quase só fachada.
 

1. Literalmente, pessoa que faz um ataque repentino.  No jargão do mercado acionário, pessoa ou empresa que procure obter o controle de outra empresa comprando suas ações no mercado.  Ver GRIFFIN, Gerald.  Maquíavel na administração.  São Paulo: Atlas, 1994. (N.T.)
 

   A Sony tem dois conselhos, e um americano, Michael P. Schuloff, faz parte de um deles.  Entretanto, Schuloff, diretor da operação de software da Sony (inclusive a divisão de filmes e discos nos Estados Unidos), participa do conselho externo.  Ele tem pouco poder real para determinar o que acontece na empresa.  Se as ações da Sony forem acumuladas por um raider, a decisão do que fazer a respeito seria tomada pelo conselho interno.  Os credores da Sony e os parceiros de negócios - pessoas com grande interesse em preservar a companhia como um todo e manter o preço de suas ações estável - compõem o conselho interno.
 
    T. Boone Pickens, o raider que dirige a Mesa Limited Partnerships, uma produtora de gás natural em Amarillo, Texas, e a Boone Company, descobriu a duras penas o quanto é difícil conseguir um assento num conselho diretor japonês para preparar a tomada de uma empresa.  Pickens comprou 23% das ações da Koito Manufacturing Industries e tornou-se seu maior acionista.  Entretanto, a Koito, que fornece equipamentos eletrônicos e de iluminação para a Toyota, recusou-se a dar a Pickens um assento no conselho, porque a Toyota, que possui menos de 10% das ações da empresa, não permitiu que Pickens participasse dele.  A Toyota, o maior cliente da Koito, precisa que a empresa permaneça inteira e saudável, e não dividida em suas partes constituintes e vendida com fins de lucro rápido.

   Apesar de uma guerra de procurações para votar em nome de outros acionistas, de tentativas de pressionar a Koito através da administração Bush e da imprensa e da contratação de uma firma de advogados caríssima em Tóquio, Pickens perdeu a batalha.  Ele nunca foi “convidado” para participar do conselho, nem conseguiu entrar à força.  Pickens teve que vender suas ações e a Koito continuou inteira.

   Com ações, mas sem voz, os raiders não têm sucesso no Japão.  Portanto, o termo “supervalorizada” usado em relação ao valor de venda de uma empresa desmontada não faz nenhum sentido financeiro.
 

MEDINDO O VALOR EM DIVIDENDOS

   Outro sentido do termo supervalorizada tem a ver com o que a empresa paga a seus investidores.  Esta medida, a relação preço/lucro, que tem mais crédito nos Estados Unidos do que no Japão, é calculada em duas etapas.  Em primeiro lugar, os lucros de uma empresa são divididos pelo número de ações.  O resultado é, então, dividido pelo preço de uma ação individual.  Se uma empresa teve lucro de $ 10 milhões e tem 100.000 ações no valor de $ 5, então a razão P/L é de 20/1 ($ 10 milhões divididos por 100.000 divididos por $ 5 é igual a 20).  De maneira bastante rudimentar, esses cálculos definem o retomo que um investidor obtém sobre seu dinheiro.

   Teoricamente, quanto mais baixa a taxa P/L, maior o lucro do investidor, embora outros fatores também interfiram.

  As empresas americanas, em geral, têm uma relação P/L menor que 20.  Valores entre 10 e 15 são comuns.  Na verdade, como regra geral, muitos analistas dizem que quando o mercado acionário dos Estados Unidos tem uma relação P/L média acima de 20, o mercado como um todo está supervalorizado e deverá cair.  Até hoje, esse indicador tem sido bastante confiável.
 
   No Japão, por outro lado, relações P/L de cerca de 50, 60 e até 70 são bastante comuns e não causam alarme.  Embora a relação P/L igual a 50 signifique que os investidores japoneses têm retornos menores do que os americanos, isso pouco importa.  No Japão, com sua história de baixas taxas de juros, as ações podem ter retornos mais baixos e ainda serem atraentes.

   Em geral, as taxas de juros são um bom meio de prever que tipos de investimentos são atraentes em cada país.  Se as taxas forem baixas, o mercado de ações se toma mais atraente, porque, além dos dividendos, há também a possibilidade de que a ação se valorize.  Por isso, como o Japão é tradicionalmente um país de taxas de juros baixas - em geral em tomo de 3% - as ações japonesas não estão supervalorizadas mesmo quando a relação P/L é alta.

   Entretanto, as relações P/L também indicam, embora muito rudimentarmente, o preço da empresa em relação a seus lucros e vendas.  O fato é que o preço das empresas japonesas, em relação ao preço de suas ações multiplicado pelo número de ações, é muito mais alto do que o das empresas americanas.  Por alguma razão, as empresas japonesas são caras.

   O valor da Toyota Motors, medido pelo preço de suas ações, é de cerca de $ 44,01 bilhões.  A General Motors, com vendas anuais cerca de duas vezes maiores do que as da Toyota, tem um valor de mercado de apenas $ 26,4 bilhões, aproximadamente o mesmo que a Microsoft Inc., o fabricante de software, cujas vendas são de apenas $ 2,3 bilhões. (Em 1991, a General Motors teve um prejuízo equivalente a duas vezes o faturamento da Microsoft: $ 4,5 bilhões.)

   A Nintendo, grande fabricante de jogos eletrônicos, está avaliada em $ 14,56 bilhões na bolsa de Tóquio.  A US West, a maior companhia regional de telefone, está avaliada em $ 14,46 bilhões na bolsa de New York.  A US West vende, porém, quase $ 10 bilhões, cerca de três vezes as vendas da Nintendo.  E como uma empresa de utilidade pública, a US West tem melhores perspectivas de crescimento sustentado do que a Nintendo, uma vez que o mercado de jogos eletrônicos flutua com os ciclos dos negócios. (Business Week Global 1000, 15 de julho de 1991.) E a Japan Airlines, uma empresa aérea de porte médio, tem um valor em ações equivalente a todas as empresas aéreas americanas juntas, inclusive suas maiores concorrentes, a American Airlines e a United Airlines.

   O que esses números mostram é que os japoneses, em geral, valorizam suas empresas mais do que os americanos ou mesmo os europeus.  Consequentemente, toleram relações muito mais altas de P/L. Isso significa que o mercado japonês não estava necessariamente supervalorizado antes da queda da bolsa; estava simplesmente valorizado da maneira tradicional japonesa - que pelos padrões ocidentais é muito alta.
 
 

VALOR POR DESEMPENHO

   Finalmente, as ações japonesas podiam estar supervalorizadas se as empresas estivessem com um mau desempenho quanto a lucros e vendas.  Contudo, 1989 e 1990 foram anos fortes para o Japão, com uma taxa de crescimento econômico de mais de 5%, ou seja, duas vezes a taxa de crescimento dos Estados Unidos.  Em 1989 e 1990, o Japão foi o líder mundial em crescimento industrial.  Mesmo em 1992, quando a economia japonesa entrou em “recessão”, seu crescimento ainda foi de 1,5% e sua taxa de desemprego de 2,2%.  Pelos padrões ocidentais, onde recessão significa contração econômica, o Japão nem estava em recessão.

   E não é só isso.  Mesmo com um dólar fraco, o que tornaria as exportações japonesas mais caras e, portanto, menos competitivas no mercado mundial, as empresas japonesas ainda estavam acumulando superávits comerciais recordes.  E esses superávits continuam crescendo.  Em 1991, ultrapassaram $ 100 bilhões, um recorde mundial.

   Esse excesso de dinheiro acumulado nas contas bancárias das maiores empresas japonesas não deveria prejudicar o valor de suas ações.  Ao contrário, deveria ajudar.  Com grandes reservas de dinheiro, as empresas podem pagar dividendos e fazer investimentos mesmo que as vendas caiam por um ano ou dois.

   Examinando esses fatos, torna-se claro que as empresas japonesas em 1989 e 1990 não estavam supervalorizadas por nenhum critério.  Não estavam supervalorizadas em termos do valor potencial de seus ativos se fossem vendidos separadamente (isso não existe no Japão), nem em termos da relação P/L, nem em termos da medida mais básica de todas - o desempenho de seus produtos no mercado.  E mesmo assim, o mercado acionário despencou.

   A questão é que os mercados ainda reagem aos fundamentos econômicos, só que não tão freqüentemente.  Com mais freqüência, sobem e caem em função de notícias irrelevantes.  A criação de uma nova tecnologia, de uma nova forma de dinheiro, como veremos, e de novos instrumentos negociáveis, todos contribuem para reforçar a tendência dos mercados de subir e cair com base em emoções.  Teoricamente, os mercados estabelecem os preços pesando demanda contra oferta e ponderando outras informações úteis - novas tecnologias, por exemplo, que podem modificar a demanda de petróleo.  Na prática, porém, não é isso que acontece.  O ambiente de informações em que vivemos não separa o importante do não importante.  Não separa o joio do trigo.

   Uma boa analogia com a rede econômica global pode ser vista na maneira como o cérebro humano parece funcionar.  No cérebro existem dois hemisférios: o hemisfério esquerdo é onde se processam o julgamento, a linguagem e o raciocínio matemático- o hemisfério direito é onde ficam os padrões de reconhecimento e as habilidades artísticas e musicais.  O hemisfério esquerdo é geralmente dominante, e graças a ele vivemos num mundo de ciência, linguagem, instrumentalização e tecnologia, e não num mundo dominado pelas artes.
A predominância do hemisfério esquerdo não é uma questão de escolha ou predileção cultural; ela é biologicamente determinada.  Pelo menos é o que os psicólogos pensam atualmente.

   A ligação entre os dois hemisférios é chamada de corpus callosum.  Esse grosso feixe de nervos permite que as mensagens fluam entre os dois hemisférios.  Permite que eles se comuniquem.  O corpus callosum permite que a capacidade de julgamento e de raciocínio do hemisfério esquerdo seja temperada com a espiritualidade e sensibilidade artística do hemisfério direito.

   Na maioria das pessoas, o corpus callosum também funciona como um filtro.  O lado esquerdo continua predominante, porque nem todas as mensagens do lado direito são comunicadas.  A comunicação entre os dois lados é modulada pelo efeito filtrador desse feixe de nervos.

   Entretanto, alguns fisiologistas do cérebro dizem que se você der a uma pessoa uma dose de LSD ou mandá-la para a índia para vinte anos de intensa meditação, algo acontece com a capacidade de filtragem do corpus callosum.  Ele deixa de ser um filtro e se torna um condutor de dados.  Nessas circunstâncias, quando o hemisfério direito e o esquerdo têm livre comunicação, a faculdade de julgamento fica alterada.  Não é raro ouvir um místico dizer que todas as coisas neste mundo têm igual importância - da pulga à bomba atômica.  A hierarquia é substituída por um mundo plano onde tudo tem a mesma importância dentro da grande ordem das coisas.  Para os místicos, sem o mecanismo de filtragem, tudo tem o mesmo valor aos olhos vigilantes de Deus.

   Em termos mais objetivos, isto pode ser verdade e, talvez, os místicos estejam certos.  Isto, porém, não é jeito de se tocar uma estrada de ferro, uma companhia aérea ou a economia global.  Não é o jeito de movimentar dinheiro de um mercado para outro.

   Contudo, até certo ponto, é assim que a economia eletrônica funciona hoje: como se todas as coisas, todos os tipos de informações, fossem iguais.  A economia global, onde “fatos” reais ou imaginários movimentam mercados, funciona como um místico ou um indivíduo sob efeito do LSD.  A atenção, pura e livre, é dirigida não para o que é verdadeiro ou importante mas para tudo igualmente.  Em conseqüência, tudo que capta a atenção do mercado pode movimentá-lo.